Por Tiago Gomes e José Francisco Manssur (*)
O advento da Lei da Empresa Limpa (Lei 12.846/2013), o impacto de legislações estrangeiras com a mesma intenção (FCPA e o UK Bribery Act, por exemplo) e os efeitos percebidos de operações policiais de combate à corrupção no país (operação "lava jato", a mais notável delas) geraram a percepção da necessidade de implementação de programas robustos de compliance nas empresas brasileiras.
Conclui-se, então, que programas de compliance são importantíssimos para evitar os riscos decorrentes de infrações a tais legislações: multas pesadíssimas, restrições à participação em concorrências e licitações, danos reputacionais e prisão para executivos e acionistas.
De fato, os programas de integridade, além de criar uma cultura de austeridade nas empresas, exercendo papel educativo, permitem a detecção de eventuais desvios de condutas. Ou seja, além de criarem valor para a cultura da empresa, podem identificar problemas e permitir que esses sejam remediados e punidos voluntariamente, evitando também a perda de valor econômico para esta.
Na busca da criação de um ambiente de maior austeridade, tem sido cada vez mais comum, por parte de grandes empresas, a imposição contratual de adesão a seus respectivos programas de compliance a todos os terceiros que incluem a sua cadeia produtiva, especialmente clientes e fornecedores.
A proposta é legítima, especialmente porque se adéqua ao que determina o artigo 42, inciso III, do Decreto 8.420/2015, que regulamenta a Lei da Empresa Limpa e estabelece critérios de avaliação para fins de redução das penas pecuniárias estabelecidas na legislação, o chamado programa de integridade.
No entanto, a imposição da adesão de terceiros ao programa de integridade empresarial de uma dada companhia pode gerar uma série de problemas práticos, que inclusive podem lhe retirar a efetividade. Por isso, essa exigência cada vez mais comum tem suscitado um crescente debate.
Além dos evidentes custos de transação associados tanto na negociação dos contratos quanto na verificação da implementação do programa de integridade, não é difícil imaginar problemas de ordem prática que também se associam a tal imposição.
Na prática, empresas (sobretudo as prestadoras de serviço) atuam em diversas cadeias produtivas. Se para cada uma dessas cadeias em que atua tiver de se submeter a um ou mais diferentes programas de integridade, haverá um inegável sacrifício decorrente da obrigação de monitorar o cumprimento de cada um desses programas. Fora isso, há o risco de ter de conviver com normas ou obrigações conflitantes entre si.
Isso sem mencionar que a imposição de programas de integridade a terceiros pode não ser eficiente, pois nem sempre as normas e procedimentos que são adequados a uma organização o serão para todas as demais com as quais se relaciona.
Sob a perspectiva da intenção de se criar um ambiente mais ético e probo em toda a cadeia, a experiência emprestada de outras realidades mostra que normas de soft law — como é o caso das de programas de compliance — tendem a ser muito mais eficazes quando de cumprimento voluntário, e não imposto.
Por outro lado, o recurso a soluções mais abertas como o estabelecimento de obrigações contratuais genéricas de respeito à lei e princípios éticos pode não ser suficiente quando da avaliação do programa de compliance para os efeitos de redução de sanções pecuniárias previstos no decreto regulamentador da Lei da Empresa Limpa. Uma solução alternativa à imposição da adoção do mesmo programa de compliance a terceiros pode ser a aceitação de que esses terceiros tenham implementado programas de integridade atestados por certificadores independentes.
No Brasil e especialmente no exterior, há organizações com credibilidade e expertise técnica na certificação de programas de compliance. Com algumas variações e diferentes complexidades, normalmente o processo de certificação de um programa de integridade tem diversas etapas de avaliação e, ao final, confere à empresa avaliada uma certificação independente daquela que lhe é adequada e está de acordo com a legislação à qual está sujeita. Submete, também, o programa a testes periódicos que funcionam como monitoramento de sua efetividade ao longo do tempo.
A certificação independente é um caminho adotado para solucionar impasses dessa natureza em diversos setores e que parece cair como uma luva para o problema da necessidade de implementação de programas de integridade empresarial para os demais membros da cadeia produtiva.
(*) Tiago Gomes é sócio do Ambiel, Manssur, Belfiore & Malta Advogados, mestre em Direito Comercial e graduado em Direito pela Universidade de São Paulo (USP).
(*) José Francisco Manssur é sócio do Ambiel, Manssur, Belfiore & Malta Advogados, graduado em Direito pela PUC-SP.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, em 23.02.2019.