Por Marina Toth e Paulo Henrique Gomez (*)
O compliance é uma resposta viva ao novo cenário implementado pela Lei Anticorrupção. Podemos definir como um sistema de regras e procedimentos internos específicos, objetivando prevenir, fiscalizar, identificar práticas proibidas por lei e punir esses eventos. A competente implantação de programa de compliance poderá atenuar ou mesmo isentar a responsabilidade das empresas e dos administradores em casos de corrupção.
Esse fenômeno explica a crescente busca por efetivos programas de compliance, visando diminuir a exposição da corporação e de seus executivos a negócios e pessoas implicadas em ilícitos, bem como assegurar todas as possíveis benesses legais para os casos identificados.
No tocante às investigações internas provenientes dos programas de compliance, muitas são as questões que merecem reflexão e posicionamento antes que problemas se instalem. Quando deve ser instaurada a investigação? Quem deve conduzir a investigação? O funcionário pode se recusar a colaborar? Há dever de sigilo nas investigações? Quem pode invocar o sigilo?
A alocação do sigilo profissional referente às comunicações privilegiadas é relevante, pois definirá se a empresa e seus funcionários são proibidos, têm o direito ou têm o dever de repassar às autoridades informações e resultados da investigação.
Sempre que a investigação for conduzida por advogado desempenhando função privativa, no caso consultoria ou assessoria jurídica (o que fica claro quando se trata de advogado externo contratado para esse fim), as comunicações serão privilegiadas e acobertadas pelo sigilo. Isto é, o advogado que conduzir os atos não poderá entregar documentos e conclusões da investigação para as autoridades contra a vontade da empresa, mesmo que intimado formalmente.
Só que tal sensação de segurança pode ser mal compreendida, especialmente para os executivos entrevistados. Isso porque o cliente, para fins de proteção do sigilo das comunicações, é a empresa, e não o executivo que está sendo entrevistado e prestando informações potencialmente autoincriminantes ou incriminadoras a terceiros.
A implicação direta dessa estrutura cliente-advogado é que o advogado que conduzir as entrevistas dos executivos terá o dever de repassar as informações para o cliente titular do sigilo das comunicações privilegiadas, a empresa, que poderá, a seu exclusivo critério, fornecer o conteúdo para autoridades públicas.
Mas caso não fique claro para o entrevistado que o advogado age na capacidade de representante exclusivo da empresa, permitindo que o executivo, de boa-fé, acredite que o advogado também o represente e suas declarações estejam acobertadas pelo sigilo profissional, é possível que o executivo desafie judicialmente a capacidade de a empresa compartilhar com o poder público suas declarações, impedindo que a empresa obtenha benefícios concedidos pela Lei Anticorrupção.
Embora esse tipo de discussão seja ainda incipiente nos tribunais brasileiros, os tribunais norte-americanos já estabeleceram protocolos para preservar o sigilo entre empresa e advogado, excluindo o executivo dessa relação. O advogado deverá avisar formalmente o executivo que é representante legal da empresa, e não do entrevistado, informando claramente que todas as declarações fornecidas, inclusive as autoincriminantes, serão repassadas à empresa, que poderá, a seu critério, compartilhá-las com o poder público.
Para que não haja violação de garantias e direitos, é indispensável que o advogado assegure ao entrevistado a possibilidade de manter-se em silêncio, de não se autoincriminar, de encerrar a reunião retirando-se do recinto a qualquer momento, bem como solicitar que um advogado particular o acompanhe durante o ato. Quase como a leitura de direitos em filmes policiais americanos, daí o apelido de Miranda Corporate Warning.
Ainda valendo-se da ampla experiência norte-americana, que indica a tendência de que, quanto mais privado fica o Direito Penal, mais os tribunais desafiam o attorney-client privilege, estabeleceu-se em 2014 (Barko v. Halliburton[1]) que o conteúdo das entrevistas internas não estaria acobertado pelo sigilo das comunicações quando a investigação fosse mera resposta a protocolos de compliance, sem que a obtenção de aconselhamento jurídico fosse um objetivo significativo.
Trocando em miúdos, decidiu-se que, se o advogado não estiver desempenhando função de conselheiro jurídico, mas, sim, função que outros profissionais poderiam desempenhar, inexistiria razão para reconhecer o privilégio e sigilo das comunicações, que não se dariam, portanto, pela pessoa do advogado estar presente na sala, mas pelo fato de ele desempenhar função privativa de advogado.
Diante dos claros desafios impostos, é indicado ao advogado escolhido tomar o cuidado de se ater à função de prestar consultoria e assessoria jurídica sobre a situação investigada, para não ver nem suas prerrogativas nem as garantias de seus clientes usurpadas pelas tendências mitigadoras dos tribunais, ou por conflitos com executivos das empresas.
Por fim, necessário atentar que a empresa que optar pela condução de investigações internas por funcionários de Recursos Humanos ou compliance officers, que não sejam advogados, estará se colocando na situação de maior vulnerabilidade quanto ao privilégio e sigilo das comunicações, pois em caso de intimação formal esses profissionais não terão a prerrogativa de manterem-se em silêncio, mas, sim, a obrigação de fornecer informações às autoridades, inclusive informações potencialmente danosas à empresa.
Essas são apenas algumas das controvérsias legais que certamente surgirão nos tribunais brasileiros nos próximos anos no tocante às investigações internas, sinalizando para adequações necessários ao novo cenário que se impõe.
[1] Disponível em <https://www.forbes.com/sites/insider/2014/04/16/when-is-an-internal-investigation-not-privileged/ #6af7b19947df> Acesso em: 11/1/2019.
(*) Marina Toth é advogada criminalista, sócia do Toth e Gomez Advogados Associados, mestre em Direito pela Universidade de Michigan (EUA) e conselheira da Comissão de Direitos e Prerrogativas da OAB-SP.
(*) Paulo Henrique Gomez é advogado especialista em contratos, sócio do Toth e Gomez Advogados Associados.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, em 01.03.2019.