Por Luiza Sato e Mateus Bacchini (*)
Um dos princípios mais importantes do método elaborado por Kondo é descartar o que não tenha mais utilidade ou que não tragam mais felicidade ao dono
A fenomenal popularidade da guru da arrumação Marie Kondo ao redor do mundo demonstra que a organização de ambientes é prática que traz resultados extremamente benéficos.
Marie Kondo é uma japonesa de 34 anos, especialista na organização de casas. Em 2011, lançou o seu primeiro livro, “A mágica da arrumação – a arte japonesa de colocar ordem na sua casa e na sua vida”, que inspirou série recentemente lançada em streaming. O seu método, apelidado de “KonMari”, inclui práticas como o descarte de objetos que não tragam mais felicidade ou que não tenham mais utilidade; a organização de objetos por categorias, de preferência em caixas organizadoras com etiquetas identificando o seu conteúdo; e a realização da arrumação imediata e continuamente, sem deixar para mais tarde e com poucas interrupções.
Essa atestada sabedoria de Marie Kondo poderá ser muito bem aproveitada na adequação das empresas à nova Lei Geral de Proteção de Dados (“LGPD” – Lei nº 13.709/2018, conforme alterada pela Medida Provisória nº 869/2018), que regulamenta as atividades de tratamento de dados pessoais, ou seja, todas as operações (uso, coleta, armazenamento, compartilhamento, eliminação, etc.) envolvendo informações relacionadas à pessoa natural identificada ou identificável.
Dentre outras normas, a LGPD propõe exatamente que as empresas mantenham em suas bases apenas dados pessoais completos, exatos, atualizados, relevantes e necessários para a realização das finalidades do respectivo tratamento. Nesse sentido, um dos princípios mais importantes do método elaborado por Marie Kondo é descartar objetos que não tenham mais utilidade ou que não tragam mais felicidade para seus donos. O mesmo descarte deve ser feito por empresas para a conformidade com a LGPD. Hoje, a maioria das empresas não possui uma política de remoção de dados e acaba mantendo informações para sempre.
O acúmulo de objetos leva indivíduos a não encontrarem itens rapidamente e a ocupar espaços desnecessários (inclusive usando para isso garagens que nem mesmo carros abrigam e contratando custosos self storages). O mesmo ocorre com o acúmulo de dados pessoais por empresas: é gasto tempo excessivo para localizar informações relevantes perdidas dentre as irrelevantes e são gastas altas quantias com a aquisição ou aluguel de datacenters.
A fim de atender às normas trazidas pela LGPD, como exemplo, o rápido atendimento à solicitação de um titular de dados para o acesso e correção de seus dados pessoais, será necessário o trabalho prévio da empresa de organizar em suas “caixas organizadoras” todos os dados pessoais por ela tratados. A empresa também deverá aplicar as medidas técnicas e administrativas necessárias para a proteção de tais caixas, para atender aos requisitos de segurança da informação previstos na LGPD, a fim de evitar acessos não autorizados e situações acidentais ou ilícitas de destruição, perda, alteração, comunicação e difusão.
Marie Kondo também acredita que a organização é uma forma de autodiálogo. Enquanto um indivíduo organiza seus objetos, ele reflete sobre sua vida, suas lembranças e suas escolhas. O processo de adequação à LGPD também é uma excelente oportunidade para as empresas conhecerem melhor os seus modelos de negócio e identificar as possíveis melhorias para a eficiência de suas operações e a gestão de seus ativos.
Também é uma importante base do método KonMari a valorização dos bens que possuímos. Informações bem organizadas e úteis serão de grande valor para as empresas, que deverão adotar os procedimentos corretos para o seu tratamento, a fim de evitar que seu uso seja contestado. Isso significa tratar dados apenas sob uma justificativa legal (consentimento, cumprimento de obrigação legal ou regulatória e execução de contratos, por exemplo) e conforme os demais preceitos da lei.
Ainda, a LGPD terá um efeito viral. Assim como podemos constatar a incompatibilidade da convivência entre indivíduos bagunceiros e indivíduos organizados, as empresas que estiverem em adequação à legislação passarão a exigir que outras da cadeia a cumpram também. Desse modo, perderá vantagem competitiva a empresa que não se adequar.
Por fim, outro importante ensinamento do método KonMari relevante para a adequação à LGPD diz respeito ao prazo da arrumação. A guru estabelece que a arrumação deve ser iniciada a partir da necessidade, seguindo uma etapa após a outra, sem muitos intervalos. A LGPD entrará em vigor em agosto de 2020 e, até lá, todas as empresas deverão estar em conformidade, tendo passado por procedimentos complexos e demorados para tanto. Assim, o melhor a fazer é começar a arrumação da casa agora, para colher os frutos o quanto antes.
(*) Luiza Sato e Mateus Bacchini são, respectivamente, sócia e advogado da área de Proteção de Dados, Direito Digital e Propriedade Intelectual do ASBZ Advogados.
Fonte: CIO, em 19.03.2019.