Por Rossana Brum Leques (*)
Especificamente em relação aos programas de conformidade no Brasil, observa-se que o modelo adotado pela nossa legislação é de incentivo, e não coativo, à medida que inexiste como regra geral a obrigação de sua implementação, nem mesmo para empresas de setores sensíveis ou de grande porte, como se observa, por exemplo, na Lei 12.846/2013 e seu decreto regulamentar (Decreto 8.420/2015).
Ao tratar sobre compliance penal e política legislativa, Manuel Gómez Tomillo[1] elenca as razões para se defender um modelo diferente do adotado pelo Brasil no âmbito do combate à corrupção. Isso porque, para o referido autor, a adoção de medidas punitivas com o escopo de reforçar a obrigatoriedade de implementar os programas de conformidade no âmbito das pessoas jurídicas, especialmente quando sob a chancela do Direito Penal, seria altamente positiva. Dentre os argumentos trazidos, destacam-se os seguintes:
(i) os custos para implementação do compliance são elevados, o que pode gerar um desincentivo à sua adoção;
(ii) as dificuldades de investigar delitos econômicos, justamente porque são praticados no seio das empresas, demonstram ser desejável a transferência, ainda que parcialmente, dos custos da prevenção da prática de delitos no âmbito empresarial;
(iii) a importância de gerar confiança nos operadores econômicos, como um importante fator para o funcionamento correto do mercado;
(iv) nem do modelo de sanções administrativas nem do modelo de sanções penais se depreende necessariamente a obrigação da adoção de sistemas preventivos da prática de crimes. Isto é, a implementação ou não dos programas de conformidade fica a cargo do empresariado, que avalia os riscos aos quais está submetido. Assim, a depender das características do seu negócio, pode optar por não assumir o gasto da implementação de um programa efetivo de compliance.
Este último aspecto (item iv supra) parece relevante inclusive para a avaliação da pertinência da adoção, ou não, de um modelo de obrigatoriedade. Isso porque um recorte em relação ao porte da empresa, seu ramo de atuação e interação com o poder público, por exemplo, são elementos importantes a se considerar.
De qualquer forma, o cenário atual, quando checados tais dados (isto é, para algumas realidades), acaba por impor a adoção de um sistema de governança. Isso muito mais por uma exigência do mercado do que em razão do conjunto normativo, que trata da obrigatoriedade tão somente em algumas hipóteses de contratação com o poder público.
A esse respeito, vale destacar que a Lei estadual 7.753/2017 do estado do Rio de Janeiro exige a implantação do programa de integridade, conforme disposto em seu artigo 1º, “às empresas que celebrarem contrato, consórcio, convênio, concessão ou parceria público-privado com a administração pública direta, indireta e fundacional do Estado do Rio de Janeiro”. Trata-se de obrigação imposta quando os valores envolvidos forem superiores a R$ 1,5 milhão para obras e serviços de engenharia e R$ 650 mil para compras e serviços. A inobservância de tal imposição possui como sanção a aplicação de multa no valor diário de 0,02% do contrato, limitado ao máximo de 10%, nos termos do artigo 6º da lei em comento.
No mesmo sentido, o Distrito Federal tratou sobre a questão na Lei Distrital 6.112/2018, segundo a qual:
“Fica estabelecida a obrigatoriedade de implementação do Programa de Integridade em todas as empresas que celebrem contrato, consórcio, convênio, concessão ou parceria público-privada com a Administração Pública do Distrito Federal, em todas as esferas de Poder, cujos limites de valor sejam iguais ou superiores aos da licitação na modalidade tomada de preço, estimados entre R$ 80.000,00 e R$ 650.000,00, ainda que na forma de pregão eletrônico, e o prazo do contrato seja igual ou superior a 180 dias”.
Consta, ainda, como alerta que: “O Programa de Integridade que seja meramente formal e que se mostre absolutamente ineficaz para mitigar o risco de ocorrência de atos lesivos previstos na Lei federal nº 12.846, de 2013, não é considerado para fins de cumprimento desta Lei”.
Espera-se, assim, que a implementação seja comprometida, e não “para inglês ver”. Entretanto, embora a ressalva legal seja pertinente, deve-se notar que um programa de compliance exige não apenas investimento financeiro, mas também de tempo, a fim de que adquira maturidade. Deste modo, é preciso ter cautela em relação à consideração de existência (ou não) de um programa efetivo.
Note-se que o modelo de obrigatoriedade de implementação do programa de compliance para contratação com o poder público foi igualmente observado pelo estado do Amazonas (Lei estadual 4.730/18).
Ademais, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Portaria 877/2018) também criou a obrigatoriedade para as companhias que celebrem contratos com o referido órgão em valor igual ou superior a R$ 5 milhões.
Observa-se, portanto, uma tendência de modificação do cenário atual, seguindo a linha doutrinária e legislativa que adota o modelo obrigatório de implementação dos programas de compliance voltados ao combate à corrupção, especialmente diante da hipótese de interação com o poder público.
[1] GÓMEZ TOMILLO, Manuel. Compliance penal y política legislativa, p. 18-21.
(*) Rossana Brum Leques é advogada criminalista.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, em 25.05.2019.