Por Gabriela Guimarães e Nathália Rocha Peresi*
O magistrado italiano Giovanni Falcone (1939-1992), um dos responsáveis por deflagrar a Operação Mãos Limpas e referência dos trabalhos conduzidos por Sérgio Moro enquanto juiz da Operação Lava Jato, afirmava que uma das regras de combate ao crime organizado é atacar a economia movimentada por este, pois, sem capital, não há crescimento nem força corruptora.
Essa regra sintetiza a máxima de que ‘é preciso seguir o caminho do dinheiro’.
Se para os aplicadores da lei, como já diziam os romanos, o ‘dinheiro tem cheiro’ (pecunia olet), o que viabiliza a sua persecução e apreensão, para a iniciativa privada, particularmente as instituições financeiras, a ausência de diligências para, dentre outras coisas, identificar minimamente a sua origem e a identidade do seu proprietário/beneficiário pode gerar um ‘mau cheiro’.
Desde 2016, a mídia nacional indica que a força tarefa da Operação Lava Jato investiga o papel de bancos privados em crimes financeiros envolvendo a Petrobrás. Porém, nos últimos anos, pouco se escutou sobre os avanços da operação nesse sentido e, só recentemente, algumas prisões foram noticiadas.
Por um lado, é compreensível que a operação não consiga atender aos anseios (e ansiedade) da maioria da população quanto à celeridade das ações de ‘higienização do país’, em função dos seus diversos desdobramentos e observados impasses políticos. Por outro, esta frustração gera uma percepção de que há ineficiência dos órgãos de controle e fiscalização.
Enquanto empresas pertencentes à economia real estão se empenhando para demonstrar que adotam critérios mínimos de compliance, continua inacessível à sociedade o que as instituições financeiras estão fazendo para aprimorar seus controles internos, com iniciativas de prevenção à corrupção, à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo.
E isso apesar de, nos últimos anos, os órgãos reguladores, como o Banco Central, terem sido taxativos quanto à necessidade de políticas assertivas de compliance.
Os programas de compliance das instituições financeiras podem ser, mais que nunca, colocados à prova. Os órgãos de persecução penal não perdoam. A sanha de perseguição do dinheiro, no caminho da detecção do crime, pode ser desastrosa para as instituições financeiras que não estiverem adequadas às boas práticas de compliance.
É preciso lembrar que a delegação legal às instituições financeiras quanto à responsabilidade de garantir a higidez do sistema financeiro foi um passo importante no quadro institucional brasileiro.
Entretanto, quando este papel não é cumprido, pode implicar sanções administrativas prevista em leis.
Ocorre que, por ginásticas interpretativas, essa omissão pode ser convertida também em responsabilização criminal. Não é por menos, frise-se, que a intervenção penal se mostra o caminho mais curto no rastro do dinheiro, pois traz consigo os aparatos mais ostensivos, como prisões, buscas e apreensões, sequestros de valores e afins.
A atribuição de crime aos gestores financeiros é perigosa. É facilmente assimilável a tradução de condutas fraudulentas, intencionalmente arquitetadas, em crimes.
Simulações de contratos fictícios, assinaturas apostas em documentos falsos, informações falsas prestadas aos órgãos de fiscalização, tudo isso para obliterar o ‘mau cheiro’ do dinheiro, são clássicas condutas criminosas.
No entanto, a concepção de que a não adoção de medidas de compliance, ou, pior, a sua adoção com falhas, pode ser considerada conduta criminosa já não “desce redondo”, como se diz na linguagem popular.
A questão, sob a dogmática penal, é complexa, muito polêmica e merecedora de discussões próprias.
Na dúvida, o melhor é investir no aprimoramento das iniciativas de compliance de modo a gerar clareza quanto à interpretação das normas pertinentes.
É um caminho certo para a segurança e estabilidade do sistema financeiro nacional.
E evita o ‘mau cheiro’ do dinheiro.
*Gabriela Guimarães, sócia da FourEthics, coordenadora de cursos de Compliance da IBS/FGV, professora na FIA (Fundação Instituto de Administração); Nathália Rocha Peresi, mestre em direito processual penal pela USP, é sócia do Chenut Oliveira Santiago Advogados, responsável pela área de direito penal empresarial
Fonte: O Estado de São Paulo, em 28.05.2019.