Por Bruna Piza e Larissa Mendes, do núcleo de Compliance do IEAD
INTRODUÇÃO
No mundo atual, temas relacionados à moral e à ética têm estado em grande destaque, essencialmente pelas novas mudanças e pela globalização, que permitem que as nações fiscalizem de forma mais próxima umas às outras, nascendo um novo conceito pactuado em boas práticas de negócio.
A tecnologia da informação auxilia a criação desse novo quadro, otimizando as atividades cooperadas e facilitando as auditorias, ou seja, hoje as organizações prezam pela integridade e honestidade baseada no que de fato são.
Em consequência dessas mudanças, surgiu a necessidade de fiscalizar o comprometimento das organizações com a integridade na sua rotina corporativa, momento em que surgiu o instituto compliance.
O programa de compliance está vigente no ordenamento jurídico brasileiro desde a Lei 12.846/13, que estabelece a responsabilidade civil e administrativa de empresas, fundações e associações quanto a prejuízos causados ao Erário Público por práticas de seus empregados ou representantes.
Os programas já são reconhecidos mundialmente como uma medida eficaz para diminuição de riscos, criando confiança econômica e social, além de valorizar a marca das empresas como um todo.
Ele permite alcançar diversas vertentes do Direito por ser pluridisciplinar, como ocorre no Direito do Trabalho.
A principal meta almejada em um programa de compliance trabalhista é a garantia e proteção aos riscos trabalhistas que a empresa possa vir a sofrer por práticas de condutas ilegais.
Existem métodos eficazes desses programas que, aplicados em conjunto com a consultoria jurídica, minimizam riscos e até mesmo extinguem práticas indevidas.
Com a reforma trabalhista, a lei previu diversas possibilidades de imputar ao empregado responsabilidades, o que demonstra a latente importância da aplicação de um bom programa.
Cada vez mais, há a necessidade da aplicação destes programas, haja vista a enorme insegurança jurídica que a reforma trabalhista ocasionou.
O SURGIMENTO DO COMPLIANCE E SEU CONCEITO
Importante destacar que as práticas relacionadas ao compliance já existiam em nosso país antes do surgimento da Lei 12.846/13, também denominada “Lei Anticorrupção”.
Em 1977, o Comitê da Basileia, que o Brasil integra, divulgou vários princípios a serem utilizados em ações do meio bancário, que deveriam ser respeitados por todos os participantes.
A Convenção de Viena de 1988 aprovou resoluções que obrigavam os países membros a punir a lavagem de dinheiro originária do tráfico de drogas.
Essa diretriz fez surgir no Brasil a Lei 9.613/1998, a famosa “Lei de Prevenção à Lavagem de Dinheiro”, que criou o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).
O “Coaf” é órgão vinculado ao Ministério da Fazenda, que tem como função disciplinar, aplicar penalidades administrativas, receber, examinar e identificar ocorrências suspeitas de atividades ilícitas.
Foi atribuído também ao “Coaf” a competência de regular os setores econômicos para os quais não haja órgão regulador ou fiscalização própria.
Em setembro de 1998, foi publicada a Resolução de nº 2.554 do Banco Central do Brasil (BACEN) que trouxe ao nosso país as regras de Compliance Bancário já existentes em outros países, como por exemplo na Europa o Comitê da Basiléia para Supervisão Bancária (em 1975) e Estados Unidos com o SEC – Securities and Exchange Commission (em 1934).
Isto posto, podemos observar que os princípios basilares desse instituto já existiam muito antes da publicação da “Lei Anticorrupção”
Em tempos atuais, os diversos escândalos tiveram grande parcela de contribuição para a disseminação dos ideais de compliance, como por exemplo a Operação Lava Jato.
O conceito geral de compliance deriva do verbo inglês “to comply”, que significa “cumprir, executar, satisfazer, realizar o que lhe foi imposto”, ou seja, compliance é o dever de cumprir, estar em conformidade e fazer cumprir regulamentos internos e externos impostos às atividades da instituição.
O programa, como já mencionado, é multidisciplinar o que permite aplicação em várias zonas do Direito, vejamos o seu conceito e sua aplicação na esfera trabalhista.
O compliance trabalhista pretende estabelecer na empresa programa voltado para a obediência a critérios legais de contratações de funcionários, demissões, relação interpessoal entre funcionários, normas de saúde e segurança do trabalho, terceirização de serviços entre outros.
São ferramentas que visam alterar a cultura organizacional da empresa. É um programa de integridade que traz novas condutas que proporcionam a regularidade da atividade da organização e o comprometimento de seus colaboradores, gerando segurança jurídica para a empresa na tomada de decisões.
O programa deve ser voltado às necessidades de cada empresa, ou seja, é personalíssimo. Sua aplicação inicia-se com o alinhamento entre as metas almejadas pela alta administração da empresa e o propósito do programa de compliance trabalhista, bem como o diagnóstico dos problemas a serem enfrentados.
Citamos alguns dos principais impasses: atendimento a fornecedores, relacionamento interpessoal, admissão, demissão e extravio de documentação.
A auditoria interna ao RH da empresa é uma ferramenta eficaz que oportuniza a devida aplicação do programa. Lembrando que cada empresa apresenta problemas distintos, sendo assim, um dos pilares determinantes é a análise (auditoria interna) podendo existir outros instrumentos aplicáveis.
O compliance trabalhista vai muito além de seguir as normas previstas na CLT, amplia-se para uma gestão empresarial ético sustentável, de forma a não suprimir nenhum direito trabalhista e criar um ambiente saudável para o trabalhador e, também, para a empresa prosperar.
Como visto, o compliance sempre foi uma necessidade mundial que vem crescendo bastante em nosso ordenamento jurídico brasileiro e, para que haja uma efetiva execução do programa, faz-se necessário seguir os pilares mínimos que serão descritos em seguida.
PILARES DO COMPLIANCE TRABALHISTA
Os pilares que sustentam toda a engrenagem do compliance trabalhista, tem o intuito de conferir efetividade, solidez e perpetuação do programa. Vejamos cada um deles:
Primeiro Pilar - Suporte da Alta Administração: Trata-se do alinhamento entre a decisão da empresa sobre o caminho a ser trilhado e os objetivos a serem alcançados pelo programa. Fundamental para qualquer compliance verdadeiramente efetivo.
Segundo Pilar – Avaliação de Riscos: Traçadas as metas a serem atingidas pelo programa, passamos ao mapeamento dos riscos internos e externos aos quais a empresa está exposta, considerando a legislação e as normas internas da empresa. A partir de métodos e técnicas apropriadas, é possível conhecer os obstáculos com antecedência, evitá-los, mitigá-los e oferecer soluções estratégicas.
Terceiro Pilar – Código de Conduta, Regulamento Interno e as Políticas da Empresa: Servem como guia para o devido cumprimento do programa de compliance trabalhista, da legislação inerente ao modelo de negócio da empresa e, principalmente, traz os princípios e valores adotados pela organização.
Quarto Pilar – Controles Internos: podem ser subdivididos em controles preventivos (ex.: segregação de funções) e controles detectivos (ex.: prestação de contas). Servem como obstáculo ao fluxo desenfreado e buscam reduzir os riscos anteriormente mapeados, devendo, contudo, ser utilizados de forma racional para que não atrapalhe as atividades que sustentam a empresa.
Nesse momento, medidas importantes são tomadas, como a criação de novos procedimentos, eventual sugestão de modificação no quadro de colaboradores (especialmente no que se refere às suas posições e salários), além da adoção de documentos essenciais na rotina da empresa que lhe garantam segurança nas suas relações de trabalho.
Quinto Pilar – Treinamentos: Uma vez estabelecidos os padrões a serem seguidos, os valores a serem adotados e os procedimentos internos, o treinamento periódico da equipe se torna prioridade. Tem o intuito de disseminar a cultura de ética nos negócios e nas atividades desenvolvidas pelos trabalhadores, estabelecer novas condutas, além de transmitir conceitos e princípios que afetam a performance de cada colaborador.
Sexto Pilar – Canais de Denúncia: Através deles, relatos de possíveis violações das leis e de normas internas, bem como de desvios de conduta dos colaboradores são investigados e, uma vez apurados os fatos, medidas correspondentes são tomadas. Além de averiguar denúncias, o canal tem o intuito de inibir condutas graves, como, por exemplo, o assédio moral muito comum nas relações de trabalho.
Sétimo Pilar – Investigações Internas: Em caso de denúncia, indicação de conduta indevida através dos controles internos e processos de monitoramento ou mesmo a partir de notícias, as investigações internas são instauradas. Trata-se de procedimento de averiguação capaz de revelar, com credibilidade, se houve uma conduta imprópria ou não, quais foram as circunstâncias, quem estava envolvido e se, de fato, ocorreu a violação de leis ou políticas da empresa.
Oitavo Pilar – Due Diligence: As empresas que operam seus negócios com a participação de terceiros (parceiros, representantes, revendedores, etc.) devem estar atentas e promover um processo de avaliação desse terceiro seguindo suas regras e cultura vigentes, antes de celebrar contrato com este. Através dessa ferramenta, é possível levantar informações acerca da estrutura societária e situação financeira do terceiro, verificar se tem histórico de práticas trabalhistas contrárias à ética e às leis, dentre outras informações relevantes, sempre no intuito de evitar que a empresa seja exposta a riscos legais.
Nono Pilar – Auditoria e Monitoramento: Para avaliarmos a efetividade do programa de compliance, é necessário implementar um processo de avaliação constante (monitoramento), além de auditorias regulares. Assim, é possível identificar se a empresa está seguindo o rumo esperado, se a produtividade dos funcionários atende às expectativas e se os riscos anteriormente diagnosticados estão sendo evitados.
CONCLUSÃO
Ao longo do artigo, pôde-se verificar a importância de cumprir o passo a passo dos pilares básicos do compliance, que se originou nas relações empresariais e se intensificou após a publicação da Lei Anticorrupcao, passando a ser utilizado com frequência no âmbito trabalhista, considerando sua eficaz aplicabilidade.
Vejamos que o programa funciona como uma importante ferramenta de fiscalização e controle, no tocante ao cumprimento da política organizacional, auxiliando na inspeção de toda cadeia produtiva da empresa.
Ademais, a execução do compliance trabalhista permite a redução de custos da empresa, já que passa a adotar uma postura transparente, com o cumprimento da legislação, trazendo a diminuição do passivo trabalhista e da aplicação de autos de infração.
Bruna Piza é advogada atuante em Direito Empresarial do Trabalho com foco em Compliance Trabalhista. Sócia fundadora do escritório Almeida Piza Advogados Associados. Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela PUC-GO e LLM em Direito Empresarial pela FGV. Membro da Comissão de Direito do Trabalho da OAB/GO, membro do Instituto Goiano de Direito do Trabalho e associada ao Instituto de Estudos Avançados em Direito - Núcleos de Direito do Trabalho e de Compliance.
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Larissa Mendes é advogada atuante em Direito Empresarial do Trabalho com foco em Compliance Trabalhista. Sócia fundadora do escritório Mendes & Fleury Advogados Associados. Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela FUMEC-MG. Aluna especial do Mestrado em Relações Sociais e Trabalhistas da UDF (Universidade do Distrito Federal). Membro da Comissão de Direito do Trabalho da OAB/GO, membro do Instituto Goiano de Direito do Trabalho e associada ao Instituto de Estudos Avançados em Direito - Núcleos de Direito do Trabalho e de Compliance.
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BIBLIOGRAFIA
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SANTOS, CLEORBETE, ALMEIDA CAMARGO, CORIOLANO, Fundamentos do Compliance – 2019;
VERÍSSIMO, Carla, 2019, Compliance - Incentivo À Adoção De Medidas Anticorrupção, Editora Saraiva.
NEVES, Edmo Colnaghi, Compliance Empresarial: o tom da liderança, São Paulo, Trevisan editora, 2018.
Fonte: JusBrasil, em 17.06.2019.