Autoridades americanas viram falhas no controle de corrupção em expansão internacional da empresa
Por Beatriz Bulla
WASHINGTON - O Walmart negociou um acordo com autoridades americanas para concluir uma das maiores investigações dos Estados Unidos sobre práticas de corrupção fora do país. A empresa concordou em pagar US$ 282 milhões em multa – o equivalente a pouco mais de R$ 1 bilhão – por não ter exercido controle necessário para evitar a corrupção na expansão internacional em vários países, sendo um deles o Brasil. A subsidiária da empresa no Brasil confessou, no processo de investigação, ter violado leis que regulam os procedimentos anti-corrupção.
A multa total é uma soma dos valores que serão pagos ao Departamento de Justiça, pelas implicações criminais, cerca de US$ 138 milhões, e à Securities and Exchange Comission (SEC), órgão regulador do mercado financeiro, outros US$ 144 milhões.
As investigações começaram em 2012, quando o jornal The New York Times revelou que o Walmart havia feito pagamentos suspeitos a servidores no México. Depois disso, o governo americano passou a fazer uma investigação sobre as práticas da empresa e ampliou o escopo para os negócios na China, Índia e no Brasil. Os investigadores culpam a empresa por não ter usado os controles exigidos pela legislação ao contratar empresas terceirizadas para abertura de lojas nos quatro países.
Em comunicado nesta quinta-feira, o procurador Brian A. Benczkowski afirmou que o Walmart “lucrou com a rápida expansão internacional, mas ao fazer isso optou por não tomar as medidas necessárias para evitar a corrupção”. “Em vários casos, os altos funcionários do Walmart sabiam das falhas de seus controles internos relacionados à corrupção envolvendo subsidiárias estrangeiras e, no entanto, o Walmart falhou durante anos em implementar controles suficientes em conformidade com as leis criminais dos EUA. Como a resolução de hoje mostra, até mesmo a maior das empresas dos EUA que opera no exterior está submetida às leis dos EUA, e o Departamento de Justiça continuará investigando e processando agressivamente a corrupção estrangeira ”, afirmou.
Em comunicado, o Walmart informou que está “comprometido em fazer negócios da maneira correta e que isso significa agir de forma ética em todos os locais onde há operações”. A empresa também afirmou que possui agora um programa forte de compliance e anti-corrupção global. O Departamento de Justiça informou que o Walmart não divulgou voluntariamente a conduta no México e apenas divulgou a conduta no Brasil, China e Índia depois que o governo americano já havia começado a investigar o caso mexicano.
A multa negociada pela empresa é muito menor do que os valores que chegaram a ser debatidos em 2016, ainda no governo Barack Obama. Na época, segundo registros do jornal The New York Times, os procuradores exigiam uma multa de US$ 600 milhões. Os valores também ficaram bem abaixo dos US$ 1,78 bilhões cobrados da Petrobrás em investigação de corrupção nos EUA.
A investigação mostrou que, por onze anos, entre 2000 e 2011 funcionários responsáveis pelo controle contábil da empresa estavam cientes de falhas nos procedimentos anticorrupção, inclusive relacionados a pagamentos potencialmente irregulares a autoridades de alguns países onde a empresa operava. Mesmo assim, a empresa não adotou medidas para aprimorar os controles na contratação de empresas terceirizadas que tratavam com agentes do governo sobre licenças de novas lojas.
'Feiticeiro brasileiro'
Foi o que aconteceu no Brasil. Apesar do alerta nos relatórios de autoria interna, a empresa manteve e renovou contratos com terceirizadas sem implementar controles suficientes. O Departamento de Justiça dos EUA informou que foram feitos pagamentos indevidos no País a servidores do governo como contrapartida a facilitações na construção de duas lojas, em 2009. A WMT Brasília, subsidiária integral no Brasil, confessou não ter mantido registros contábeis na forma exigida.
Os executivos internacionais do Walmart tiveram ciência dos riscos de corrupção no Brasil por volta de julho de 2000, mas mesmo assim o sistema de “due dilligence” não foi implementado. Entre 2008 e abril de 2012, o Walmart Brasil pagou US$ 52 milhões a uma construtora para a construção de oito lojas no País. Em 2009, a empresa soube que foram feitos pagamentos ilegais a autoridades do governo brasileiro para acelerar o processo de construção de duas lojas. Segundo os documentos, o Walmart não estava ciente dos pagamentos ilegais a uma das lojas quando foram feitos, mas não tomou as devidas cautelas exigidas apesar dos alertas. Os americanos não informam o nome da empresa de construção.
A empresa também indicou um intermediário, ex-servidor do governo, à construtora para acelerar o processo de obtenção de licenças, apesar de alertas de que o intermediário era pessoa física. Os americanos também não informaram o nome do intermediário, mas apontam que o apelido dele dentro do Walmart Brasil era “gênio” e “feiticeiro” na empresa, por conseguir mais rápido permissões de construção.
“O Walmart Brasil contratou indiretamente o intermediário através da construtora porque funcionários do Walmart Brasil, incluindo um executivo, sabiam que não podiam contratar o intermediário diretamente, em razão de várias bandeiras vermelhas. Um funcionário de Relações Governamentais da empresa informou a um funcionário de Ética e Compliance que ele acreditava que o intermediário era um funcionário do governo e o próprio Walmart Brasil não tinha permissão para contratar funcionários públicos”, informa o relatório do Departamento de Justiça.
Fonte: O Estado de São Paulo, em 20.06.2019.