Por Yuri Sahione e Rafael Lara (*)
O compliance já é uma realidade também na administração pública. Três estados já possuem leis que exigem programa de integridade das pessoas jurídicas que pretendam fazer negócios com a administração. Recentemente, o estado de Goiás publicou a Lei 20.489/19. Rio de Janeiro e Distrito Federal já possuem legislação semelhante. A expectativa é que a iniciativa seja seguida também por outras unidades da federação nos próximos meses.
Em Goiás, na prática, o novo dispositivo legal prevê a exigência de um programa para as empresas que celebrarem todo tipo de contratos administrativos como acordos, convênios, parcerias público-privadas com a administração pública direta, indireta e fundacional, cujos valores sejam maiores do que R$ 1,5 milhão para obras de engenharia e R$ 650 mil para compras e serviços e o prazo do contrato seja superior a 180 dias.
Ao exigir que as pessoas jurídicas contratadas e parceiras do Estado tenham seus respectivos programas, a norma estadual pretende minimizar o risco de que as partes privadas engajem em atos lesivos contra a administração e esta obtenha melhor desempenho e qualidade na relação contratual.
Implementando mecanismos de controles internos previstos na legislação, as empresas terão, além da redução do risco jurídico com a prática de ilícitos, um aprimoramento dos processos de gestão da própria atividade fim.
Isso porque as demandas que o programa de integridade tem de monitoramento contínuo e auditoria fazem com que as áreas de core business tenham que trabalhar com o referencial de geração de evidência, ou seja, documentar processos internos, fundamentar decisões, produzir relatórios de medição bem documentados, a exemplo da produção de registros fotográficos dos cumprimentos contratuais.
O ganho de eficiência que os controles internos empresariais proporcionam impacta diretamente a competitividade da pessoa jurídica, beneficia a Administração Pública enquanto cliente final e gera ganho de capital social pela boa imagem criada.
Para estar em conformidade com a legislação, a pessoa jurídica deverá apresentar ao Estado relatório de perfil e relatório de conformidade do programa. Ainda que haja incompletude na definição dos conteúdos dos relatórios indicados no texto legal, os relatórios já são conhecidos e fazem parte da prática dos profissionais da área. Enquanto não sobrevier decreto regulamentado esse dispositivo, atenderá a exigência os relatórios que seguirem o padrão estabelecido pela Portaria 909/15 da Controladoria Geral da União (CGU).
O momento adequado para a apresentar os relatórios é no momento da contratação, não havendo nenhum indicativo de que a existência ou não do programa possa influenciar de alguma forma a habilitação e/ou escolha do fornecedor pela administração pública.
O estabelecimento do contratação como momento adequado para a comprovação da exigência legal é o mais adequado, pois dá liberdade para a Administração Pública poder avaliar de forma profunda e adequada – inclusive por meio de entrevistas – o funcionamento e a efetividade do programa, permitindo inclusive concluir pela existência de programas meramente formais.
Quanto ao conteúdo do programa, a legislação acertou ao repetir – em menor escala – os parâmetros que foram referendados também pelo Governo Federal, o Estado do Rio de Janeiro e o Distrito Federal, garantindo segurança aos empresários de que há homogeneidade entre as diversas unidades federativas.
Entretanto, de um lado, ao exigir de forma indistinta que o programa de toda e qualquer empresa tenha a adaptação do programa a partir de análises periódicas de riscos, uma estrutura independente para a autoridade do programa e um canal de denúncias aberto de forma indistinta, a legislação impôs um ônus de estrutura para micro e empresas de pequeno porte que não é exigido pelo Governo Federal e pelo Estado do Rio de Janeiro por exemplo.
Do outro lado, não se exigiu que os programas tenham cuidado com a contratação de terceiros, impondo a realização de due diligence, por exemplo, sendo comumente reconhecido na prática que terceiros representam relevante risco de integridade para a empresa.
Quem não cumprir com a legislação, além de não usufruir das vantagens que o programa proporciona, sofrerá multa diária de 0,1% até o limite de 10% do valor do contrato, até que a obrigação seja satisfatoriamente cumprida. Considerando o tipo de fornecimento, uma multa que alcance o patamar de 10% do valor do contrato pode inviabilizar a margem de lucro do negócio conquistado.
Os programas de integridade como componentes da gestão empresarial e indutores de boas práticas empresariais já fazem parte da realidade dos negócios do país, a exemplo das empresas que realizam negócios com o exterior, com multinacionais ou com empresas que tenham participação pública.
A nova lei de Goiás permitirá, desde que a administração apoie e capacite seus funcionários, que essa onda evolutiva alcance um maior número de empresas e crie um ambiente de negócios no estado que estimule seu desenvolvimento sustentável. E que bons exemplos sejam seguidos! A boa gestão e a integridade na administração pública devem sempre prevalecer!
(*) Yuri Sahione é advogado e presidente da Comissão de Compliance do Conselho Federal da OAB.
(*) Rafael Lara é advogado e vice-presidente da Comissão de Compliance do Conselho Federal da OAB.
Fonte: O Estado de S. Paulo, em 04.08.2019