Por Wagner Giovanini (*)
O compliance bem aplicado, ou seja, um Mecanismo de Integridade efetivo, pode ajudar muito a sociedade e a nação, colocando freios nas más condutas, fraudes, corrupção, lavagem de dinheiro, entre outros delitos, cometidos no ambiente corporativo. Por decorrência, auxilia também na formação das pessoas, pois elas são impactadas por treinamentos, sensibilização, comunicação regular, bons exemplos vindos de seus superiores, consequências concretas advindas dos maus exemplos, etc. E isso acaba sendo disseminado na família, nos círculos de amizade, redes sociais e assim por diante. Além disso, uma empresa íntegra buscará parceiros comerciais íntegros, transferindo a eles uma cultura do bem, de fazer o certo sempre. Portanto, não há dúvida: o Mecanismo de Integridade verdadeiro dá uma contribuição valiosíssima ao país e, dessa maneira, merece o apoio de todos.
Existem leis alinhadas com esse raciocínio, como a 12.846/13, conhecida por Lei da Empresa Limpa. Ela impõe penalidades muito severas às organizações que descumprirem seus requisitos. Mas, por outro lado, incluem os Mecanismo de Integridade como forma de prevenção e até atenuação das penalidades, caso o delito tenha sido pontual.
Todavia, é necessário evitar medidas inúteis e privilegiar o uso coerente dos recursos, buscando agregar valor e não desperdiçar tempo e dinheiro. Exemplificando, vale analisar o tema “certificação do Compliance Officer”, visto haver um Projeto de Lei (SF PLS 00435 2016) tratando dessa matéria, na tentativa de alterar o art. 7.o da Lei da Empresa Limpa, a fim de exigir a certificação do gestor de sistema de integridade, como condição para atenuar sanções administrativas.
Essa medida não assegura benefício ao sistema de integridade. A certificação individual pode demonstrar que a pessoa passou numa prova e, no máximo, possui um determinado conhecimento sobre certa matéria. Porém, dominar um assunto é muito diferente de saber empregá-lo na prática. Aliás, além de saber aplicar, precisa ter vontade, condições e apoio para tal. Sem a conjunção desses fatores, não haverá sucesso! A certificação do gestor não passará de mais um papel inútil, quando o propósito se referir à integridade.
Nos meus quase 35 anos de vida profissional, presenciei inúmeras situações de “gestores certificados” muito menos capazes, se comparados com outros “não certificados”. Inclusive, em vários casos, incompetentes buscavam as certificações visando manterem empregos ou apenas melhorarem seus currículos.
Obviamente, não se pode generalizar. O bom profissional e competente nas suas funções pode buscar uma certificação, seja com o fim de ratificar e atestar o seu conhecimento ou melhorá-lo. Nessas circunstâncias, não se merecem críticas, pelo contrário, o estudo engrandece e deve sempre ser incentivado.
O ponto focal da discussão, entretanto, não é esse! A certificação do gestor não guarda nenhuma relação com a instituição estar mais ou menos comprometida com a integridade. Desse modo, torna-se insensato vincular a atenuação das sanções com a certificação do gestor.
Se houver interesse genuíno em contribuir na construção de um país melhor, a direção é outra. O correto configura-se na certificação da entidade. Ou seja, um auditor treinado, capacitado, independente e confiável atestar que o Mecanismo de Integridade de uma organização funciona de verdade. E, assim sendo, torna-se indiferente se o gestor é ou não certificado.
A certificação do Mecanismo de Integridade precisa ser mais bem explorada no Brasil, pois é a forma mais inteligente em se disseminar a cultura da ética empresarial, por meio da exigência legal ou demanda das empresas, sem a preocupação de como essa condição pode ser demonstrada e comprovada.
Esse processo está dando seus primeiros passos, mas pode e deve ser acelerado. No momento, existem organismos e auditores capacitados, além de referências apropriadas, como é o caso da DSC 10.000, primeira norma brasileira para a certificação do compliance nas empresas. Hoje, 44 organizações já obtiveram seus certificados de conformidade, atestando possuírem um Mecanismo de Integridade efetivo e em sintonia com a Lei 12.846/13 (Fonte: www.ebanc.com.br).
O referido certificado pode ser utilizado como vantagem competitiva, pois se um cliente considerar importante contar com um fornecedor ou parceiro íntegro, nas suas concorrências, nada melhor como um atestado emitido por um órgão independente e qualificado para verificar, na prática, se tal entidade cumpre, de fato, os requisitos estabelecidos.
Além disso, as companhias certificadas podem demonstrar facilmente o atendimento às diversas legislações estaduais, que rezam sobre os processos de licitação e a obrigatoriedade da implementação dos Mecanismos de Integridade quando do fornecimento na área pública, como por exemplo as dos Estados do Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Amazonas, Goiás, Pernambuco e Distrito Federal. No âmbito do poder público, o certificado exime os servidores de se obrigarem a verificar se seus fornecedores cumprem ou não a lei, visto ser tal documento a prova de que necessita.
A concordância de haver uma necessidade premente em mudanças de comportamento na ceara corporativa e o desejo na prevalência da ética e integridade nas relações comerciais são insuficientes. Tornam-se primordiais ações concretas, inteligentes, efetivas, objetivas, firmes. Não se permite aos responsáveis de compliance negligenciar suas missões de agir, não apenas dentro dos limites de suas corporações, mas sim de expandir suas atuações para os fornecedores, parceiros, distribuidores… Dos consultores, advogados, agentes públicos e outros profissionais da área, espera-se responsabilidade, para propor e realizar o que, de fato, importa!
(*) Wagner Giovanini é especialista em compliance e sócio da Compliance Total e Contato Seguro. Autor do livro Compliance – a excelência na prática
Fonte: O Estado de São Paulo, em 20.08.2019.