"Quem de nós nunca mandou um e-mail para destinatário errado?”, perguntou Marcel Leonardi, advogado especializado em Direito Digital, ex-executivo da Google. “É o que se chama incidente de segurança ou vazamento de informação", define. Para ele, esta é a falha mais comum que existe, seja no setor público ou no privado. Sua palestra no seminário internacional "Desafios da gestão de dados pessoais no poder público", promovido pelo TJSC, abordou esta questão e os deveres dos agentes de tratamento, com foco nas sanções previstas na LGPD para o setor público.
Para Leonardi, primeiro palestrante da tarde desta sexta-feira (4/10), não haverá uma alteração drástica por conta da nova lei, mas a proteção, o registro e a documentação dos dados irão mudar de forma substancial. Um dos principais desafios, disse, será criar uma cultura dentro das instituições públicas que entenda as novidades e as exigências da LGPD. “Embora não seja novidade para o setor público lidar com dados, será um processo complexo”. Leonardi lembrou que a administração pública está muito mais familiarizada com dados cadastrais do que com dados pessoais.
"A lei é extremamente ampla porque o conceito de dado pessoal é muito amplo, assim como é o conceito de tratamento". A partir de agosto de 2020, ele enfatizou, "toda a atividade de tratamento de dados terá como embasamento um fundamento jurídico, e o setor público poderá contar, principalmente, com esta base legal de execução de políticas públicas para se orientar".
Para Bruno Bioni, advogado especializado em Direito Digital e segundo palestrante da tarde, a LGPD inicia uma nova jornada e uma nova cultura jurídica em termos de dados pessoais no Brasil. Ele abordou as particularidades e o impacto da nova lei no setor público, com foco nos deveres do setor público. Ele ainda traçou um contexto histórico, falou das bases legais e fez uma leitura constitucional da lei. “Esta leitura constitucional é importante porque a parte da LGPD na qual se estabelecem as responsabilidades da esfera pública é muito confusa”.
Passado, presente e futuro pautaram a conferência do doutor Cláudio Amante, professor e ex-secretário de Inovação da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Ele lembrou que a humanidade conviveu com dados desde os tempos mais remotos, como na elaboração das primeiras ferramentas e no domínio do fogo. Hoje, na 4ª Revolução Industrial, destacou que já lidamos com plantas e animais geneticamente modificados, com a inteligência artificial presente em todos os espaços.
A partir de uma projeção divulgada pela Singularity University, o professor apontou que em 2034 será possível que empresas façam conexões significativas entre o córtex humano e a nuvem de dados. "Aumentará a demanda por ética e transparência digital. A humanidade deverá criar soluções mais efetivas e humanas", alertou. Como exemplos de desafios para o meio jurídico com a implantação da LGPD, Amante citou o direito ao esquecimento, boas práticas de segurança e a anonimização.
Na exposição que encerrou a série de palestras do simpósio, o advogado especializado em privacidade e proteção de dados Danilo Doneda destacou que a LGPD não é mais que uma atualização do modelo regulatório brasileiro de proteção de dados, com reflexos da tradição jurídica brasileira. Hoje, apontou Doneda, há mais de 130 países com leis gerais de proteção de dados. Praticamente todos os países latinos com economias expressivas, acrescentou o especialista, têm suas próprias regulamentações.
"Ela serve para atualizar o estatuto da cidadania na sociedade da informação", definiu. No âmbito do Judiciário, o advogado observou que a informatização dos processos trouxe novos dilemas em relação à privacidade. A regulação do acesso aos dados jurisdicionais, explicou o palestrante, ocorreu quando não existia a possibilidade de consulta pública em plataformas on-line. Hoje, com os avanços tecnológicos, existem sites que agregam e exibem informações pessoais de inúmeras fontes, incluindo dados de processos judiciais. A relação entre o público e o privado após a implantação da LGPD também foi analisada sob diversos pontos de vista pelo advogado. "Se a pessoa não tiver meios para controlar o uso dos seus dados, ela vai ter qualquer outro direito ameaçado", alertou.
Fonte: TJSC, em 04.10.2019