Com o isolamento social e a paralisação de alguns serviços considerados não essenciais, advogado orienta empresários em que circunstâncias cancelar contratos vigentes que onerem o fluxo de caixa
O decreto de estado de calamidade pública, os fechamentos de portos e fronteiras e as determinações de isolamento social visando o controle da disseminação do novo coronavírus tendem a causar a descontinuidade da rotina de cadeias produtivas, principalmente daquelas que não envolvem produtos ou serviços considerados como essenciais. Com isso, algumas empresas podem enfrentar dificuldades financeiras. No atual cenário, segundo Murilo Aires, advogado especialista em direito empresarial, já é possível identificar empresas se adiantando à falta de caixa, notificando fornecedores, parceiros ou clientes sobre rescisões contratuais sem qualquer ônus.
O profissional que atua no escritório Dosso Toledo Advogados, em Ribeirão Preto, conta que é possível revisar, e até mesmo romper o contrato, inclusive aqueles de execução continuada. “Os artigos 393 e 478 do Código Civil têm sido a fonte de apoio para empresas que estão receosas com seu fluxo de caixa e querem diminuir de imediato as despesas mensais com acordos que neste momento não são de extrema necessidade.”
Mas, como no Brasil os impactos do novo coronavírus estão começando a ser sentidos, tanto na saúde quanto na economia, o empresário precisa ter cautela e auxílio jurídico para definir suas decisões. “Possíveis tensões contratuais podem acontecer nesse período, com o risco de prejuízo do empresário e de todo o mercado. Ainda que o artigo 393 do Código Civil preveja que o devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou de força maior, e que o artigo 478 possibilite a resolução do contrato quando a prestação se tornar excessivamente onerosa, a disciplina dos contratos deve seguir os princípios da excepcionalidade da revisão contratual, além da probidade e da boa-fé”, explica Murilo.
Eventual revisão ou rescisão dos acordos deve perseguir o equilíbrio entre as partes, além de não bastar a simples suposição de que o cenário atual tenha prejudicado um dos lados, tendo visto que a crise é global. “É preciso que a situação de fato, antes imprevisível e inevitável, tenha efetivamente influenciado na inexecução do contrato por uma ou ambas as partes, e que estas priorizem, ao menos em um primeiro momento, a manutenção do acordo de forma equilibrada, ainda que se decida posteriormente por sua suspensão”, conta.
Segundo Murilo, todo esse cuidado é importante porque o Poder Judiciário pode avaliar as situações em que o rompimento contratual é necessário. Dessa forma, as contratadas ficam resguardadas de uma rescisão feita unicamente para proteger a contratante em termos financeiros, poupando-a de obrigações que já não seriam cumpridas, ou ainda de usar o momento como um motivo para aumentar o poder de barganha sobre a outra parte.
A crise instalada pelo novo coronavírus ainda é carregada de incertezas e está no início; não se sabe quanto tempo irá durar e qual será, de fato, a extensão dos efeitos sanitários e econômicos. “O manejo equivocado dos instrumentos jurídicos de revisão e rescisão pode levar a demandas futuras sobre as prestações não cumpridas, e ainda prejudicar não só a continuidade, mas a possibilidade de retomada de cadeias produtivas, agravando as crises do mercado e dizimando aqueles que não têm recursos para suportar as políticas de isolamento, sobretudo os pequenos empresários”, analisa Murilo, que acentua que o momento exige cautela nas atitudes e uma orientação jurídica especializada para minimizar qualquer tipo de perda econômica.