Segundo a head de Governança Corporativa da entidade, Marta Viegas, o olhar do conselho é crucial no auxílio à gestão durante a crise
Em meio à crise do novo coronavírus, o BID Invest, o braço financeiro do Banco Interamericano de Desenvolvimento, preparou um guia com as principais questões de enfrentamento dos conselhos de administração e dos executivos ante a pandemia. A publicação foca no papel do conselho de administração baseado em três pilares: na definição de uma estrutura de governança adequada para responder à crise; na análise de riscos e redefinição da estratégia corporativa; e na transparência e comunicação com acionistas e stakeholders.
No escritório do BID Invest nos Estados Unidos há pouco mais de três anos, após uma longa carreira como advogada, conselheira do IBGC e responsável por diversas iniciativas de governança no Brasil, a head de Governança Corporativa da entidade Marta Viegas acredita que, neste momento, o papel do conselho é assegurar que os valores e a cultura da organização estejam preservados. “O olhar e a orientação do conselho são cruciais para apoiar a diretoria neste caminho, principalmente diante das difíceis medidas que a administração deverá tomar no dia a dia para navegar a crise”, afirma. Marta detalha a seguir os destaques deste guia. Acompanhe:
IBGC: Quais devem ser os principais pontos de atenção dos conselhos na crise, segundo o guia?
Marta Viegas: Em seu primeiro pilar, o guia busca chamar a atenção do conselho para aspectos estruturais da governança, para adequar os processos de tomada de decisão e dar agilidade à interação com a diretoria executiva. Fazem parte desses aspectos a revisão de funções de comitês existentes e estruturação de comitê de crise, o estabelecimento de processos de comunicação e reporte internos, a adequação de reuniões em ambiente virtual, a formalização de planos de sucessão, dentre outros.
O segundo pilar refere-se a aspectos materiais relativos à supervisão e estratégia, tratando de levantar temas como o impacto financeiro, trabalhista, clientes, cadeia de fornecimento, jurídico, regulatório e contratual, tecnológico. Cabe ao conselho posicionar-se, dar espaço à administração para resolver os diversos desafios no dia a dia e criar uma estratégia que permitirá que a empresa seja sustentável no longo prazo, no “novo normal” pós-pandemia.
Finalmente, o terceiro pilar diz respeito à transparência, para que haja uma especial atenção na comunicação das medidas da empresa em relação à crise, preservando a reputação corporativa e evitando equívocos, especulação e desconfiança entre os investidores e o público, e ao mesmo tempo, permitindo ao conselho avaliar a percepção externa sobre as respostas da empresa.
Qual a orientação sobre o papel que os conselheiros devem assumir neste momento?
Muito tem se debatido sobre o nível de envolvimento do conselho em diversas frentes por conta da crise, já que existem demandas complexas, urgentes, informação limitada e deveres fiduciários a preservar. O guia busca manter a orientação geral de que os conselhos devem focar em supervisão e estratégia, definindo o tom da resposta e, a partir daí, adotando uma abordagem nose-in-fingers-out, delegando autoridade e capacitando equipes para tomar decisões rapidamente, aumentando a transparência para que a comunicação flua sem obstáculos pela organização e até o conselho.
Como a cultura das companhias pode ajudar a enfrentar os desafios atuais?
A cultura de preservar os valores que fizeram e fazem com que a empresa exista e sirva aos interesses de seus acionistas e seus diversos stakeholders deve estar à frente de qualquer estratégia, particularmente na resposta à crise. Ainda que medidas duras possam ser tomadas pela empresa neste momento, a cultura deve permear a estratégia e a comunicação.
O sucesso da resposta à crise, em grande medida, estará na capacidade da organização em desenvolver confiança e manter sua reputação no mercado, o que deve ocorrer junto à mentalidade corporativa de priorizar as pessoas, os trabalhadores e aqueles que dependem da empresa para produtos e serviços essenciais.
Mas o que muda na estratégia das empresas? O que deve ser revisto pela gestão?
A crise trouxe ainda mais atenção e foco aos aspectos ASG (ambiental, social e de governança) no mundo dos negócios. Ainda que muitas empresas estejam administrando necessidades de liquidez de curto prazo para aliviar o impacto mais imediato da crise, o foco nestes aspectos e na administração de riscos não financeiros veio para ficar.
O tema já estava em pauta com as diversas declarações recentes do Business Roundtable, World Economic Forum, British Academy, BlackRock, Vanguard, State Street e outros investidores e gestores de ativos. Mas a pandemia acelerou e catalisou a necessidade de revisão de estratégias para contemplar uma visão mais ampla de stakeholder governance e investimento sustentável de longo prazo.
Confira o guia completo no Portal do Conhecimento do IBGC.
Fonte: IBGC, em 11.06.2020