Representantes legais, executivos e os responsáveis pela condução e gerenciamento das áreas de compliance e, principalmente, de Recursos Humanos das empresas correm riscos de imputação criminal se não adorarem medidas mitigadoras de riscos de contaminação pela Covid-19. A análise é do advogado criminalista David Rechulski, especialista em criminal compliance e titular do escritório que leva o seu nome. “Em tempos de tanta incerteza, uma coisa é certa, uma série de cuidados adicionais devem ser adotados pelas empresas que se preparam para a futura retomada de atividades pós-distanciamento social. Os gestores precisam ter claro que o retorno deve ocorrer com a observância de novas regras sanitárias e em um ambiente que mitigue os riscos de contaminação dos funcionários”.
Para ele, se não adotarem medidas mitigadoras de riscos de contaminação, os executivos podem sim, a depender da situação concreta, frise-se, repercutir em imputação criminal em pelo menos dois artigos do Código Penal. No 132, que trata da exposição da vida ou da saúde de pessoas a perigo direto ou iminente. E no 268, que pune quem infringir determinação do poder público destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa.
Assim, é muito importante a atenção às leis federais, estaduais e municipais que regulam medidas de contenção à propagação da COVID-19. Fica claro, considerando essas duas figuras criminais, que a omissão do empregador pode acabar por adquirir contornos penalmente relevantes.
De acordo com David Rechulski, além da reorganização física do espaço de trabalho, da garantia de medidas sanitárias básicas (fornecimento e utilização de máscaras e disponibilização de álcool em gel), boa gestão do fluxo dos funcionários (para desta forma também reduzir a concentração de pessoas), deve ser destacado a importância da comunicação quanto aos protocolos instituídos. “É fundamental documentar todo esse complexo cenário, sob uma perspectiva de materialização de uma eventual futura (e possivelmente necessária) prova processual. A inobservância das medidas preventivas e dos regramentos sanitários determinados pelo poder público podem fazer com que o empregador não só se veja diante de uma confrontação sob a perspectiva humanitária, como também trabalhista, e, não menos raro, diante de figuras criminais.
Portanto, a criação de protocolos e a efetiva implementação e supervisão pelos empregadores e sua observância por parte dos empregados, -com mútua ética e responsabilidade-, deve receber atenção especial.
Direito à privacidade e interesse comum
A análise do especialista em Criminal Compliance avança para um aspecto importante e que não pode ser desprezado no pós-isolamento. A aplicação dos cuidados contra o Covid-19 desafia os gestores em compatibilizar o direito à privacidade, com interesse e bem comum, onde estarão inseridos o direito à saúde e à própria vida em última análise. As diretrizes do Poder Público para as empresas impedirem a propagação do vírus pode ser entendida como transferência de seus deveres e obrigações para os particulares.
Se não estamos falando de uma empresa focada no setor de saúde, os riscos das coisas não ocorrerem como gostaríamos são ainda maiores.
Desta forma, diz o advogado - todo cuidado é pouco nesse momento inicial, pois monitorar a saúde de funcionários por meio de check-lists antes de se deslocarem ao trabalho, medir a temperatura dos funcionários na entrada da empresa, afastar funcionários assintomáticos, ou no extremo exigir a realização de testes para detecção do vírus e permissão de reingresso, por exemplo, podem eventualmente até suscitar alguns questionamentos na esfera trabalhista, mas por outro lado podem mitigar riscos criminais, criando um curioso dilema, capaz de aumentar a insegurança jurídica que já reina soberana no país.
Fonte: Cleinaldo Simões, em 15.06.2020