Por Rafael Fazzi (*)
As discussões são sempre acaloradas quando falamos sobre formas de controle que o empregador pode exercer em face de seus empregados. De revistas pessoais ao monitoramento por câmeras, vários temas já foram levados à discussão no Judiciário Trabalhista. As decisões nem sempre foram uníssonas, cabendo ao Tribunal Superior do Trabalho pacificá-las e garantir a segurança jurídica para que as partes da relação de emprego possam saber os limites de seus direitos e deveres.
Evidente que esse tema ganha ainda mais repercussão nesse momento, tendo em vista o início de vigência da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que garante, mesmo no âmbito trabalhista, a proteção dos dados dos trabalhadores e o dever de guarda consciente e eficiente destas informações pelos empresários.
A LGPD representa um significativo avanço, considerando a precariedade global no que diz respeito à matéria legislativa para fins de controles de dados, principalmente das informações que existem no “mundo virtual”. Mas o instituto não representa um salvo-conduto, no sentido de que as ações realizadas em meio digital não estão isentas de fiscalização ou controle, independentemente da concordância dos envolvidos.
Com base nessas premissas, questiona-se: é possível o monitoramento do e-mail corporativo dos empregados?
Não raras vezes, os trabalhadores usam seus e-mails corporativos como se fossem verdadeiros e-mails pessoais, trocando toda sorte de assuntos e informações, desde coisas banais, até conteúdos um pouco mais “delicados”, e esquecem que aquela é uma ferramenta disponibilizada pelo empregador, para uso no e para o trabalho.
E é justamente esse ponto que o Judiciário tem observado ao julgar casos envolvendo provas obtidas nos e-mails corporativos dos trabalhadores, considerando que se trata de ferramentas de trabalho, não sendo possível considerá-las como correspondências pessoais.
Em recente julgado, o Superior Tribunal de Justiça (STJ)[1], ao julgar ação penal envolvendo trabalhadores que teriam desviado valores de seu antigo empregador, entendeu pela licitude da prova apresentada pela empresa, consistente em diálogos (mensagens de WhatsApp) encaminhados por um dos acusados ao seu e-mail corporativo. Inclusive, o referido e-mail havia sido deletado pelo trabalhador, porém foi recuperado pela empresa.
Em igual linha de raciocínio [2], o TST também decidiu pela licitude dos e-mails corporativos juntados ao processo pela empresa como meio de prova. Nesse caso o trabalhador teria encaminhado de seu e-mail pessoal mensagens e informações a e-mail corporativo de um colega de trabalho.
Assim, embora conversas de WhatsApp e e-mails pessoais possuam sigilo e sejam invioláveis, salvo autorização judicial, a partir do momento em que as informações neles contidas sejam encaminhadas ou direcionadas a um e-mail corporativo, deve-se ter em mente que o real receptor da mensagem é a empresa, proprietária do e-mail corporativo “emprestado” ao empregado. E a empresa pode monitorar e ter acesso ao seu conteúdo bem como utilizá-lo para fins de prova em ações judiciais, sem que isso configure, em princípio, violação ao disposto na LGPD.
Portanto, a conclusão que se obtém por meio da análise do reiterado posicionamento do Judiciário é de que é, sim, possível monitorar e rastrear os e-mails corporativos dos empregados, tanto sob o aspecto formal (destinatários, horários de envio/recebimento, quantidade etc.), quanto do ponto de vista material (conteúdo), garantido a correta e adequada utilização da ferramenta de trabalho. A intenção é a de se evitar abusos no uso dessas ferramentas de trabalho que possam causar prejuízos à empresa, eis que esta responde pelos atos de seus empregados.
Todavia, fica um alerta: é importante que essa fiscalização, se contínua, seja exercida de forma moderada, anunciada, generalizada e impessoalmente, evitando eventuais perseguições e discriminações no ambiente de trabalho.
[1] REsp1875319
[2] RR-1347-42.2014.5.12.0059
(*) Rafael Fazzi é advogado do Departamento Trabalhista da Andersen Ballão Advocacia.