Por Paulo Leão de Moura Jr. (*)
Recentemente, fui convidado pela The Economist Events a participar da mesa-redonda online “The Disruptors: the future of corruption”. Debatemos sobre a corrupção - grande problema mundial - e sobre a defesa de ações contra o corrompimento que atinge todas as nossas atividades, com ênfase na situação da América Latina.
Com prazer e interesse, participei do debate com a exposição dos temas bem apresentados e discutidos. No entanto, o espaço e o tempo dificilmente permitiriam uma conclusão definitiva sobre assunto tão complexo, além do fato inegável de que a corrupção existe e que deve ser eternamente combatida com a introdução de sistemas de boa governança e, sobretudo, de tecnologia e rígidos controles de normas de “compliance” supervisionadas e obedecidas pelas empresas.
Embora não conclusivo, a discussão me levou a perceber e compreender em perspectiva maior a questão ‘corrupção’, o prejuízo financeiro anual superior a três trilhões de dólares americanos para a economia mundial – informação dada na mesa-redonda -, e minha preocupação com as atividades no Brasil.
A meu ver, comento com certo atrevimento pois, sinceramente, não tenho conhecimento pleno de assunto tão profundo que envolve a filosofia, a sociologia, a história, a psicologia que estudam inúmeros fatores como educação, cultura, valores, princípios, conceitos e, finalmente, nossas humanidades como vaidade, egoísmo, intolerância, arrogância, vergonhas, mediocridade, crueldade, ódio e todas as demais fraquezas que estimulam e agravam a corrupção no mundo pós-moderno. O que realmente assusta é a fantástica evolução da corrupção que vem acompanhando a própria evolução da humanidade com a dualidade entre o bem e o mal e nosso livre-arbítrio que permite aos humanos escolher o mal. Como sou otimista, acredito ainda que o bem prevalece. Mas é um combate ético diário baseado nos fundamentos da ética, filosofia e literatura.
Assim, hoje em dia, me parece que tendemos a considerar que a corrupção e suas inúmeras facetas são algo normal, própria do ser humano. Nesse sentido, Eva que me desculpe, pois, simplesmente havia um pedido para não se comer a maçã e foi induzida pela serpente a desrespeitar a norma. Portanto, o conceito atual é que a corrupção sempre existiu, existe e existirá enquanto o Sapiens dominar o mundo. E pergunto-me sobre os porquês do nosso Brasil aceitar e conviver com a corrupção a ponto de até cultuá-la e torná-la endêmica afetando toda a população do país.
Na dinâmica da corrupção há sempre dois participantes: o corruptor e o corrompido. Qual o pior? No entendimento geral, os corrompidos não existiriam se não houvesse corruptores. É do pensamento popular que a serpente é pior, mais criminosa do que o corrompido. O corruptor é considerado o que detém os recursos, a ideia, o projeto e o objetivo. O corrompido é o seduzido. Essa é a compreensão mais comum da corrupção.
Porém, a corrupção é algo muito mais amplo. Não percebemos claramente que o corrompido é um importante viabilizador do propósito do corruptor, ganha dinheiro, prestígio, poder. Portanto, também é corruptor. O corrompimento abrange grande número de ações outras que necessariamente abarca o cotidiano de todos: a tentativa de subornar o guarda de trânsito para não ser multado; falsear capacidade em um currículo; mentir para vantagem própria e tantas mazelas que cometemos sem mesmo muito pensar. Aqui entramos nos valores morais que constroem a ética de cada época. Valores criados e que formam nossa personalidade e que serão a maior arma contra a corrupção, contra a fraude, prima-irmã da primeira e um dos instrumentos mais adotados nas ações corruptivas. Valores que norteiam as nossas ações diante da vaidade, arrogância, crueldade, indiferença, luxúria que impelem para malfeitos. Valores que mantém caráteres firmes diante de qualquer pressão, ilusão, desejo, cobiça em alcançar algo que não é devido.
Convívio familiar e social, as tradições, as escolas são fontes para a formação do caráter e do pensamento crítico permitindo assimilar processos de empatia, de tolerância, de generosidade e de simplicidade. A qualidade da educação também é importante. O conhecimento permite desenvolvimento profissional e, também, compreensão do mundo e da responsabilidade social de cada um. Evidente que aprender é uma atividade constante, pois, deve acompanhar as mudanças de costumes e de conceitos.
Ética e honestidade são conceitos absolutos e não devem ser relativizados mesmo quando nossa sociedade começa a conformar-se com distorções sobre o comportamento humano. Ou nos comportamos de forma ética ou não. É incrível como hoje escutamos indiferentes que fulano é mais ou menos honesto, que sicrano “rouba mas faz”, que a empresa tal é mais ética que outra, que beltrano explora bem menos que outro e aí por diante. Atitudes que são absorvidas e aceitas pela sociedade permitindo que a corrupção conviva entre nós. Quem tem pensamento crítico e caráter bem formado não aceita e nem contribui com desonestidades, mentiras e corrupção.
A partir do século XIX, assistimos ao surgimento dos “ismos”: comunismo, fascismo, capitalismo, individualismo, politicismo, liberalismo, solidarismo... Todos, sem exceção, surgiram como uma resposta da eclosão desmedida da corrupção. Não deram muito certo. As democracias do mundo civilizado vêm sofrendo constantes ataques através da mentira, do subterfúgio, da ganância, da deseducação. A Democracia, o melhor sistema político até hoje criado, tem em seu próprio âmago elementos que permitem a sua destruição: liberdade de associação e de expressão e onde não existem distinções ou privilégios de classe hereditários ou arbitrários. O paradoxo é que mesmo vulnerável às ações corruptas, oferece a melhor forma política para combatê-las.
Cabe ressaltar que todos os “ismos” geraram fatores de agravamento à corrupção generalizada e que, por si mesmos, podem ser considerados como a própria corrupção:
- As nossas origens portuguesas com a burocracia infernal para evitar fraude e corrupção na colônia escravagista e mantida na Independência e depois na República. Sistema tão complicado que gera a corrupção que tentou evitar. Ao longo do tempo, adicionaram uma parafernália de leis paradoxais que infernizam a vida de todos com sua morosidade legal, com a bagunça fiscal, a impunidade e os favoritismos escancarados.
- A extrema desigualdade social da população consequente da má distribuição de renda onde 5% da população detém 45% da riqueza.
- A pobreza de parte substancial da população consequente da má distribuição de renda.
- A incompetência administrativa, fiscal, legal e política municipal, estadual e federal consequente da ignorância, despreparo e indiferença da classe política.
- A consequente má qualidade dos serviços prestados à população na educação, na saúde, na economia e demais atividades necessárias para o bem-estar do povo.
- A ausência de planejamento afetando todo o processo de governança, tanto privado quanto público.
- O hedonismo praticado pelas classes privilegiadas onde ganância, vaidade e arrogância permitem manter suas prerrogativas em detrimento da maioria.
- Religiões e ideologias fundamentalistas que combatem o pensamento científico.
- A dependência da economia no consumo insaciável que promete uma vida melhor a cada aquisição de produto ou serviço. “Keeping up with the Joneses”, expressão anglófona onde a comparação social com os vizinhos é incentivada. Falhar em “acompanhar os Jones”, ou seja, não acumular bens materiais, é percebido como demonstração de inferioridade socioeconômica ou cultural, um perdedor.
- O uso da mentira como instrumento de sobrevivência, fonte da maioria dos atos corruptos e malfeitos.
Quer me parecer, com grande pesar, que em nossa sociedade, neste ano inglório de 2020, no final de mais uma triste década, prevalece a corrupção e assim continuará, apesar das tentativas inúmeras em combatê-la. Talvez, um revolucionário em séculos vindouros consiga mudar tal sociedade com o apoio da tecnologia que se desenvolve tão célere quanto a corrupção.
Daí reconhecer que o debate não poderia ser conclusivo já que a corrupção atual é forte e a única forma de combatê-la é criar sistemas sérios de governança e haver investimento na formação do pensamento crítico. O meu grande receio é a capacidade de gerência das empresas brasileiras. A condução de cada empresa reflete o caráter de seus dirigentes. Assim, critérios rígidos e transparentes de responsabilidade social, de governança e de “compliance” são indicativos necessários para evitar que empresa cometa atos corruptos em suas atividades como, infelizmente, temos assistido nas últimas décadas.
(*) Paulo Leão de Moura Jr. é formado em História e Sociologia pela Universidade de Boston, com mais de 63 anos de experiência no Mercado de Seguros. Possui várias especializações em Seguros e Resseguros por entidades brasileiras e no Exterior: AETNA Group, IRB Re, FGV-SP, Insurance Achievement, FENASEG, ALARYS. Gerente de Risco, ARM ALARYS, é membro da Associação Brasileira de Gerenciamento de Riscos, ABGR, e também do RIMS, Risk Management Insurance Society, da APTS. Recebeu premiações do Mercado de Seguros em reconhecimento pela sua atuação marcante e de longos anos nas áreas de Seguros e Resseguros. Sócio fundador da Power Corretora de Seguros, Inspector Assessoria Técnica e Catalyst Re, agora Chairman da THB Brasil desde 2010.