Por Adriel Santana (*)
O ano de 2020 trouxe desafios inéditos para boa parte das companhias atuantes em diversos mercados. Além das questões imediatas de sobrevivência do negócio em razão da crise econômica já existente antes da pandemia, a adoção do home office de forma apressada e a priorização massiva de negociações e conversas pela via eletrônica expôs as empresas a riscos muito maiores quanto à ocorrência de irregularidades praticadas por seus colaboradores.
A sensação de falta de controle e fiscalização da conduta dos funcionários remete a uma preocupação excessiva sobre o indivíduo e seu agir moral. Aliás, a crença de que ações antiéticas são exclusivamente originadas da vontade dos indivíduos levou à popularização da noção do conceito de “maçãs podres”. Nenhuma empresa as quer em seu negócio. Mas como encontrá-las sem o convívio e a observância frequente no ambiente corporativo? Esse é, por exemplo, um dos desafios do home office.
Contudo, essa problemática é mais complexa do que parece e invoca questionamentos sobre as premissas em que estariam arraigadas. Posto que somos todos imbuídos de um livre arbítrio, independente das circunstâncias ou pressões específicas sofridas caso a caso, no fim das contas, caberia apenas ao indivíduo decidir quais atos tomar após realizar um balanço moral das escolhas disponíveis. Fazer o mal ou o errado seria, assim, uma escolha individual e consciente, calcada sobre os valores éticos de cada pessoa.
Seguindo outra visão, há quem considere que a sociedade e a cultura dos círculos de relacionamentos, junto às circunstâncias externas, tais como as pressões e os fatores ambientais, e as internas, como os conflitos psicológicos, dos indivíduos são – ou deveriam ser - considerados pontos bastante significativos no processo de julgamento moral dos atos condenáveis praticados. Afinal, as pessoas não vivem num vácuo, mas no mundo real. Essa pode ser chamada de teoria dos “barris podres”: não se trataria de minimizar ou negar a escolha livre das pessoas, mas de inserir suas decisões, consideradas questionáveis, dentro de um contexto estrutural, social e histórico que as tornem compreensíveis, ainda que não necessariamente aceitáveis eticamente.
Não se nega que existam indivíduos com inclinações latentes para desvios éticos, nem tampouco que o efeito do grupo e de superiores hierárquicos, além de pressões circunstanciais, como resultados a qualquer custo e problemas financeiros, possam favorecer a ocorrência de ilicitudes.
De fato, ambas as hipóteses, “maçãs ou barris podres”, são bem fundamentadas com vários estudos científicos nas últimas décadas, reforçando a validade de ambas para a tomada de decisões morais pelos indivíduos.
No ambiente corporativo é comum que as companhias foquem demasiadamente em vigiar e punir seus colaboradores que se revelem como “maçãs podres”. Diversas medidas são tomadas pelas empresas com o intuito de se resguardar e detectar eventuais ilicitudes praticadas por seus funcionários, como instalação de câmeras de vigilância no local de trabalho, programas de monitoramento em computadores e celulares corporativos, realização periódica de background check de ocupantes de postos-chaves, dentre outras medidas fiscalizatórias e reativas.
Contudo, durante bastante tempo em nossa cultura de negócios, pouca ou quase nenhuma atenção foi dada por essas mesmas companhias para o seu próprio papel na ocorrência de ilicitudes e desvios éticos em seu interior. É preciso estar atento desde como a organização está estruturada, passando pelos valores corporativos que pratica cotidianamente em suas relações internas e externas, até a forma como aqueles com poder de decisão - diretores e gerentes, agem ou são omissos com seus subordinados – além de como e por quais critérios são avaliados periodicamente. As empresas, estejam conscientes ou não disso, também atuam para que seus colaboradores sejam mais ou menos incentivados a adotarem condutas éticas no ambiente profissional.
Mais que desenvolver mecanismos fiscalizadores de seus colaboradores – cuja eficácia, por si só, é limitada -, incentivar o agir ético profissionalmente, de maneira regular e realmente comprometida por parte da alta direção, precisa ser um dos nortes de uma companhia preocupada, de fato, em dirimir riscos do seu negócio. O papel de uma verdadeira cultura de compliance, focada não apenas em treinamentos e eventos protocolares, mas no exercício diário do que é considerado correto profissionalmente, precisa ser uma constante dentro de uma companhia.
Nas empresas, é relativamente fácil culpar um funcionário por ser uma “maçã podre”, que comete, incentiva ou tolera que outros pratiquem irregularidades no ambiente profissional. Mais difícil é perceber os problemas ligados à sua própria cultura corporativa e à dinâmica diária do local onde os seus colaboradores estão inseridos, convivem e atuam.
Se a cultura corporativa estiver bem afinada quanto aos valores éticos considerados corretos e quais as práticas que não são toleradas, o local no qual o colaborador atua se torna um problema periférico no negócio. Quem faz o certo porque é incentivado a isso e sabe que será punido se não o fizer, buscará agir eticamente como regra, independentemente de onde está.
(*) Adriel Santana é advogado e coordenador de Forense e Investigações Empresariais na ICTS Protiviti, empresa especializada em soluções para gestão de riscos, compliance, auditoria interna, investigação, proteção e privacidade de dados.