Por Marcelo Mello (*)
Após o fim de um ano emblemático, que colocou o tema ESG (do inglês environmental, social & governance) em destaque, vemos esta agenda ganhar protagonismo e tornar-se imprescindível. Vemos empresas trabalhando para ampliar sua atuação e envolvimento com essas questões, e muito desse movimento vem da exigência de investidores que, cada vez mais, consideram o ESG na hora de realizarem suas alocações.
Apesar de muito forte nos últimos tempos, a pauta ESG existe há mais de duas décadas abrindo espaço para o desenvolvimento de estudos e cases que suportam a principal tese de investimentos ESG: empresas que integram esta agenda na sua estratégia têm um desempenho acima de seus pares de mercado.
A explicação por trás da tese estaria, em primeiro lugar, na relação entre a preservação do valor das companhias a partir de uma maior diligência na gestão de riscos. Probabilidades mais baixas de acidentes, mitigação de conflitos com stakeholders e menor exposição a conflitos de interesse são exemplos de aspectos considerados na análise dos investidores a respeito de controvérsias ESG.
A Anbima reforça essa constatação ao apresentar em seu Guia ESG, o estudo de Friede, Bush, & Bassen (2015), que analisou mais de 2 mil trabalhos publicados sobre a correlação entre a adoção de políticas ESG e o desempenho financeiro. A conclusão foi que quase 90% dos trabalhos mostraram correlação neutra ou positiva entre empresas que adotam boas práticas ESG e desempenho, sendo que 63% evidencia que existe correlação positiva.
Outro ponto é que, por estarem alinhadas às novas demandas do mercado e preparadas para mudanças regulatórias, essas empresas mostram-se mais inovadoras, gerando valor e apresentando um diferencial competitivo, o que garante resultados acima da média e um maior sucesso no longo prazo.
Também podemos perceber uma ligação entre políticas ESG e a resiliência de grandes empresas em tempos de crise, como com a pandemia da Covid-19. Essa afirmação se reforça no estudo publicado pela Refinitiv em julho de 2020. Ao observar as perdas, durante a pandemia, de empresas americanas que estão entre as 10% com melhor pontuação ESG e as 10% com pior pontuação, vemos um resultado notável. Entre janeiro e maio de 2020, empresas com melhor ESG perderam apenas 2/3 do que as empresas com baixa pontuação ESG.
Pandemia e fortalecimento do ESG
As discussões a partir da pandemia trouxeram à luz os riscos da vulnerabilidade social e os potenciais impactos do atual modelo de negócios sobre o meio ambiente, convocando lideranças do setor público e privado para uma participação ativa. Passamos a falar em capitalismo de stakeholders, redução das desigualdades sociais como caminho para a resiliência econômica, mercado de carbono, preservação do capital natural, entre outros.
Com isso, vimos questões ESG passarem a nortear as principais decisões de empresas. A agenda saiu das áreas técnicas de meio ambiente e sustentabilidade para a mesa dos Conselhos de Administração e Comitês Executivos, pautados pela necessidade de revisitar a sua atuação em uma sociedade e em um mundo em mudança.
O que antes era uma agenda voluntária, torna-se cada vez mais exigida pelo investidor que, mais rigoroso, busca portfólios que incluam empresas com alto grau de qualidade, comprometidas com a sustentabilidade, e que tenham histórico de crescimento e consistência de rentabilidade, tornando o ESG cada vez mais natural no funcionamento das companhias e movimentando empresas para que estejam cada vez mais em conformidade com essas questões.
A necessidade de novos produtos
Com essa constatação, analistas e gestores passaram a considerar as questões ESG como uma proxy de qualidade de gestão. Inicialmente pela via da governança corporativa, já plenamente incorporada pelo mercado, mas cada vez mais trazendo os aspectos ambientais e sociais para a pauta dos diálogos e questionamentos com as companhias, apresentando opções de ativos que atendam à expectativa dos clientes e, ao mesmo tempo, beneficiem a sociedade.
O lançamento de fundos ESG pelos gestores, antes voltados quase exclusivamente para o mercado de ações, invadiu o terreno dos ativos de crédito privado, previdência e investimentos alternativos. O aumento da oferta é importante para acompanhar o interesse do mercado em todos os segmentos, do varejo aos institucionais, mas temos que atentar para alguns pontos chave. A existência de critérios claros de diferenciação dos produtos mainstream, uma metodologia consistente de análise e composição de portfólio e o monitoramento dos ativos em carteira são imprescindíveis para garantir que os produtos não se tratem apenas de uma estratégia de comunicação, conhecida no mercado como greenwashing.
Mais importante do que o produto específico é o grau de profundidade com que as gestoras de investimentos estão incluindo em seus processos de decisão os fatores ESG. Na SulAmérica Investimentos, por exemplo, buscamos critérios objetivos para organizar ativos ESG, assim evitamos que o conceito de sustentabilidade fique muito subjetivo. Logo de início, decidimos aplicar apenas em ações que integram o Ibovespa e nos baseamos nos índices ISE (Índice de Sustentabilidade Empresarial), ICO2 (Índice Carbono Eficiente), Índice Dow Jones de Sustentabilidade e IGC (Índice de Governança Corporativa).
Não por acaso, os estudos de mercado apontam que boa parte dos índices de sustentabilidade e fundos ESG apresentam desempenho acima da média de mercado em 2020, considerando tanto a queda como a retomada do mercado. Segundo dados da BlackRock, no primeiro trimestre de 2020, 94% dos índices de sustentabilidade globais tiveram um desempenho acima dos seus pares que não consideram esses fatores na composição das carteiras teóricas.
Já em dados apresentados pela Bloomberg, vemos que fundos globais que investem ou adotam estratégias relacionadas à energia limpa, mudança climáticas e ESG aumentaram seus ativos sob gestão em cerca de 32% na comparação anual, para um novo recorde de US $1,82 trilhão em 2020. A expectativa é de que esse movimento, fortalecido ao longo de 2020, continue em voga em 2021 e pela próxima década.
Esse fortalecimento da pauta ESG, que aconteceu em grande parte durante a pandemia, gerou grandes e novos produtos relacionados a questões sociais, de sustentabilidade e governança. O que antes era uma agenda voluntária, aproxima-se cada vez mais das áreas de compliance com o aumento e aprofundamento da regulação de companhias e instituições financeiras. Ainda há um longo caminho a ser percorrido para que esta agenda esteja integrada de forma natural nas companhias no Brasil, mas ele já teve início e é um caminho sem volta. Seja pela demanda, pela performance ou pela regulação, a evolução do mercado seguirá de mãos dadas com as necessidades do meio ambiente e da sociedade.
(*) Marcelo Mello é Vice-Presidente de Investimentos, Vida e Previdência da SulAmérica. O executivo está na companhia desde 1997, com passagens por diversas áreas da asset. Em 2005, assumiu o comando da SulAmérica Investimentos. Em 2015, passou a liderar também as operações de Vida e Previdência.
Fonte: Abrapp em Foco, em 18.03.2021