Por Guilherme Nostre (*)
Nos últimos tempos vem ganhando destaque na vida empresarial a sigla ESG, referente às palavras em inglês “environmental, social and governance”, referindo-se a um compromisso a ser declarado pelas empresas com o fim de estabelecer as melhores práticas ambientais, sociais e de governança.
A sigla surgiu a partir de uma iniciativa das Nações Unidas que, em 2005, por meio do UN Global Compact, convidou importantes instituições financeiras de diferentes países, incluindo o Brasil, para estabelecer padrões éticos fundamentais da atuação corporativa. Isso porque, com a globalização, as empresas ao redor do mundo passaram a contar, de alguma forma, com dinheiro das pessoas espalhadas por todo o planeta, desde grandes e pequenos investidores a todo tipo de consumidor. Nesse contexto, começou a se perceber a importância de se garantir a essas pessoas que seu dinheiro estaria, direta ou indiretamente, financiando apenas empresas que atuassem com práticas que não violassem os direitos humanos, os direitos sociais dos trabalhadores e o meio ambiente, além de não estarem vinculadas com a criminalidade e com a corrupção.
Justamente por isso é que a iniciativa se deu a partir de instituições financeiras, as verdadeiras intermediárias desses recursos, ou seja, a ponte entre as pessoas e as empresas. O raciocínio é simples, se os grandes conglomerados financeiros acumulam recursos que, na verdade, pertencem às pessoas, e utilizam esses recursos financiando as empresas, a fiscalização da atuação ética das companhias deveria começar exatamente por eles. Com esse pensamento, passou-se a exigir, para que as instituições financeiras pudessem intermediar o dinheiro das pessoas, a garantia de que somente iriam financiar atividades com as quais as verdadeiras donas do dinheiro aceitassem.
Nessa linha, as empresas ao redor do mundo (que, sempre bom lembrar, só existem por causa das pessoas) passaram a entender que não basta atuar de acordo com a vontade da diretoria, não é suficiente atender aos padrões mínimos estabelecidos pelos legisladores de seu país, é preciso atuar de acordo com o desejo da sociedade global, ou seja, de todos aqueles que, de um lado, colocam suas economias nos bancos e, de outro, consomem direta ou indiretamente, seus produtos e serviços.
E quais seriam, nessa perspectiva, os desejos das pessoas de bem? Em outras palavras, o que cada um espera de uma empresa que, ao final, será financiada com suas economias ou receberá dinheiro quando ela estiver consumindo o que a empresa lhe oferta? A resposta consensual de um mundo civilizado sonhado pelas Nações Unidas pode ser resumida em alguns princípios:
- Que as empresas respeitem as garantias fundamentais das pessoas e não compactuem com abusos e violações aos direitos humanos;
- Que garantam aos seus colaboradores um ambiente seguro, com respeito e dignidade, abolindo o trabalho infantil e os serviços forçados e abusivos, além de eliminar qualquer forma de discriminação;
- Que atuem com responsabilidade ambiental, usando os recursos naturais de forma sustentável, evitando danos e degradações ambientais, e promovendo iniciativas de preservação do meio ambiente, sempre buscando reduzir as mudanças climáticas, além de desenvolverem tecnologias que reduzam os impactos aos bens ambientais;
- Que não aceitem qualquer forma de corrupção ou fraude.
A partir desse momento, e principalmente agora quando iniciamos uma nova década, as empresas ao redor do mundo começaram a estruturar suas políticas internas com o fim de atender aos princípios que ficaram consagrados como ESG. E aqui reside o grande problema. Qual o verdadeiro objetivo para a afirmação por uma empresa de compromissos com o meio ambiente, os direitos humanos e o combate à corrupção e as fraudes?
Se a resposta for se adequar ao sistema financeiro para evitar restrição a financiamentos, pode-se adiantar que essa empresa está fadada a enfrentar sérios problemas, não apenas de mercado, mas, também, de compliance e jurídicos.
Toda a introdução deste artigo mostra de forma suficiente que a resposta correta seria se adequar aos anseios da sociedade. No novo tempo, e isso não é uma manifestação “poliânica”, a sociedade organizada pelos meios digitais simplesmente não aceitará que seu dinheiro acabe entrando nos cofres de uma empresa antiética.
As pessoas em pouco tempo deixarão não apenas de consumir produtos e serviços de empresas que não atendam aos princípios relacionados ao ESG, mas exigirão que as instituições financeiras não ponham o dinheiro proveniente de suas poupanças em cofres indesejáveis. Sem responsabilidade ambiental e social a empresa não resistirá.
E, de nada adiantará, assumir compromissos e não os cumprir. Na verdade, poderá ser ainda pior. Empresas que afirmarem metas e não se esforçarem adequadamente para cumpri-las com efetividade estarão violando um compromisso assumido com a sociedade. E, não será apenas o descumprimento de uma carta vazia de intenções lançadas para parecerem bonitas no papel e preencher um check-list burocrático nos bancos. Será a violação de um pacto social, com graves consequências para o inadimplente. Consequências econômicas, sociais e jurídicas.
Importante destacar que não serão as instituições financeiras que cobrarão a conta pelo descumprimento deliberado das metas, até mesmo porque, como vimos, não foram elas que impuseram esses princípios éticos a partir de seus interesses altruísticos (nem a ingênua Pollyana acreditaria nisso).
Quem certamente cobrará a conta será a sociedade, tanto por meio de repúdio ético coordenado, uma espécie de cancelamento pós-moderno, mas também por meio de cobranças institucionais e judiciais. Empresas que receberem recursos e financiamentos, ou mesmo que vierem a se posicionar na sociedade de consumo com base em compromissos falaciosos poderão ter que indenizar a coletividade.
Nos Estados Unidos, class actions já vem sendo manejadas nesse sentido, e em todo o mundo, inclusive no Brasil, não faltarão instrumentos e instituições legitimadas para buscar a reparação de interesses coletivos, difusos e supraindividuais vilipendiados por compromissos assumidos apenas “para inglês ver”.
(*) Guilherme Nostre é Doutor em Direito Penal pela USP, Pós-Doutorado na Universidade de Coimbra e sócio do Moraes Pitombo Advogados.