Por Jéssica Carvalho (*)
Famosa nas plataformas de streaming, “Betty em Nova York” reacendeu o humor inocente – com doses de politicamente incorreto - da década de 90. Se abertamente a série “ensina” seu público sobre a importância de olhar a essência das pessoas ao invés de suas aparências físicas, também promove questões interessantes sobre gerência de riscos em transações, contratações e gestão de negócios em geral.
Como contextualização para quem nunca assistiu, a série começa quando Armando assume a presidência de conceituada marca de roupas, a V&M, que pertence à sua família e à família de sua namorada, Marcela. Betty, a personagem principal, é contratada não apenas pela sua excelência profissional, mas também por ser totalmente leal a Armando.
Os desafios enfrentados por Armando ao tocar os negócios da empresa abarcam problemáticas comuns de gestão empresarial. Desde a contratação e o pagamento de salários, às negociações com fornecedores e o gerenciamento financeiro da companhia. A série apresenta diversas vezes falhas de gestão que não devem ocorrer nos negócios. Abaixo, listo alguma delas:
1. Conflito de interesse: Armando acaba de assumir a empresa. A companhia já apresenta o primeiro dilema ético em relação à votação da presidência. Marcela, uma das sócias, enfrenta a dúvida entre votar em seu futuro esposo ou em seu irmão e, para o bem de sua relação amorosa, acaba votando no primeiro. Marcela também faz com que sua amiga seja contratada com salário alto, sem ter os requisitos para a função. Em ambos os casos, a personagem coloca seus interesses particulares acima dos interesses da empresa, sempre em direção a favorecer quem ela gosta, e não em beneficiar o negócio.
2. A importância de Due Diligence na contratação de fornecedores: a investigação sobre informações de fornecedores é essencial a qualquer negócio. Uma contratação sem o levantamento devido de riscos pode causar sérios prejuízos. Isto acontece quando a empresa V&M contrata um fornecedor de tecidos e deposita 100% do valor do contrato. Armando descobre que a empresa era de fachada e, ao entrar com o registro de ocorrência, descobre-se que se a pesquisa sobre a empresa tivesse sido realizada, era possível verificar que ela já havia aplicado golpes em outras companhias.
3. Fragilidade de segurança de dados: a cultura de privacidade de dados não é devidamente aplicada na empresa V&M. A responsável pelos contracheques e pelos dados dos funcionários facilita o acesso ao telefone de outros funcionários, bem como acaba contando para os demais o salário de uma das funcionárias. Tal facilitação deixa os colaboradores expostos e causam inúmeros transtornos e constrangimentos dentro da empresa.
4. Fraude ao crédito: Armando, não querendo assumir os inúmeros prejuízos da empresa, transfere boa parte das finanças para a BAR, empresa aberta em nome de Betty. Com esta empresa, Armando consegue solicitar crédito quando a V&M estava prestes a declarar falência. Ao mesmo tempo, Armando consegue embaraçar as cobranças feitas a V&M, que forja relatórios e prestação de contas para fechar contratos. Uma auditoria apurada na empresa mostraria seu constante prejuízo.
5. Reputação empresarial: a V&M, como marca de alta costura, dependia de serviços técnicos de qualidade, como estilistas e bons fornecedores de tecido, por exemplo. Com os prejuízos constantes da empresa, o presidente da empresa decidiu contratar fornecedores de tecidos mais baratos. O resultado óbvio foi a falta de confiança dos consumidores da marca. No desfile, com a presença de diversos críticos e jornalistas, o assunto foi amplamente divulgado e manchou profundamente a reputação da empresa.
É sabido que a gestão de negócios envolve diversas relações e transações complexas. Não se pode, contudo, negligenciar o papel do gerenciamento de riscos. Por isso, é recomendado sempre buscar a análise de consultorias especializadas em avaliar os riscos gerais e específicos do empreendimento. A consultoria de segurança e riscos perpassa pela avaliação desde contratação de funcionários até a alta gerência; compliance e auditoria; Due Diligence para contratos com fornecedores ou aquisição de empresas; análise reputacional, até os assuntos mais recentes e urgentes, como tratamento e mapeamento de dados de clientes e adequação a práticas de ESG (Environmental, Social and Governance).
Como toda boa novela, a série acaba bem e Armando consegue reaver e redirecionar os negócios. Contudo, sabemos que nem sempre a vida imita a arte e, sem tomar os cuidados necessários acima mencionados, sua empresa pode não ter o mesmo final feliz.
(*) Jéssica Carvalho é analista de diligências da ICTS Protiviti, empresa especializada em soluções para gestão de riscos, compliance, auditoria interna, investigação, proteção e privacidade de dados.
01.10.2021