Gustavo Justino de Oliveira1 e André Castro Carvalho2
É provável que o termo compliance tenha sido o que mais se popularizou no meio profissional brasileiro nos últimos cinco anos. Fruto de uma evolução social, política e legislativa, a maior intolerância da sociedade a desvios fraudulentos e corrupção fez com que as empresas passassem a incluir o compliance no rol das principais preocupações em uma organização. Do caso Enron à Lava-Jato, nota-se como escândalos catalisam processos profundos e disruptivos de mudança nas organizações.
Movimento semelhante ocorreu no passado nos Estados Unidos, há mais de 40 anos, com o surgimento do Foreign Corrupt Practices Act – FCPA (1977), lei que iniciou um processo intenso de mudanças na forma como as empresas norte-americanas, sobretudo multinacionais, faziam negócios fora do território americano. A partir daí, a legislação mundial passou a seguir essa tendência de maneira quase inexorável – cite-se, por exemplo, o United Kingdom Bribery Act de 2010, a Loi Sapin II na França, e a Prevention of Bribery Ordinance de Hong Kong.
No exterior, houve uma maturação nesse período, tanto nas práticas jurídicas como na academia, de maneira que hoje há uma farta literatura e opções de cursos para aqueles que queiram se especializar no FCPA, por exemplo. Ademais, algumas entidades criadas ao longo desse tempo passaram a certificar o conhecimento de pessoas físicas nos temas de compliance, dentro de uma metodologia preestabelecida, credenciando tais pessoas a ocuparem cargos relevantes como o de chief compliance officer (CCO). Nesse sentido, desponta a atividade da International Compliance Association – ICA, Association of Certified Anti-Money Laundering Specialists – ACAMS, e Society of Corporate Compliance and Ethics – SCCE na educação executiva.
No Brasil, malgrado a existência de diversas instituições, associações e entidades dedicadas ao compliance, os programas de formação ainda carecem de um rigor metodológico e profundidade acadêmica tais como encontrados nas experiências estrangeiras. Talvez isso se deva ao fato da Lei Anticorrupção ser nova (2013), motivo pelo qual ainda não houve o desenvolvimento de uma verdadeira business academy na área de compliance nas empresas nacionais, a qual reúna a expertise prática e a solidez teórica necessária em um processo de educação profissional in company.
Sem prejuízo disso, aos poucos a academia brasileira vem tentando preencher este vácuo na área do compliance, mediante o oferecimento de cursos específicos de extensão ou pós-graduação, possibilitando trazer formação acadêmica e profissional para o operador desta área. O compliance exige uma formação abrangente do profissional, dificilmente encontrada na academia em um curso único de graduação. Um bom profissional de compliance deve ter bons conhecimentos acadêmicos interdisciplinares em temas de Administração de Empresas (Ética Empresarial, Governança Corporativa, Gestão de Riscos), Contabilidade (Controle e Auditoria Interna), Direito (Empresarial e Societário, Penal, Administrativo e Regulatório), Psicologia (Comunicação Organizacional, Psicologia Comportamental, Andragogia para treinamentos corporativos) e até mesmo em Tecnologia da Informação (estruturação de canal de denúncias, monitoramento contínuo, uso de big data, definição de red flags).
A conjugação de todas essas competências é fundamental, pois um programa robusto de compliance (obtido na esfera da Contabilidade e do Direito) precisa ser incorporado pela alta administração, mediante o tone at the top (que é relacionado à área da Administração), e ter uma boa aderência entre os colaboradores (aqui se vislumbra a importância da Psicologia). Eis o desafio, portanto, de um profissional da área ao estar atento a todas essas nuances, para que haja realmente uma cultura ética e de compliance dentro da organização.
No Brasil, ainda estamos no estágio incipiente de estruturação do compliance nas organizações, diferentemente do que ocorre com multinacionais americanas ou britânicas, que já estão mais preocupadas na aderência e revisão do compliance. Além disso, nos EUA existem o Independent Compliance Monitor e o Independent Compliance Consultant, que são profissionais altamente especializados em compliance, muitas vezes indicados pelo Departamento de Justiça ou pela própria justiça americana às empresas que firmaram acordos de leniência, e que passam a ser supervisionadas por esses profissionais pelo tempo de duração dos acordos.
Daí porque a formação das academies nas empresas multinacionais é muito forte e, cada vez mais, experiências inovadoras vêm sendo testadas para se atingir esse nível de excelência. Cite-se, por exemplo, o programa Compliance Champions, também trazido recentemente pela Petrobras em sua reestruturação interna. É uma maneira de formar multiplicadores que estarão mais tête-à-tête com aquelas funções consideradas de alto risco pela instituição, disseminando uma cultura de compliance de maneira geral.
Por todas estas razões, as universidades brasileiras devem inovar e oferecer cursos altamente especializados na área do compliance, no sentido de atuar pari passu com as necessidades que despontam com força na sociedade atual. Nesse sentido é a nossa proposta no Programa de Mestrado e Doutorado em Direito da Faculdade de Direito da USP, no qual será ministrado no primeiro semestre de 2018 o curso Corrupção na Administração Pública, com enfoque especial em Governança, Gestão de Riscos e Compliance, e que se propõe justamente a contribuir para satisfazer essa demanda reprimida existente no País.
1 Gustavo Justino de Oliveira é professor de Direito Administrativo da Faculdade de Direito-USP.
2 André Castro Carvalho é “visiting researcher” no Massachusetts Institute of Technology – MIT.
Fonte: Jornal da USP, em 31.01.2018.