Por Paulo Barreto, Marcela Penna, Amanda Luna e Marina Mello (*)
Como se sabe, um dos maiores problemas em processos de execução ou até mesmo em cumprimentos de sentenças judiciais é a busca do credor por bens do devedor, que frequentemente tenta não pagar os valores devidos e, dentro do nosso ordenamento jurídico, cabe ao credor indicar bens do devedor para pagamento da dívida.
Relacionados a isso, o princípio da transparência patrimonial é aquele que rege a boa-fé e de cooperação processual. Mas ainda assim, sabe-se que muitas vezes os devedores omitem-se em relação a esses princípios com o único intuito de protelar a satisfação de crédito e obter benefício próprio ou para pessoas próximas, como filhos e cônjuges.
Atualmente, existem inúmeros mecanismos para combater a ocultação patrimonial e o cometimento de fraude contra as pessoas – físicas e jurídicas – que possuem crédito a receber de um devedor.
Ferramentas preditivas são muito eficientes na identificação do processo de ocultação e esvaziamento patrimonial, mas nem sempre se tem essa diligência com credores, ainda mais quando se trata de bancos ou empresas de investimentos, por exemplo, pois o volume de devedores é muito grande.
Todavia, o mercado atualmente disponibiliza meios de analisar todo o histórico daquele devedor e identificar a partir de qual momento, exatamente, ele passou a esvaziar seu patrimônio com o intuito de se tornar insolvente para fraudar seus credores, inclusive constituindo “laranjas” para continuar movimentando suas finanças e praticando atos da sua vida civil sem medo de ser afetado pelas decisões judiciais que inevitavelmente serão dadas para satisfazer o crédito.
Como exemplo clássico, temos o devedor que toma um empréstimo a uma empresa com a intenção de não pagar suas dívidas e, depois do crédito concedido, o devedor passa a vender todos os bens em seu nome, justamente no intuito de prejudicar o credor na hora de cobrá-lo. Assim, conceitua-se a fraude contra credores como sendo a diminuição intencional de garantias, por parte do devedor, em detrimento do direito dos credores.
Na legislação atual brasileira, não há uma previsão única que fala acerca da Fraude Contra Credores. Mas, vale dizer que o Código Civil faz referência ao que se chama “defeitos do negócio jurídico”, definindo que se o devedor já possuía uma dívida e realizou a transmissão gratuita dos seus bens -por meio de doação, por exemplo - ou usou esses bens para perdoar dívidas com algum credor em específico, mas que reduziu ou anulou sua capacidade de pagamento, então configura-se a prática da fraude contra os credores, e pode ser anulado por eles.
O principal requisito, mas não único, para a definição de fraude contra credores é a existência da dívida antes da prática ilegal dos atos acima mencionados e, uma vez cumprido este requisito, deve-se ainda analisar o prejuízo causado aos credores, em especial verificar se, de fato, o devedor é insolvente e a existência de má-fé por parte do terceiro ou ao menos ciência da intenção do devedor em prejudicar o credor.
Então, antes de identificarmos que o devedor está fraudando seus credores, é importante consignar que, para a configuração da fraude contra credores, há dois requisitos que precisam estar claramente demonstrados: o primeiro, que é um requisito objetivo, se trata do fato de que a alienação de seus bens leva o devedor a uma diminuição patrimonial, levando-o a insolvência. O segundo requisito, que é subjetivo, se dá pelo fato de o devedor precisar ter a intenção de provocar sua redução patrimonial até o estado de insolvência.
Seguindo na esteira de raciocínio acima, uma forma preliminar de identificar que o devedor está praticando atos típicos de uma fraude contra seus credores, é verificar se mesmo após o esvaziamento de seus bens, ele continua podendo quitar as dívidas que possui.
Outro ponto que deve ser observado na identificação de ocorrência de possível fraude contra os credores é verificar se o ato de esvaziar seu patrimônio se dá de forma gratuita, como as doações, por exemplo, pois assim presume-se imediatamente que em razão de haver contraprestação do terceiro (que inclusive pode ser um outro credor) que recebe o bem, em benefício do devedor, nenhum prejuízo é causado àquele, pela restauração da responsabilidade pelas obrigações deste.
É muito comum, inclusive, que nesta fase os credores utilizem laranjas - que em sua maioria são parentes a partir do segundo e terceiro grau – sogro(a), primos(as) ou sobrinhos(as), que assumem as dívidas. O devedor costuma formalizar, por meio de documento registrado em cartório ou não, uma confissão de dívidas altas com seu laranja, dando seus bens em garantia, sendo que propositalmente não pagam a dívida para perderem o bem em favor do laranja-credor e, assim, ainda se manter em domínio do patrimônio.
Por fim, para que seja configurada a ocorrência de fraude contra credores, a alienação ou oneração do bem do devedor deve ocorrer quando exigível a obrigação e não houver processo judicial em curso.
Há algumas soluções eficazes que os credores podem adotar de maneira a prevenir que os devedores esvaziem seu patrimônio, bem como avaliem a solvência periodicamente, podendo agir mais energicamente ao menor conjunto de sinais acerca da prática de fraude.
Nesta esteira, o acompanhamento de Background Check para avaliar os riscos financeiros e fiscais que esse devedor está submetido é de grande valia para acompanhar a situação de capacidade de pagamento pelo devedor.
A auditoria da pessoa física ou jurídica, realizada de maneira constante, permite captar a intenção do devedor em fraudar seus credores, pois passa-se a identificar mais facilmente a atuação com dolo de ocultar o patrimônio por meio das práticas ardilosas e, muitas vezes, silenciosas.
Neste quesito, um diferencial é a automatização das análises por meio de uma plataforma digital que seja especializada em realizar análises de riscos financeiros, fiscais, criminais, de compliance, reputacionais, dentre outros, pois é possível consultar inúmeras fontes nacionais e internacionais. Além disso, contar com uma consultoria especializada em aprofundar e esmiuçar tais análises, avaliando a criticidade de cada um destes riscos de maneira a fornecer insights aos credores em como combater da maneira mais eficaz, é outra importante medida neste processo.
Mesmo com o uso da tecnologia e de times especializados, é também muito comum que o credor, quando dê por si, já encontre um patrimônio dilapidado e, aparentemente, fora da propriedade e posse do devedor. Nesses casos, resta ao credor recorrer aos demorados procedimentos judiciais de praxe.
Mas, vale ressaltar que há uma gama de soluções para desvendar e anular transações fraudulentas, de maneira a garantir que o credor possa receber seu crédito, como é o caso da investigação e do auxílio na recuperação de ativos por meio de mapeamentos precisos das relações familiares e empresariais, observando vínculos formados desde a constituição da dívida até o cenário atual.
É importante salientar que, em se tratando desta conjuntura de acontecimentos, nada adianta termos apenas um retrato do atual patrimônio. Não se fala em tão somente proceder com um levantamento de bens, é preciso fazer uma avaliação temporal e um estudo de todas as relações que envolveram o devedor ao longo do tempo, buscando vínculos que permitam concluir que os requisitos objetivos e subjetivos para a caracterização da fraude contra o credor esteve presente em cada transação realizada.
(*) Paulo Barreto, Marcela Penna, Amanda Luna e Marina Mello são analistas de Investigação de Ativos e Levantamento Patrimonial da Aliant, plataforma de soluções digitais para Governança, Riscos, Compliance, Cibersegurança, Privacidade e ESG.