Por Camila Machado (*)
Por meio do Decreto nº 11.129/2022, já em vigor, a Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/2013) foi regulamentada de forma que aprimora a sua aplicação. A norma dispõe sobre a responsabilização objetiva administrativa e civil das empresas pela prática de atos contra a administração pública nacional ou estrangeira. As novas disposições já valem aos processos em curso, resguardados os atos praticados antes de sua vigência.
As disposições abordadas no decreto atualizam os parâmetros para avaliação do Programa de Integridade das pessoas jurídicas, diretrizes para o acordo de leniência e condições para isenção ou atenuação de sanções aos lenientes, assim como aprimoramento dos critérios de fixação de multa e do procedimento de investigação preliminar.
De acordo com o decreto, a investigação preliminar será conduzida diretamente pela corregedoria da entidade ou unidade competente ao tomar ciência de possível ocorrência de ato lesivo. A investigação preliminar deverá ser sigilosa e não poderá ter caráter punitivo, sendo que o objetivo da investigação é apurar os indícios de autoria e materialidade dos atos lesivos. A corregedoria da entidade ou unidade competente será responsável por iniciar diretamente o procedimento de investigação preliminar ou poderá ser conduzida por comissão composta por dois ou mais membros, designados entre servidores efetivos ou empregados públicos. Adicionalmente, se estabeleceu o prazo de 180 dias para a conclusão da investigação preliminar, o qual poderá ser prorrogado mediante ato da autoridade competente. Por fim, concluída a investigação preliminar, as evidências coletadas e o relatório conclusivo acerca da existência de indícios de autoria e materialidade de atos lesivos à administração pública federal serão enviados à autoridade competente para decisão sobre a instauração do Processo Administrativo de Responsabilidade (“PAR”).
A competência para a instauração e para o julgamento do PAR é da autoridade máxima da entidade em face da qual foi praticado o ato lesivo ou, em caso de órgão da administração pública federal direta, do respectivo Ministro de Estado. No ato de instauração, a autoridade designará comissão, composta por dois ou mais servidores estáveis. Instaurado o PAR, a comissão avaliará os fatos e as circunstâncias conhecidas e indiciará e intimará a pessoa jurídica processada para, no prazo de trinta dias, apresentar defesa escrita e especificar eventuais provas que pretenda produzir. As intimações poderão ser realizadas por qualquer meio físico ou eletrônico que assegure a certeza de ciência da pessoa jurídica processada. Caso seja verificada a ausência de defesa escrita da empresa no prazo legal, correrão os demais prazos, independente de notificação ou intimação. Após a análise de regularidade e mérito, o PAR será encaminhado à autoridade competente para julgamento. As disposições do PAR que já eram abordadas na IN CGU nº 13/2019 foram absorvidas pelo novo decreto.
Os Artigos 22 e 23, do Decreto nº 11.129/2022, alteram os critérios de dosimetria a serem utilizados pela autoridade competente para fins de cálculo da multa administrativa. No Decreto nº 8.420/2015, as multas previstas eram de 0,1% a 20% do faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do PAR, excluídos os tributos, a qual não seria inferior à vantagem auferida. Os valores que constituirão a base de cálculo poderão ser apurados por meio de registros contábeis produzidos ou publicados pela pessoa jurídica acusada, identificação do montante total de recursos recebidos pela pessoa jurídica sem fins lucrativos no ano anterior ao da instauração do PAR ou através do compartilhamento de informações tributárias. Os percentuais da base de cálculo das multas foram alterados pelo Decreto 11.129/2022, assim como os percentuais de redução do montante total da multa. Complementarmente, o Artigo 26 do Decreto nº 11.129/2022 estabelece critérios para o cálculo da vantagem auferida ou pretendida, que seria o equivalente monetário do produto do ilícito, assim entendido como ganhos ou os proveitos obtidos ou pretendidos pela pessoa jurídica em decorrência do ato lesivo.
Do Artigo 32 ao 55, o Decreto nº 11.129/2022 regulamenta os temas envolvendo o Acordo de Leniência, assim como define o conceito de acordo de leniência. Conforme o disposto no Artigo 32, o Acordo de Leniência é ato administrativo negocial decorrente do exercício do poder sancionador do Estado que visa à responsabilização de pessoas jurídicas pela prática de atos lesivos contra a administração pública nacional ou estrangeira. Adicionalmente, prevê que os objetivos do acordo de leniência são o incremento da capacidade investigativa da administração pública; a potencialização da capacidade estatal de recuperação de ativos; o fomento da cultura de integridade no setor privado. A proposta de acordo de leniência deverá ser dirigida, por escrito, à Diretoria de Acordos de Leniência da CGU. Admitida a proposta, após juízo de admissibilidade, será celebrado memorando de entendimentos entre a pessoa jurídica preponente e a CGU e a AGU.
Sobre a assinatura do memorando de entendimentos, o ato interrompe a prescrição e mantém o prazo suspenso durante a negociação, pelo prazo máximo de 360 dias. A CGU avaliará o cabimento de suspensão dos PARs já em curso que sejam relativos aos mesmos fatos da negociação. A desistência da proposta de acordo de leniência ou a sua rejeição não importará em reconhecimento da prática do ato lesivo. Por fim, a assinatura do acordo de leniência por uma pessoa jurídica implica na admissão de responsabilidade objetiva por atos lesivos, reparação integral de parcela incontroversa do dano causado e a perda de valores de acréscimo patrimonial indevido ou de enriquecimento ilícito.
O Decreto 11.129/2022 alterou temas relevantes envolvendo o Programa de Integridade de Pessoas Jurídicas. Sobre o tema Due Diligence, o Artigo 57 dispõe que as pessoas jurídicas deverão realizar diligências apropriadas, baseadas em risco, na contratação de terceiros de Pessoas Expostas Politicamente (“PEP”), familiares e estreitos colaboradores. Adicionalmente, deverá ser realizada as diligências apropriadas e supervisão de despachantes, consultores, representantes comerciais e associados, assim como de patrocínios e doações. O Programa de Integridade da pessoa jurídica deverá ser efetivo e apropriado para prevenir, detectar e sanar desvios e fraudes, assim como fomentar a cultura de integridade. Considerando a necessidade de aprimorar os parâmetros de avaliação, se estabeleceu no Artigo 57 e seus incisos que: em relação ao comprometimento da Alta Direção da Pessoa Jurídica será necessário também verificar a destinação de recursos adequados para a eficácia do Programa de Integridade; sobre a gestão adequada de riscos, será necessário sua análise e reavaliação periódica, para adaptações e alocação eficiente de recursos; ações de comunicações periódicas do programa de integridade; a Pessoa Jurídica deverá adotar mecanismos destinados ao tratamento das denúncias.
Desta forma, podemos notar que o novo decreto está empenhado em aprimorar os dispositivos de regulamentação da Lei Anticorrupção, bem como esclarecer e consolidar procedimentos relevantes investigativos e de apuração dos casos concretos. As alterações abordadas pelo decreto afiguram potencial reforço e rigor no combate aos ilícitos contra a Administração Pública.
(*) Camila Machado é advogada da equipe de Investigações internas do WFaria Advogados e Pós-graduada em Direito Empresarial pela FGV-SP.
20.09.2022