Por Jorge Hage (*)
A descrença dos brasileiros na “classe política” atingiu níveis inéditos. Levantamento do Instituto Locomotiva aponta que 93% dos eleitores não se sentem representados e 78% não votariam em um dos atuais parlamentares.
Esse altíssimo grau de desaprovação – em grande parte relacionado com a revelação diária da corrupção na política – poderia, em tese, levar a dois tipos de atitude nas próximas eleições: a) ao desalento e falta de estímulo sequer para o ato de votar, ou b) à disposição de fazer tudo a seu alcance para modificar a situação, escolhendo bem em quem votar.
Embora longe do ideal, traz certo alento o dado da FGV no sentido de que 65% estão conscientes da importância do voto. Isso porque a participação nas eleições deste ano tem especial significado, à vista das peculiaridades do momento que atravessamos.
E sua importância não se limita ao pleito presidencial – o que mais se costuma discutir e mais apaixona as pessoas. Ela vai além, para alcançar, com igual gravidade, as eleições para o Congresso. Isso porque é ali que se aprovam leis e emendas constitucionais, se estabelece o padrão de relacionamento com o Executivo, se fixam os “preços políticos” a serem pagos (inaceitáveis, alguns) e se criam (ou negam) as condições de governabilidade.
É fato, também, que o tema da corrupção passou, pela primeira vez, a ocupar lugar de destaque na agenda nacional, ao lado de outros que sempre lá estiveram, como a segurança, o desemprego, a saúde e a educação.
Se concordarmos que é muito provável venha a corrupção a tornar-se munição preferencial de ataque entre os postulantes – vez que todos os partidos têm hoje seus telhados de vidro expostos – resulta evidente que o tema pode tornar-se central nas eleições. Não só no pleito majoritário, mas também para o Congresso.
E é para este que se faz necessário pedir atenção ao eleitor. A escolha do presidente já tem os holofotes, até porque aí se concentram as mídias e os debates televisivos. Já para a escolha dos congressistas não se vê nada parecido. Muitos eleitores sequer lembram em que votaram no último pleito. Isso precisa mudar.
O Brasil sofreu, mas avançou muito nos últimos anos no enfrentamento da corrupção. Construiu e fortaleceu as instituições da área e aprovou os instrumentos legais globalmente recomendados. Eles tornaram possíveis as investigações que sacodem o país. Se tem havido erros, abusos e injustiças graves, isso não deve servir de motivo para a interrupção dos avanços ou “estancamento da sangria”, como querem alguns.
A Lei Anticorrupção e a Lei das Organizações Criminosas, para mencionar apenas as principais, não podem ser revogadas nem enfraquecidas. Devem, sim, ser aprimoradas em aspectos pontuais. E é preciso aprovar novas leis, como a Lei do Lobby.
O que não é admissível é que os erros e abusos da Lava Jato provoquem uma estranha e absurda aliança tácita entre defensores do Estado de Direito, que repudiam abusos e arbitrariedades, e os corruptos, que a temem pelos seus acertos.
Não há espaço para retrocessos, com o desmanche do que se construiu. Há que corrigir equívocos e injustiças e seguir em frente.
Para tanto, o país depende de um Congresso melhor que o atual. E isso está em nossas mãos. É preciso cobrar dos candidatos compromisso com a manutenção do que já temos e com uma pauta de novas medidas como as da campanha “Unidos contra a Corrupção”.
O importante é eleger um Congresso livre de investigados ou suspeitos e integrado por pessoas comprometidas com essa luta.
(*) Jorge Hage foi Ministro de Estado Chefe da Controladoria Geral da União (CGU), atuando diretamente na formulação da Lei Anticorrupção. Anteriormente atuou como Professor e Pró-Reitor da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Foi Deputado Federal-Constituinte pela Bahia e Juiz de Direito em Brasília. Atualmente, é professor em cursos de pós-graduação, e sócio fundador da Hage, Navarro, Fonseca, Suzart e Prudêncio, Consultoria em Compliance.
Fonte: O Estado de S. Paulo, em 21.08.2018.