Por Pedro César Sousa Oliveira (*)
Uma Liga independente que organize o futebol brasileiro representa o sonho de dirigentes e torcedores, a possibilidade de internacionalização do principal produto esportivo do país e o aumento da qualidade técnica do campeonato. É um objetivo que nunca esteve tão perto da sua realização.
As discussões parecem caminhar para um acordo entre os dois principais grupos em negociação, a Liga do Futebol Brasileiro (Libra) e a Liga Forte Futebol (LFF). Após consecutivos meses de conversas internas e externas, elas aparentam disposição para alinhar os pontos faltantes em prol do objetivo de criar uma única competição. Mas é preciso atenção para que certos riscos não sejam ignorados. É fato que uma única organização de clubes traria uma gama de benefícios nunca vistos, porém, os cuidados necessários para sua manutenção e estabilidade vão muito além de alinhamento sobre a distribuição dos direitos de transmissão.
Não é novidade que os clubes das quatro divisões nacionais sofrem, de modo recorrente, com os efeitos de não conformidade, como os problemas envolvendo a segurança do trabalho, as questões com fornecedores, o não devido tratamento de denúncias, a prevenção de práticas de assédio e a ausência de gestão de riscos na contratação de técnico e jogadores.
A lista é longa e não para de crescer, especialmente com as fases da Operação Penalidade Máxima, que investiga o envolvimento de jogadores em manipulações de resultados em prol de esquema de apostas.
Todos esses problemas, que aparecem recorrentemente em diferentes clubes, podem minar a credibilidade e o potencial comercial de qualquer empreendimento, especialmente se existirem suspeitas, por parte do público, de que há omissão em tomar determinadas medidas.
Aliados de uma mudança de cultura global nos esportes de alto rendimento, investidores internacionais podem limitar seus investimentos, ou até mesmo considerar não investir, por entenderem que o produto é arriscado. Isso sem citar eventuais encerramentos de contratos pela não resolução de questões que possam surgir com o tempo.
A Liga, como produto, tem a necessidade de garantir que uma de suas partes (ou seja, um clube) não prejudique todos os demais que estejam em compliance. Exemplos positivos já existem. As organizações prestam cada vez mais atenção na governança financeira, sendo possível citar o Atlético Mineiro e seu programa de compliance, que vai além das finanças.
Vale ressaltar que, atualmente, o principal termômetro da problemática em relação a não conformidade no futebol brasileiro envolve a opinião pública, tais como a pressão que a sociedade realiza para o ajuste de situações irregulares e a não contratação de profissionais com histórico de violência contra mulheres. Internacionalizar e expandir a audiência significa, consequentemente, uma maior exposição – o que gera lucro, mas também riscos.
Não é um caminho simples, contudo, é necessário um rigor para que os próprios clubes adotem programas de conformidade efetivos, bem como a própria administração da Liga implemente seus comitês de fiscalização do compliance com a possibilidade de recebimento de denúncias sobre não conformidade.
(*) Pedro César Sousa Oliveira é consultor pleno de Inteligência Corporativa da Aliant, empresa especializada em soluções para Governança, Compliance, Ética, Privacidade e ESG
Fonte: IMAGE, em 31.05.2023