Por Ricardo Franceschini e Emerson Siécola (*)
O processo de difusão e gestão cultural, o chamado compliance cultural, torna-se fundamental para a implantação de processos organizacionais mais eficientes e aderentes à legislação e aos normativos externos e internos.
A recente reforma trabalhista inserida em nosso ordenamento jurídico (lei 13.467/17), levantou muitos debates sobre o enfraquecimento dos direitos dos trabalhadores e o suposto favorecimento às empresas. Em um deles, os defensores da nova lei trabalhista declaram que com a reforma surgiu um novo olhar de equilíbrio e flexibilidade na relação entre as partes, possibilitando amplitude nas negociações entre o trabalhador e a empresa, como bem explica o nobre amigo Ricardo Calcini e um dos seus artigos: "Em razão das mudanças ocorridas a partir da revolução cultural da década de 1960 (novas exigências de mercado), e da crise do petróleo da década de 1970 (pressão pela flexibilização das leis trabalhistas), é certo que houve acentuada modificação das relações entre capital e trabalho (Max Weber). Assim, fatores como políticas neoliberais, globalização, fragmentação dos postos de trabalho e automação estariam a exigir dos mercados uma adequação das normas trabalhistas, haja vista a necessidade de reformulação da estrutura de produção. Neste contexto, tornou-se inevitável discutir a possibilidade de o negociado prevalecer sobre o legislado, sobretudo por ser a negociação coletiva instrumento propulsor do diálogo social [1].
Para não pairar dúvidas sobre o enfoque central desse artigo, não é nosso objetivo apoiar ou criticar a reforma trabalhista, mas estimular o pensamento, ante a sua aplicabilidade, uma vez que, sem um efetivo e eficaz sistema de Governança Corporativa, por meio, inclusive, de programas de compliance, as supostas vantagens introduzidas pela citada reforma, podem, na verdade, se tornarem inócuas e de alto risco para empresas despreparadas ou que ainda não tenham se dado conta da importância a respeito do tema.
Apesar das vantagens trazidas pela reforma trabalhista em alguns pontos em favor das empresas, válido observar que se não bem utilizadas e respeitadas, podem na verdade, como o antigo ditado expressa, "o tiro sair pela culatra".
Infelizmente, as estruturas de organização de algumas empresas brasileiras estão se tornando cada vez mais efêmeras e instáveis, por diversos motivos. Com práticas e pensamentos retrógados e/ou equivocados em relação à gestão, algumas empresas, baseadas na ideia que agora com a reforma trabalhista "tudo pode", não estão se atentando para a realidade de mercado e as exigências legais, deixando de lado ou em segundo plano a preciosa Governança Corporativa, bem como conhecimentos acerca da seara de compliance.
Explorando essas necessidades mercadológicas, podemos discernir maneiras de se evitar a crise de Governança Corporativa que afeta tantos negócios e organizações.
Na sequência desse trabalho abordaremos, em resumo, como os programas de compliance, por meio de uma efetiva Governança Corporativa, ajustadas às tarefas de uma administração moderna, podem se tornar aliados ao crescimento da empresa.
Diante do atual cenário de negócios, as empresas dos mais variados segmentos e setores estão na corrida para estabelecer uma reorganização interna para adequação às recentes mudanças legislativas, o que de certa forma não está errado, mas esquecem que o primeiro passo é estabelecer um diagnóstico dos seus problemas e necessidades (análise de riscos). Como bem disse Peter F. Druker, "Organização perfeita é como saúde perfeita: a prova são as doenças que não tem e que por isso não precisam ser curadas".
Atualmente os empresários são desafiados todos os dias por crescente necessidade de se organizar e inovar em todos os sentidos, visando evitar surpresas negativas e despesas não orçadas ou previstas (advogados, contadores, consultorias, desgastes da diretoria, etc.).
A fim de enfrentar essa nova realidade, infelizmente, empresas despreparadas improvisam em sua estrutura organizacional, achando, por exemplo, que a implantação de um programa de compliance é um custo e não um investimento. Corporações desalinhadas no aspecto da Governança Corporativa não sabem como lidar com as novas realidades da organização ou como satisfazer exigências estruturais e legais. Não é novidade para o empresariado que mudanças legislativas e a tarefa organizacional não esperam e podem se tornar um sério problema para empresa.
Lamentavelmente, boa parte das empresas brasileiras acabam cometendo os mesmos erros, o imediatismo! Na avidez de lucro, esquecem que para um futuro próspero e seguro, faz-se necessário um trabalho de prevenção por meio de um efetivo programa de compliance, que certamente conduzirá a empresa ao crescimento saudável e à afluência empresarial.
É a ausência de uma consciência de Governança Corporativa na prática que caracteriza boa parte da imabilidade empresarial. Claro que um programa de compliance não é uma fórmula milagrosa, mas, por outro lado, possibilita que riscos sejam mapeados, controlados, evitados e mitigados. Não existe organização livre de riscos econômicos e empresariais, mas estes podem ser prevenidos com vacinas específicas, eficientes e eficazes.
Como já antedito, os defensores da reforma trabalhista afirmam que ela permitiu um equilíbrio entre as partes na relação empregador e empregado.
De toda sorte, torna-se válido lembrar que a consequência positiva da lei aos empresários não é automática. A prova disso é a promessa da plataforma digital do Governo Federal, denominado eSocial, o qual demonstra ainda mais a necessidade de uma boa governança corporativa e programas de compliance. O eSocial, instituído por meio do decreto 8.373/14, tem por objetivo tornar a fiscalização das empresas mais eficientes e efetivas por parte dos órgãos competentes.
O eSocial consiste, em síntese, em um novo modelo (pilar) do Sistema Público de Escrituração Digital (SPED), o qual visa unificar o envio das informações trabalhistas, previdenciárias e fiscais relacionadas à mão de obra remunerada, com ou sem vínculo empregatício, armazenando-as na plataforma digital. Hoje essas informações já são fornecidas pelas empresas. Todavia, elas são repassadas de uma maneira individual a cada órgão específico. Com o advento do programa eSocial as empresas poderão fornecer e prestar as suas informações de uma única vez para os órgãos competentes.
De fato, essa nova forma de comunicação traz efeitos positivos (exemplo: automatização da transmissão das informações e uniformização das obrigações acessórias), mas envolve sobretudo uma mudança cultural para as empresas, vez que envolve uma transformação de comportamentos tanto dos profissionais envolvidos como dos seus gestores.
Percebe-se que para o cumprimento das novas exigências do eSocial, devido à integração de dados originados de diversas fontes, a empresa deverá adotar uma perspectiva multidisciplinar, com ajustes tecnológicos, treinamentos e qualificação dos seus profissionais. Portanto, torna-se fundamental a análise da eficiência da sua arquitetura de dados, bases de informações e os atuais sistemas, para uma conclusão sobre possíveis lacunas existentes, pois não basta apenas cumprir os prazos, mas sim garantir a qualidade das informações e manter a integração dos seus sistemas em conformidade com a legislação.
Desde janeiro de 2018, o eSocial já é obrigatório para mais de 13 mil empresas do país, que possuem faturamento anual superior a R$ 78 milhões anuais. Com a entrada dessas empresas, já existem informações de quase 12 milhões de trabalhadores na base de dados do eSocial [2]. Segundo o cronograma previsto pela resolução do Comitê Diretivo do eSocial 3, de 29 de novembro de 2017, em julho deste ano teve início a segunda fase de implantação do eSocial, tornando o programa obrigatório para todas as empresas privadas do país – incluindo micros e pequenas empresas, microempreendedores individuais (MEIs) que possuam empregados e segurados especiais. Nesta fase, que se encerra em 31 de agosto de 2018, as empresas estão obrigadas a prestar informações de eventos cadastrais. Já em setembro a etapa do chamado povoamento do eSocial com informações cadastrais dos trabalhadores vinculados aos mais de 4 (quatro) milhões de empregadores e, finalmente, em novembro, as remunerações e o fechamento das folhas de pagamento no ambiente nacional.
Portando, diante de tais mudanças, inclusive da exigência do eSocial, verifica-se claramente que a Governança Corporativa, fortalecida por programas de compliance efetivos e bem elaborados por profissionais especialistas na área, deixa de ser um assunto distante para as empresas que desejam crescimento no mercado e para aquelas que pretendem fortalecimento. Compliance não é custo, mas investimento duradouro para qualquer empresa!
Muitos são os desafios e muitos são os temas tratados pelos profissionais dedicados ao tema compliance. Ou seja, compliance não pode ser visto ou entendido como uma linha reta com um ponto final, mas sim um círculo permanente e contínuo.
O segmento empresarial brasileiro, incluindo as empresas públicas e de capital misto, está aos poucos absorvendo e entendendo a importância e a necessidade da boa Governança Corporativa e dos programas de compliance para a perenidade dos negócios, para o bom funcionamento operacional, para a mitigação de riscos e perdas e, sobretudo, para a preservação e valorização da marca, da imagem e da reputação.
Neste sentido, o processo de difusão e gestão cultural, o chamado compliance cultural, torna-se fundamental para a implantação de processos organizacionais mais eficientes e aderentes à legislação e aos normativos externos e internos.
Gestão e inovação para o sucesso das empresas brasileiras, públicas e privadas. Pense nisso!
[1] A prevalência do negociado sobre o legislado.
[2] eSocial começa a receber informações do 2º grupo de empregadores no dia 16 de julho.
(*) Ricardo Franceschini é advogado e sócio do escritório Carvalho & Franceschini Advogados.
(*) Emerson Siécola é advogado e sócio da Integrity Brasil - Compliance & Governança.
Fonte: Migalhas, em 06.09.2018.