Por Bruno Brandão (*)
Apesar dos avanços, ainda há sérias limitações na resposta das autoridades brasileiras no que diz respeito à corrupção de suas empresas no exterior
A Transparência Internacional acaba de lançar seu relatório “Exportando Corrupção 2018: Avaliando a Aplicação da Convenção Anti-Suborno da OCDE”, que monitora o cumprimento deste que é atualmente o principal marco global para coibir a corrupção transnacional. A Convenção determina que os países investiguem e imponham sanções a suas empresas nacionais por corrupção em operações no exterior. Ela ataca o que é ainda uma enorme incoerência, principalmente entre os países ricos, que coíbem significativamente a corrupção em seu território nacional, mas fecham os olhos para o suborno que suas empresas pagam no exterior – afetando principalmente as nações mais pobres. Cada vez mais, no entanto, os países emergentes também estão sendo cobrados a assumir as mesmas responsabilidades, pois a participação de suas empresas no comércio internacional há muito deixou de ser insignificante. No caso da América Latina, as autoridades ainda têm falhado na tarefa de combater a corrupção transfronteiriça.
Entre os países latino-americanos avaliados, a Colômbia e o México figuram na categoria mais baixa (“pouca ou nenhuma aplicação”); a Argentina e o Chile na categoria logo acima (“aplicação limitada”); e o destaque do relatório foi o Brasil, que alcançou a segunda categoria mais alta (“aplicação moderada”).
Epicentro do megaesquema criminoso revelado pela Operação Lava Jato, o Brasil viu sua reputação ser prejudicada severamente nos últimos anos pela atuação corrupta de suas empresas no exterior. A Odebrecht, principal empresa do esquema, relatou ter subornado autoridades (na maioria dos casos chegando ao nível presidencial) em 12 países – dois africanos e nove latino-americanos, além do Brasil.
No entanto, a resposta contundente das autoridades brasileiras vem revertendo esta imagem negativa para uma muito mais positiva: a de um país que começou a enfrentar verdadeiramente o problema da corrupção e da impunidade. O trabalho dos procuradores da Força-Tarefa Lava Jato tem inspirado ações semelhantes em diversos países latino-americanos, além de estar fornecendo evidências valiosas para aquelas nações que firmaram a extensão do acordo de cooperação com a Odebrecht. Se as investigações brasileiras revelaram o maior caso de grande corrupção da história da região, elas também deram início à maior onda de investigações simultâneas de corrupção transnacional na história do continente.
Apesar dos avanços, ainda há sérias limitações na resposta das autoridades brasileiras no que diz respeito à corrupção de suas empresas no exterior. Os procuradores brasileiros da Força-Tarefa da Lava Jato dizem abertamente que, com a enormidade dos casos revelados e a escassez de seus recursos, a dimensão internacional dos esquemas não está entre as prioridades de investigação. Além disso, existe desconhecimento da maioria destas autoridades sobre a criminalização do suborno transnacional, apesar de esta conduta estar tipificada penalmente no Brasil há anos.
Outro grande desafio vem com o novo fenômeno dos acordos de colaboração (“acordos de leniência” e “delação premiada” como se chamam no Brasil) envolvendo múltiplos países. Não existe entre os países da América Latina regulação, jurisprudência ou institucionalidade para lidar com esta novidade; ao contrário do espaço europeu, que conta com sistemas integrados como Europol (o Serviço Europeu de Polícia) e o Eurojust (serviço que integra os sistemas de Justiça e Ministério Público do continente).
O acordo da Odebrecht com as autoridades brasileiras está marcado por inovações e improvisos principalmente em sua dimensão internacional. Alguns destes arranjos relativos às limitações no compartilhamento de provas e ao sigilo das informações são justificáveis, mas a realidade é que, após quase dois anos da celebração do acordo e entrega aos procuradores brasileiros de toda a informação dos crimes internacionais, muito pouco se avançou na apuração dos delitos nos países afetados. Alguns países aceitaram as condições impostas pelas autoridades brasileiras (dar imunidade à Odebrecht e seus executivos ou fechar seus próprios acordos de colaboração) e receberam as provas, mas, na maioria deles, o avanço das investigações e processos tem sido lento ou seletivo. Em outros casos mais extremos, como a Venezuela, as autoridades mantêm-se absolutamente inertes e até perseguem os procuradores que se atrevem a investigar os casos. Se a impunidade impera nestes países, há de se perguntar se o Brasil tem o direito de manter indefinidamente o sigilo das informações ou tem a obrigação de torná-las públicas para que haja maior pressão sobre estas autoridades para agirem.
É nestas águas não cartografadas que as autoridades brasileiras e latino-americanas estão navegando para lidar com o novo desafio da grande corrupção transnacional, que vem se somar ao rol de crimes globalizados que nosso continente já enfrenta, como o tráfico de drogas, armas e pessoas.
A última Cúpula das Américas, que se reuniu no Peru em abril, teve como tema a Governança Democrática contra a Corrupção. A Declaração de Lima que surgiu dali aponta caminhos que podem fortalecer a capacidade de nossos países e do sistema interamericano para enfrentar de forma coordenada a corrupção transfronteiriça.
É, portanto, fundamental que a sociedade esteja vigilante e pressionando para que marcos como a Declaração de Lima e a Convenção Anti-Suborno da OCDE sejam efetivamente implementados, pois a corrupção impacta profundamente as maiores mazelas da nossa região, como a desigualdade, a insegurança e instabilidade democrática.
(*) Bruno Brandão é diretor executivo da Transparência Internacional Brasil.
Fonte: EL PAÍS, em 11.09.2018.