Por Claudio Lamachia e Carolina Petrarca (*)
Na medida em que o processo eleitoral entra na reta final, é possível constatar os efeitos que algumas mudanças e inovações jurídicas feitas nos últimos anos surtiram no ambiente das eleições — e também as necessidades trazidas por elas.
É preciso lembrar que a relação entre políticos e eleitores no país não é das melhores. Em 2017, por exemplo, foi apresentada no Fórum Econômico Mundial uma pesquisa que aponta que os políticos brasileiros são os que menos gozam da confiança da população, entre 137 países avaliados.
Mudar esse quadro depende da adoção de programas de integridade, no âmbito corporativo e também da vida pública. As práticas de compliance estão associadas a benefícios significativos, tanto materiais (como a coibição a desvios de recursos e a redução de custos com litígios desnecessários) quanto imateriais (como a promoção da transparência e da segurança jurídica, a efetivação do princípio da legalidade e o incentivo à conformação de uma cultura ética).
No caso do processo eleitoral, esses ganhos têm efeitos diretos no fortalecimento da democracia. Nosso sistema, sobretudo em tempos de radicalismos, carece do apoio de todos os que acreditam nos valores que sustentam o Estado de Direito, como a justiça, a liberdade e a tolerância.
Como primeiro ponto-chave para a nova ordem eleitoral, em 2015, o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade das doações de pessoas jurídicas às campanhas eleitorais. O tribunal chegou à conclusão ao julgar a ADI 4.650, ajuizada pela Ordem dos Advogados do Brasil. A mudança tem efeitos profundos, considerando-se que, em 2014, as doações empresariais representaram cerca de 97% do financiamento dos candidatos à Presidência da República.
Em 2016, com o novo entendimento em vigor, a influência do poder econômico sobre o resultado dos pleitos foi drasticamente reduzida, em consonância com o disposto no parágrafo 9 do artigo 14 da Constituição: “Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta”.
Em 2018, o primeiro turno resultou em grande renovação do Senado e da Câmara dos Deputados, com desempenho inédito de candidatos que se promoveram, principalmente, pelas redes sociais, e não pelos meios mais caros e tradicionais.
O que se apreende desse quadro é que as empresas devem fiscalizar diligentemente suas contas para evitar que recursos sejam destinados, de maneira indevida, ao financiamento de candidatos. A nova e sadia cultura de transparência e rejeição da corrupção faz com que indícios mínimos de desvios resultem em grande prejuízo para as companhias. Estas são responsáveis por assegurar que os funcionários que desejem contribuir com campanhas, na condição de pessoa física, não associem o ato à marca ou ao nome do empregador. Igualmente, os ocupantes de cargos de chefia não devem coagir ou cooptar subalternos para votar em determinado candidato.
Sob a ótica partidária, o compliance deve estabelecer códigos rígidos de conduta para os próprios partidos, candidatos e demais pessoas físicas ou jurídicas envolvidas no processo eleitoral (filiados e prestadores de serviços, por exemplo). Orientar e supervisionar a militância e os dirigentes é fundamental, pois as normas aplicáveis às campanhas são amplas e frequentemente mal interpretadas, abarcando as exigências para a adequada prestação de contas, o teto de gastos, as regras de propaganda eleitoral, os critérios de inelegibilidade, as condições para lançamento de pré-candidatura, os requisitos para registro de candidatura e muitos outros.
Os códigos rígidos de compliance ajudam a coibir e a prevenir atos ímprobos e lesivos à reputação das agremiações, como a assinatura de contratos com pessoas físicas ou jurídicas marcadas por histórico de práticas de corrupção e outros ilícitos. Em última instância, o resultado da adoção dessa conduta deve atrair eleitores e promover os valores republicanos.
É inquestionável, portanto, a necessidade do estabelecimento de normas rígidas de conduta ética no âmbito dos partidos, a fim de promover o absoluto respeito aos princípios republicanos e a independência das legendas partidárias. A matéria deve ser abordada com a devida seriedade no Congresso Nacional, sem protelações ou subterfúgios que possam subverter o propósito de ampliar a transparência, a probidade e o respeito à legalidade na atuação dos partidos.
Já tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 10219/2018 — oriundo do Projeto de Lei do Senado 60/2017 — que incentiva a criação de programas de integridade pelos partidos políticos. Ele “altera a Lei 9.096, de 19 de setembro de 1995, para dispor sobre responsabilidade objetiva dos partidos políticos pela prática de atos contra a administração pública e para estabelecer que, na aplicação de penas, seja considerada a existência de mecanismos internos de compliance”. No Senado, o Projeto de Lei 429/2017, também em tramitação, pretende “aplicar aos partidos políticos as normas sobre programa de integridade”, obrigando a criação de mecanismos efetivos de compliance e prevendo sanções como a suspensão de recebimento do fundo partidário para casos de descumprimento da lei.
Enquanto se aguarda a manifestação das Casas Legislativas sobre esses projetos, cabe às legendas, por iniciativa própria, estabelecer os mecanismos internos que permitam a recuperação da legitimidade da classe política perante os cidadãos.
(*) Claudio Lamachia é presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e especialista em Direito Empresarial.
(*) Carolina Petrarca é especialista em Direito Eleitoral e em Direito Processual e conselheira federal da OAB pelo Distrito Federal.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, em 10.10.2018.