Por Fausto Macedo, Marcio Dolzan, Vinicius Neder e Constança Rezende
Magistrado alega que tomou decisão, após reunião de uma hora e meia com o presidente eleito, diante da 'perspectiva de implementar uma forte agenda anticorrupção e anticrime organizado, com respeito à Constituição, a lei e aos direitos'; segundo o juiz, 'na prática, significa consolidar os avanços contra o crime e a corrupção dos últimos anos e afastar riscos de retrocessos por um bem maior'.
O juiz federal Sérgio Moro aceitou nesta quinta-feira, 1.º, o convite do presidente eleito, Jair Bolsonaro, para ser ministro da Justiça do futuro governo. Moro vai assumir uma pasta ampliada e com órgãos de combate à corrupção que estão atualmente em outros ministérios, como a Polícia Federal e parte do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).
O magistrado afirmou que pretende implementar “forte agenda anticorrupção e anticrime”. A decisão de Moro abre caminho para a indicação de seu nome para uma futura vaga no Supremo Tribunal Federal (STF).
Bolsonaro disse que Moro terá “sinal verde” e “ampla liberdade” para exercer seu trabalho no ministério.
Em nota oficial, Moro informou que vai se afastar de imediato das ações da Operação Lava Jato na 13.ª Vara Federal em Curitiba, da qual é o titular. Atualmente, o magistrado preside 25 processos vinculados à operação. Para ingressar no governo, Moro terá de pedir exoneração do cargo de juiz, função que exerce há 22 anos.
“Ele falou o que gostaria de fazer lá dentro, (perguntou) se teria meios e liberdade para perseguir uma agenda para combate à corrupção e ao crime organizado, obviamente ao lado da Constituição e das leis. Conversamos e chegamos ao acordo em 100%, em tudo”, disse o presidente eleito, em entrevista após se reunir com o juiz em sua casa, no Rio. “Ele tem ampla liberdade para exercer o trabalho dele lá. Da minha parte, sempre fui favorável a isso. Dei o sinal verde.”
Moro e Bolsonaro conversaram por cerca de uma hora e meia. Parte da conversa teve a participação do economista Paulo Guedes. O presidente eleito e o juiz ficaram a sós por aproximadamente 40 minutos. Após a reunião, o magistrado chegou a deixar o carro onde estava para falar com a imprensa, mas, diante do tumulto no local, não fez nenhuma declaração.
O anúncio de Moro no governo Bolsonaro gerou imediata e grande reação nos mundos jurídico e político. A repercussão incluiu elogios ao currículo do juiz federal e o temor de que a Lava Jato sofra redução de seu ritmo.
Nesta quinta, advogados do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva – condenado por Moro e preso na Lava Jato – começaram a preparar um habeas corpus a ser protocolado no Supremo com a alegação de que a ida de Moro para o ministério comprova a tese de que o juiz foi parcial e tinha motivações políticas para condenar o ex-presidente.
No comunicado em que confirmou a decisão de ingressar no futuro governo – antecipada pela coluna Direto da Fonte, de Sonia Racy –, o juiz federal disse que ela foi movida pela “perspectiva de implementar uma forte agenda anticorrupção e anticrime organizado, com respeito à Constituição, à lei e aos direitos”.
“Na prática, significa consolidar os avanços contra o crime e a corrupção dos últimos anos e afastar riscos de retrocessos por um bem maior. A Operação Lava Jato seguirá em Curitiba com os valorosos juízes locais. De todo modo, para evitar controvérsias desnecessárias, devo desde logo afastar-me de novas audiências.”
Em um primeiro momento, quem tomará decisões sobre os processos da operação na 13.ª Vara na capital paranaense será a juíza federal substituta Gabriela Hardt, que já atuou no caso todas as vezes em que Moro esteva ausente – em maio, ela mandou prender o ex-ministro José Dirceu.
Gabriela ocupa o cargo desde 2014. No próximo dia 14, ela poderá conduzir o interrogatório de Lula na ação penal do sítio de Atibaia, na qual o petista é acusado de corrupção e lavagem de dinheiro.
Moro conduziu a operação desde quando foi deflagrada a sua fase ostensiva, em março de 2014, levando à condenação de políticos, empreiteiros, doleiros e administradores da Petrobrás.
‘Escada’. Na avaliação de juristas e de um ex-presidente do Supremo ouvidos pelo Estado, o ingresso de Moro no Ministério da Justiça deve barrar eventuais resistências ao nome do juiz e servir de “escada” para uma futura vaga na Corte.
Durante o mandato de Bolsonaro, serão abertas duas vagas no STF por aposentadoria compulsória: a do ministro decano Celso de Mello, em novembro de 2020, e a de Marco Aurélio Mello, em julho de 2021. Conforme este calendário, Moro poderia permanecer ao menos por quase dois anos à frente do Ministério da Justiça. Embora não haja nenhum impedimento legal, não é usual um juiz de primeiro grau ser indicado para o Supremo.
Moro nasceu em 1.º de agosto de 1972 em Maringá (PR). Filho de professores, formou-se em Direito, em 1995, pela Universidade Estadual de Maringá. O juiz é casado com a advogada Rosângela Wolff, com quem tem dois filhos.
A NOTA OFICIAL DE SÉRGIO FERNANDO MORO
“Fui convidado pelo Sr. Presidente eleito para ser nomeado Ministro da Justiça e da Segurança Pública na próxima gestão. Após reunião pessoal na qual foram discutidas políticas para a pasta, aceitei o honrado convite. Fiz com certo pesar, pois terei que abandonar 22 anos de magistratura. No entanto, a perspectiva de implementar uma forte agenda anticorrupção e anticrime organizado, com respeito à Constituição, à lei e aos direitos, levaram-me a tomar esta decisão. Na prática, significa consolidar os avanços contra o crime e a corrupção dos últimos anos e afastar riscos de retrocessos por um bem maior. A Operação Lava Jato seguirá em Curitiba com os valorosos juízes locais. De todo modo, para evitar controvérsias desnecessárias, devo desde logo afastar-me de novas audiências. Na próxima semana, concederei entrevista coletiva com maiores detalhes.
Curitiba, 1.º de novembro de 2018.
Sergio Fernando Moro”
Fonte: O Estado de S. Paulo, em 01.11.2018.