Por Marina Dissenha (*)
Os recentes episódios de corrupção em empresas brasileiras trouxeram atenção à necessidade de implementação de medidas de conformidade e de estruturas mais robustas de governança pelas organizações.
Segundo o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), organização criada nos anos 90 com o propósito de “contribuir para o desempenho sustentável das organizações e influenciar os agentes de nossa sociedade no sentido de maior transparência, justiça e responsabilidade”, governança corporativa é um sistema de gestão que envolve as práticas e os relacionamentos internos, traduzidas em princípios e recomendações objetivas.
Para além de boas práticas, estudos recentes demonstram que a implementação de medidas de governança agrega valor às companhias, especialmente pela redução do custo de obtenção de capital. Empresas cuja administração e cultura são pautadas por transparência, equidade, prestação de contas e responsabilidade corporativa (princípios da GC) se tornam mais atrativas a investidores, visto que pressupõe um modelo de administração mais estável e controlado, dentro de objetivos bem definidos e estratégias planejadas (representando, assim, menor risco).
Um dos principais objetivos dessas práticas é minimizar os denominados conflitos de agência: a divergência de interesses entre o proprietário/mandante e o agente designado para representá-lo. No ambiente corporativo, os conflitos de agência mais comuns são os formados entre os detentores do capital (os sócios) e os administradores, além daqueles existentes entre o(s) acionista(s) controlador(es) e o/os acionista(s) minoritário(s).
Nesse sentido, as práticas de governança corporativa constituem um conjunto de mecanismos de incentivos (como a concessão de opções de compra, por exemplo) e de controle interno cuja principal finalidade é assegurar que o comportamento dos administradores esteja alinhado com o melhor interesse da empresa.
Por esse motivo, em regra, as boas práticas de governança corporativa sugerem a instalação do Conselho de Administração, órgão colegiado típico de sociedades anônimas, ao qual se outorga o poder de eleger e remover diretores, a obrigação de decidir assuntos estratégicos e, de forma geral, controlar a regularidade da administração.
Contudo, ainda que em princípio pareça voltado a estruturas administrativas mais complexas (com foco nas companhias abertas), os princípios e boas práticas de governança corporativa podem ser utilizados e implementados em estruturas empresariais mais simples. Se a prática agrega valor a grandes e complexas companhias, é razoável entender que também traz benefícios a estruturas menos elaboradas.
Nessas empresas, ainda que não se implemente o modelo clássico fundado na existência do Conselho de Administração, é possível alcançar os resultados propostos pela governança corporativa por meio de medidas alternativas pautadas nos seus valores.
A título de exemplo, uma medida que pode ser implementada por qualquer estrutura empresarial é o four-eyes principle (princípio dos quatro olhos), também conhecido como two-person rule (regra das duas pessoas). Trata-se de regra que exige aprovação por dois indivíduos para a prática de qualquer ação em nome da organização.
Em regra, o four-eyes principle é implementado em empresas por meio da exigência da assinatura do Diretor Presidente e do Diretor Financeiro para prática de decisões estratégicas, mas a medida pode ser implementada de maneiras alternativas, exigindo a assinatura de quaisquer outros dois diretores; de um diretor e um procurador com poderes específicos, entre outras possibilidades.
Contudo, para que de fato a prática acrescente um elemento de segurança ao processo de tomada de decisão (e para que não represente somente um engessamento na estrutura administrativa), sua implementação deve observar certas premissas, entre as quais destacamos independência e responsabilidade. Independência para assegurar que nenhum dos representantes sinta-se pressionado a tomar ou validar uma decisão proposta pelo outro. Para tanto, é importante que não exista subordinação entre aqueles que devem representar conjuntamente a empresa. Responsabilidade para assegurar que cada diretor ou representante responda individualmente por suas atribuições específicas e também por todas as decisões das quais participar – bem como as consequências positivas ou negativas de sua opção por não participar de tal decisão.
Em conclusão, a governança corporativa é um sistema de gestão que reflete alterações na cultura empresarial moderna. Seus valores podem ser implementados em qualquer estrutura organizacional e sua efetividade depende da seriedade com que são implementados, além da capacidade, integridade e diligência dos indivíduos envolvidos.
(*) Marina Dissenha é advogada do Departamento Corporativo da Andersen Ballão Advocacia.