Por Paulo Leão de Moura Jr.
Estamos hoje diante de uma crise geral sem precedentes em nossa história. Além de escancarar a incapacidade, a ignorância e o pouco caso de nossos políticos, todos infelizmente eleitos por nós, ignorantes que somos também por nos deixarmos levar pelas mentiras, promessas indignas, sonhos impossíveis e até por interesses individuais. Alheios que são ao que é importante, os interesses da nossa nação, de nosso povo tão maltratado pouco lembrado. Além disso tudo essa crise escancara o pior, a assombrosa constatação que vivemos um estado de corrupção, que aquilo em achávamos tanta graça, o “jeitinho brasileiro”, simplesmente demonstra a tolerância geral de todos aos maus feitos.
A meu ver, o mais importante acontecimento que ocorreu, consequente à luta contra a corrupção, foi a demonstração de que as empresas brasileiras são enormemente falhas em relação à governança e, sobretudo, à questão de manutenção de programas de compliance que permitem o processo de administração da empresa, a seguir padrões profissionais e normas corretas, entre outros, livres de corrupção.
A demonstração dessa vulnerabilidade despertou nas empresas a necessidade de introduzirem sistemas modernos de governança e a formalização de programas de compliance. Este último ao ser introduzido, fez surgir a óbvia importância do gerenciamento de risco nas atividades das empresas.
O gerenciamento de risco amplo a ser adotado vai se tornar um processo obrigatório para minorar os riscos que enfrentam e a manter a sustentabilidade e sobrevivência das empresas. E também demonstra a importância de certos seguros para minorar riscos nas operações das empresas. São estes os seguros de D&O e de Responsabilidade Civil Profissional e, ainda, os seguros de garantias.
Dentro de um processo moderno de administração, o seguro de “Director’s & Officer’s” é um instrumento necessário a conceder o conforto favorável à atuação de diretores e gerentes nesta modernidade complexa e, em nosso Brasil mais complexa ainda por conta da profusão de leis paradoxais, sistema tributário tortuoso e, ainda, a burocracia infernal com exigências absurdas para manter a funcionalidade das empresas, mas que na verdade servem mais para incitar o “jeitinho brasileiro”.
O seguro de D&O é importante por procurar proteger os executivos das empresas de suas responsabilidades por danos a terceiros, consequentes de sua atuação. É bom que se ressalte que exclui em suas inúmeras coberturas ações que sejam comprovadamente fraudulentas. Recentemente foi objeto de avaliação pela SUSEP que introduziu modificações sensíveis no “underwriting” desses riscos pelo mercado.
O importante é que dificilmente um executivo irá atuar em empresa que não mantenha um seguro de D&O, com coberturas e limites adequados ao cargo que irá ocupar.
Outro seguro essencial nos tempos atuais é o seguro de RC Profissional que tem por objeto a garantia de perdas e danos causados a terceiros consequentes de erros e omissões cometidas pelas empresas em suas atividades de prestação de serviços. Não deve ser mais um seguro restrito às atividades de engenharia, corretagem de seguros, medicina, advogados. Deve ser analisada, estudada e aplicada a todas as atividades de prestação de serviços. Qualquer erro ou omissão na prestação de serviços que resulte em perdas e danos ao terceiro contratante, deveria ser objeto de um seguro de RC Profissional, cuja cobertura de Lucros Cessantes surge como essencial neste caso. Tudo consequente das análises de gerenciamento de risco necessárias com as novas políticas de governança e compliance das empresas.
O seguro garantia, cobrindo as quebras contratuais cometidas por contratados junto aos contratantes, está sendo objeto de estudo pelo Congresso Nacional com relação às obras contratadas pelo Estado Brasileiro.
No Brasil, até recentemente, os Performance Bonds eram emitidos como garantias normalmente situadas nos 10% do valor do contrato, o que, na verdade representa um valor pífio de eventual quebra contratual. Nos EUA a garantia representa 100% do valor do contrato e tem estrutura legal de suporte à garantia concedida totalmente diversa da do Brasil. O que se discute agora aqui é mais um “completion bond” com limite de 30% do valor do contrato, além da concessão à seguradora de poder influir no projeto e na sua execução, o famoso “step in” previsto na garantia americana.
O interesse real no chamado “performance bond” está na finalização da obra de acordo com os termos do contrato. Em tese, a análise prévia do projeto contratado permitiria à seguradora analisar se a proposta vencedora apresenta condições técnicas e financeiras para que a obra seja concretizada. Em tese iria permitir minimizar e combater toda a complexa estrutura de corrupção montada recentemente no Brasil. O fato da seguradora ter condições de interferir no contrato caso não aprovar as condições de execução que coloquem em risco a conclusão da obra, certamente irá proporcionar uma garantia de que métodos de corrupção não se instalem tais como proliferação de aditivos ao contrato, vigência da obra prolongada, sobrepreços, até mesmo abandono da obra, entre outros.
Vamos agora aguardar a introdução da nova lei e como o mercado irá acatar e se adaptar às condições propostas ao novo seguro de Garantia de Conclusão de Projeto. Verificar a aceitação das seguradoras e a sua capacidade para assumir realmente os novos riscos dos tomadores. Nesse novo critério de garantia, onde as seguradoras assumem maior responsabilidade, não necessariamente somente de cunho financeiro e legal, próprio de aval ou fiança, mas que afetam diretamente o empreendimento e sua finalização, essencialmente a execução da obra, o risco de engenharia e as responsabilidades civis decorrentes passam a ter importância vital nos seguros necessários à garantia do empreendimento.
E temos também o resseguro. Atualmente, em tese, o mercado assume um percentual extremamente baixo do risco colocando no resseguro a maior parte da responsabilidade assumida. Com a adoção do novo sistema, essa negociação terá que ser muito bem-feita, pois, certamente, terá influência enorme na aceitação do risco, nas taxas que serão aplicadas e, sobretudo, na regulação dos eventuais sinistros. Nessa questão, sinceramente, desconheço o que será acertado, porém, questões diversas terão que ser resolvidas, tais como participações e interveniência dos resseguradores nas eventuais decisões de “step in”, na regulação do sinistro e demais questões próprias de resseguro. Eventualmente, o resseguro poderá ser substituído por um “fundo garantidor”, no entanto, os mesmos problemas permanecerão. A postura rígida do nosso mercado atualmente, onde a letra das condições e cláusulas de seguros permitem inúmeras interpretações de cobertura e de exclusões de forma falha, com a negativa de indenização assumindo proporções incomuns, acresce a imensa ignorância dos segurados em relação a seguro em geral, em especial por parte dos órgãos de governo e suas empresas estatais. A regulação de sinistros irá assumir grande importância nos contratos objeto de cobertura de “completion bonds”.
De qualquer forma, esperamos que as noções da necessidade evidente de iniciarmos uma sociedade séria, cônscia dos seus valores sociais e éticos, e consequentemente empresas com governança comprometidas com “compliance” bem adaptados a uma atuação sempre correta, serão eficazes em permitir que possamos sair desse atual pântano de corrupção endêmica em que vivemos.
Maio de 2017