Neste artigo vou tratar do impacto da pandemia, a qual vivemos, nas organizações, e tecer alguns pontos importantes para a sobrevivência da corporação, baseado em uma experiência pela qual passei no gerenciamento de uma crise econômica com forte impacto em um dos setores da economia.
Com certeza, pouquíssimos profissionais e/ou corporações estavam preparados para passar pela situação atual. O Covid 19 surgiu como um evento de baixa probabilidade, mas de altíssimo impacto.
O impacto deste evento na economia global ainda não é conhecido, mas com base nos prognósticos e no que estamos vivenciando, ele será profundo, de forma a romper com o padrão existente de estrutura econômica, social e de mercado, além lógico, dos impactos de curto-prazo devido a parada das atividades de negócio.
Não sabemos quanto tempo tudo isto vai durar, mas será por um tempo maior que as empresas podem suportar. Alguns setores, poucos, irão crescer neste momento, mas a maioria das empresas sofrerão um impacto negativo em seus negócios, para algumas, o impacto será mortal. Aquelas corporações que fizeram sua lição de casa implementando uma efetiva governança corporativa, baseada nas melhores práticas de gestão, terão maior possibilidade de sobrevivência. Já as que não tiveram o mesmo cuidado, possivelmente ficarão pelo caminho.
Em algumas palestras já vinha comentando que as empresas lineares e com estrutura organizacional tradicional, estavam com seus dias contados, pois o mundo (físico) estava convergindo de forma rápida e inequívoca para o mundo virtual, mundo este que não aceita mais organizações hierárquicas estruturadas de forma tradicional; então seria uma questão de tempo. Imaginava que ainda teriam uns cinco anos para se adaptarem, entretanto, agora, com tudo isto, este tempo, a meu ver, não existe mais.
O ponto agora, e que deve estar na agenda de trabalho de qualquer corporação, seja ela grande, média ou pequena, é a sobrevivência do negócio a curto-prazo.
O ponto crucial, neste momento, é não saber quanto tempo este evento irá durar, e o pior, não conseguir enxergar os possíveis cenários pós-pandemia, dificultando, com isso, ações para o direcionamento dos negócios.
São muitas questões sem resposta: Os polos econômicos se alterarão? As estruturas de suprimentos e de logísticas globais se manterão? Como será o comportamento e atitude do mercado consumidor? E quais são os impactos na força de trabalho?
As organizações precisarão responder estas questões para começar a pensar em sua estrutura, na arquitetura organizacional e operacional para este novo mundo que se avizinha.
Pois bem, mas antes as empresas devem passar por esta turbulência, e agora é hora de ligarem sua operação no “modo sobrevivência”.
Neste momento nada é mais importante do que a manutenção e saúde do caixa operacional. O curto e médio prazo não é a falta de lucro que quebra uma empresa, mas sim a falta de caixa, o qual é um fato, ou você tem dinheiro ou não tem dinheiro.
É interessante como algumas experiências são marcantes, e agora, auxiliando algumas empresas no direcionamento do “modo sobrevivência”, me veio na lembrança, o ano de 1994, quando do advento do Plano Real, onde as empresas que trabalhavam no setor agrícola foram duramente impactadas pelo congelamento do preço das commodities agrícolas, mas sem o congelamento dos juros dos empréstimos e financiamento para o plantio, colheita e mecanização, causando um grande descasamento financeiro, e ruptura da base econômica deste mercado.
Neste momento eu era o diretor financeiro de uma empresa de tratores e colheitadeiras no sul do Brasil, e sentimos este impacto de frente, sem aviso, investindo na ampliação da capacidade produtiva. Realmente foi uma experiência ímpar na minha carreira. Imaginem ficar por volta de 160 dias parado, sem vendas e sem produção; alavancado no mercado financeiro, forte atraso no contas a receber, três mil colaboradores na folha e com R$ 180 milhões negativo no caixa. Minha sorte, neste momento, era que contava com uma das melhores equipes que já tive em toda minha vida profissional, composto por profissionais altamente capacitados e comprometidos.
Acredito que esta experiência foi o ponto mais próximo do que imagino que está sendo o dia-a-dia das empresas neste momento de pandemia.
Quando falo em “Modo Sobrevivência” faço a analogia com um barco navegando no meio de um mar revolto, com água adentrando em maior quantidade que a bomba tem de capacidade de expelir. As decisões devem ser rápidas e orientadas para manter a flutuabilidade da nau por maior tempo possível.
Bom, vamos ao que interessa, o que vou compartilhar são algumas ações que me ajudaram muito em 1994, e que podem ajudar vossas corporações no momento atual.
São elas:
- Crie um comitê para a gestão de crise, composto de forma multifuncional pela diretoria e gestores especialistas,
- Diferente de 1994, evento eminentemente econômico, este é um evento relacionado com a saúde, então é importante tomar as ações para a preservação da saúde dos colaboradores, principalmente quando existem colaboradores no grupo de riscos. Alguns trabalharão de forma remota em home-office, e outros de forma controlada presencialmente.
- Uma comunicação rápida e objetiva é essencial, então sugiro criar uma reunião diária para se discutir as ações que devem ser executadas para a proteção do caixa. Como algumas frentes são abertas para execução de ações pontuais que devem ser executadas imediatamente como antecipação racional de caixa, alongamento do contas a pagar e das operações bancárias, monitoramento do desempenho do caixa futuro e outras.
- Identificar os processos imprescindíveis para a manutenção da operação é importante para decisão do que pode ser colocado em stand-by. Isto serve para os projetos em implementação, alguns precisarão continuar outros devem ser colocados em stand-by. Se a organização contar com especialistas em controles internos ou auditores internos, este são os profissionais adequados para realizar este levantamento.
- Identificar as possibilidades existentes de continuidade de vendas, mesmo que em volumes menores, alinhando com o processo de logística.
- Todas estas informações ajudarão o comitê conhecer antecipadamente o que poderá ser deixado de ser realizado, sem forte impacto na continuidade da organização, para que se possa tomar decisão objetiva para manter a sobrevida da organização.
- Em alguns setores a mão de obra tem um peso grande no caixa da organização, e deve ser feito um estudo rápido para criação de um plano de demissão escalonada ao enfrentamento da falta de caixa. Em 1994, decidimos pela redução dos salários em todos os níveis, onde níveis mais altos tiveram um percentual de redução maior, do que os níveis mais baixos. Plano este aprovado em uma votação por todos os funcionários, sem apoio do sindicato, o qual era contrário a esta medida.
Quanto mais a empresa conseguir prolongar sua vida, maior será a oportunidade de ter uma visão mais clara deste novo mundo, pós-pandemia, para tomar ações mais assertivas na definição de uma estrutura alinhada às necessidades deste novo mercado.
Todos os esforços devem ser na direção de levar a organização até o outro lado da tempestade, com menos avarias e perdas possíveis.
No caso que relatei acima, conseguimos levar a empresa até o momento em que foi vendida para a empresa detentora da marca, e hoje continua sendo uma das empresas mais proeminente do setor, de forma mundial.
Diferente de outras crises, a retração será mundial, e impactará todos os mercados consumidores, o que a torna, pelo menos “especial”. Hoje estamos vendo a retração da oferta, mas logo veremos também a retração na demanda, consequência do fechamento de micros e pequenas empresas, e também devido a demissão.
A recessão mundial em 2020 estimada é de 2.1%, entretanto, ainda é uma incógnita até onde ela pode chegar. Em um processo de gerenciamento de riscos devemos trabalhar com pelo menos três cenários, o pior, o melhor e o equilibrado. Na gestão de crise, trabalhe com o pior para tomada das decisões e ações, pois pode ser que você tenha apenas uma chance de agir.
Como tudo na vida passa, isto também passará.
Que possamos, nós profissionais, e as corporações tirar lições para o amadurecimento da gestão e da governança.
No final,
Seja Feliz!