EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS LEI Nº 9.613, EM 18.121996
EM no 692 / MJ
Brasília, 18 de dezembro de 1996
Excelentíssimo Senhor Presidente da República.
Submetemos à apreciação de Vossa Excelência o anexo projeto de lei que criminaliza a lavagem de dinheiro e a ocultação de bens, direitos ou valores que sejam oriundos de determinados crimes de especial gravidade. Trata-se de mais uma contribuição legislativa que se oferece ao País, visando ao combate sistemático de algumas modalidades mais freqüentes da criminalidade organizada em nível transnacional.
2. O Brasil ratificou, pelo Decreto nº 154, de 26 de junho de 1991, a "Convenção contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e de Substâncias Psicotrópicas", que havia sido aprovada em Viena em 20 de dezembro de 1988.
3. A aludida Convenção dispõe:
"Art. 3o Cada uma das partes adotará as medidas necessárias para caracterizar como delitos penais em seu direito interno, quando cometidos internacionalmente:
I) a conversão ou a transferência de bens... ;
II) a ocultação ou o encobrimento... ;"
4. Desta forma, em 1988, o Brasil assumiu, nos termos da Convenção, compromisso de direito internacional, ratificado em 1991, de tipificar penalmente o ilícito praticado com bens, direitos ou valores oriundos do narcotráfico.
5. Posteriormente, com a participação do Brasil, a XXII Assembléia-Geral da OEA, em Bahamas, entre 18 e 23 de maio de 1992, aprovou o "Regulamento Modelo sobre Delitos de Lavagem Relacionados com o Tráfico Ilícito de Drogas e Delitos Conexos", elaborado pela Comissão Interamericana para o Controle do Abuso de Drogas - CICAD.
6. Em dezembro de 1994, Vossa Excelência, convidado pelo então Presidente Itamar Franco, participou da "Cúpula das Américas", reunião essa integrada pelos Chefes de Estado e de Governo dos Países Americanos, no âmbito da OEA, realizada em Miami. Foi firmado, então, um Plano de Ação prevendo que:
"Os Governos:
Ratificarão a Convenção das Nações Unidas sobre o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas de 1988 e sancionarão como ilícito penal a lavagem dos rendimentos gerados por todos os crimes graves."
7. Finalmente, em 2 de dezembro de 1995, em Conferência Ministerial sobre a Lavagem de Dinheiro e Instrumento do Crime, realizada em Buenos Aires, o Brasil firmou Declaração de Princípios relativa ao tema, inclusive quanto à tipificação do delito e sobre regras processuais especiais.
8. Portanto, o presente projeto se constitui na execução nacional de compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, a começar pela Convenção de Viena de 1988.
9. A primeira opção imposta ao legislador brasileiro no trato desta matéria diz respeito à denominação legal, nomen iuris, do tipo de ilícito em causa. Alguns países optaram por uma designação que leva em conta o resultado da ação.
10. Caracterizando-se a conduta pela transformação do dinheiro sujo em dinheiro limpo, pareceu-lhes adequado o uso de vocábulo que denotasse limpeza. A França e a Bélgica adotam a designação blanchiment d'argent e na mesma linha seguem a Espanha (blanqueo de dinero) e Portugal (branqueamento de dinheiro).
11. Outro critério preferido é o da natureza da ação praticada, partindo-se do verbo referido no tipo. Os países de língua inglesa empregam a expressão money laundering; a Alemanha designa o fato típico de geldwache; a Argentina se refere a lavado de dinero; a Suíça indica o fato típico de blanchissage d'argent e a Itália se vale do termo riciclagio, que também identifica o verbo constante do tipo e não propriamente o resultado do comportamento.
12. O Projeto ora submetido à consideração de Vossa Excelência consagra as designações lavagem de dinheiro e ocultação, as quais também são preferidas pela Alemanha (verschleierung).
13. A expressão "lavagem de dinheiro" já está consagrada no glossário das atividades financeiras e na linguagem popular, em conseqüência de seu emprego internacional (money laudering). Por outro lado, conforme o Ministro da Justiça teve oportunidade de sustentar em reunião com seus colegas de língua portuguesa em Maputo (Moçambique), a denominação "branqueamento", além de não estar inserida no contexto da linguagem formal ou coloquial em nosso País, sugere a inferência racista do vocábulo, motivando estéreis e inoportunas discussões.
14. A outra - mas não a última - opção diz respeito à amplitude da tutela penal para abarcar como crimes antecedentes não somente aqueles ligados ao narcotráfico, dos quais a lavagem de dinheiro constitui um dos vasos comunicantes.
15. As primeiras legislações a esse respeito, elaboradas na esteira da Convenção de Viena, circunscreviam o ilícito penal da "lavagem de dinheiro" a bens, direitos e valores à conexão com o tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou drogas afins. Gravitavam, assim, na órbita da "receptação" as condutas relativas a bens, direitos e valores originários de todos os demais ilícitos que não foram as espécies típicas ligadas ao narcotráfico. Essa orientação era compreensível, visto que os traficantes eram os navegadores pioneiros nessas marés da delinqüência transnacional e os frutos de suas conquistas não poderiam ser considerados como objeto da receptação convencional.
16. Adveio, então, uma legislação de segunda geração para ampliar as hipóteses dos ilícitos antecedentes e conexos, de que são exemplos as vigentes na Alemanha, na Espanha e em Portugal.
17. Outros sistemas, como o da Bélgica, França, Itália, México, Suíca e Estados Unidos da América do Norte, optaram por conectar a "lavagem de dinheiro" a todo e qualquer ilícito precedente. A doutrina internacional considera a legislação desses países como de terceira geração.
18. A orientação do projeto perfila o penúltimo desses movimentos.
19. É certo que a "lavagem de dinheiro" constitui um conjunto de operações comerciais ou financeiras que procuram a incorporação na economia de cada país, de modo transitório ou permanente, dos recursos, bens e serviços que geralmente "se originan e están conexos com transacciones de macro o micro tráfico ilícito de drogas", como o reconhece a literatura internacional em geral e especialmente da América Latina (cf. Raul Peña Cabrera, Tratado de Derecho Penal - Trafico de drogas y lavabo de dinero, Ediciones Juridicas, Lima, Peru, IV/54).
20. Ainda em 29 de março do corrente ano, o Presidente da República Oriental do Uruguai remeteu à Assembléia Geral o projeto de lei pelo qual se modificam, ampliam e atualizam disposições do Decreto-lei nº 14.294, de 31 de outubro de 1974, que regula, naquele país, a comercialização e o uso de estupefacientes e estabelece medidas contra o comércio ilícito de drogas. Um dos pontos nucleares desse projeto é a tipificação dos chamados delitos de lavabo y delitos conexos o relacionados com el tema.
21. Embora o narcotráfico seja a fonte principal das operações de lavagem de dinheiro, não é a sua única vertente. Existem outros ilícitos, também de especial gravidade, que funcionam como círculos viciosos relativamente à lavagem de dinheiro e à ocultação de bens, direitos e valores. São eles o terrorismo, o contrabando e o tráfico de armas, munições ou material destinado à sua produção, a extorsão mediante seqüestro, os crimes praticados por organização criminosa, contra a administração pública e contra o sistema financeiro nacional. Algumas dessas categorias típicas, pela sua própria natureza, pelas circunstâncias de sua execução e por caracterizarem formas evoluídas de uma delinqüência internacional ou por manifestarem-se no panorama das graves ofensas ao direito penal doméstico, compõem a vasta gama da criminalidade dos respeitáveis. Em relação a esses tipos de autores, a lavagem de dinheiro constitui não apenas a etapa de reprodução dos circuitos de ilicitudes como também, e principalmente, um meio para conservar o status social de muitos de seus agentes.
22. Assim, o projeto reserva o novo tipo penal a condutas relativas a bens, direitos ou valores oriundos, direta ou indiretamente, de crimes graves e com características transnacionais.
23. O projeto, desta forma, mantém sob a égide do art. 180 do Código Penal, que define o crime de receptação, as condutas que tenham por objeto a aquisição, o recebimento ou a ocultação, em proveito próprio ou alheio, de "coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte". Fica, portanto, sob o comando desse dispositivo a grande variedade de ilícitos parasitários de crimes contra o patrimônio.
24. Sem esse critério de interpretação, o projeto estaria massificando a criminalização para abranger uma infinidade de crimes como antecedentes do tipo de lavagem ou de ocultação. Assim, o autor do furto de pequeno valor estaria realizando um dos tipos previstos no projeto se ocultasse o valor ou o convertesse em outro bem, como a compra de um relógio, por exemplo.
25. Adotada a designação para cunhar as novas espécies delituosas, torna-se indispensável a elaboração de tipos de ilícito - fundamentais e derivados - que atendam o princípio da legalidade dos delitos e das penas, inserido na Constituição (art. 5o, XXXIX) e no Código Penal (art. 1º).
26. Com o objetivo de reduzir ao máximo as hipóteses dos tipos penais abertos, o sistema positivo deve completar-se com o chamado princípio da taxatividade. A doutrina esclarece que, enquanto o princípio da reserva legal se vincula às fontes do Direito Penal, o princípio da taxatividade deve presidir a formulação técnica da lei penal. Indica o dever imposto ao legislador de proceder, quando elabora a norma, de maneira precisa na determinação dos tipos legais, a fim de se saber, taxativamente, o que é penalmente ilícito e o que é penalmente admitido. (Cf. Fernando Mantovani, Diritto penale - Parte generale, ed. Cedam, Pádua, 1979, p. 93 e s.).
27. A expressão, no entanto, é utilizada como nomen iuris da infração, nominando o capítulo I do projeto que contém a norma incriminadora básica e os tipos equiparados.
28. O primeiro artigo do presente disegno di legge define com a necessária clareza, indispensável à segurança jurídica, a conduta mista (omissiva ou comissiva) de lavagem de dinheiro ou de ocultação de bens, direitos e valores, originários de crimes que são objeto de repressão por meio de cooperação internacional e de atividades internas do País.
29. A redação dada ao caput do art. 1º responde à experiência e técnica vitoriosas em direito comparado, encontrando-se tal tipificação na Alemanha (§ 261 do Código Penal), na Bélgica (§ 4o do art. 505 do Código Penal, introduzido por Lei de 17 de julho de 1990), na França (art. 222-38 e 324-1 do Código Penal, redigidos pela Lei no 96-392 de 13 maio de 1996), no México (art. 400 bis do Código Penal, alterado em 13 de maio de 1996), em Portugal (alínea b do item 1 do art. 2o do Decreto-Lei no 325, de 2 de dezembro de 1995) e na Suíça (art. 305 bis do Código Penal, introduzido por Lei de 23 de março de 1990), dentre outros. Além do mais, o texto responde às recomendações internacionais (alínea ii da letra b do art. 3o da Convenção de Viena; e o no 3 do art. 2o do Regulamento Modelo da CICAD).
30. Quanto ao rol de crimes antecedentes, o narcotráfico (Lei nº 6.368, de 21de outubro de 1976), os crimes praticados por organização criminosa, independentemente do bem jurídico ofendido (Lei no 9.034, de 3 de maio de 1995), o terrorismo (art. 20 da Lei no 7.170, de 14 de dezembro de 1983) e o contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado à sua produção (art. 334 do Código Penal e art. 12 da Lei no 7.170, de 1983), compõem as categorias de infrações perseguidas pelos mais diversos países. Trata-se de implementar o clássico princípio da justiça penal universal, mediante tratados e convenções, como estratégia de uma Política Criminal transnacional.
31. Também a defesa do Estado, sob a perspectiva interna, justifica a criminalização da lavagem de dinheiro como entidade típica autônoma.
32. Realmente, além da improbidade administrativa, como gênero de uma vasta gama de ilicitudes praticadas pelo servidor, a ocultação ou a dissimulação do proveito auferido com o delito contra a Administração Pública (Cód. Penal, arts. 312 e segs.; Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993) devem ser reprovadas como espécie de uma delinqüência astuciosa, ainda que o infrator seja estranho aos quadros administrativos. Assim, o tráfico de influência, a corrupção ativa, o contrabando e o descaminho, por exemplo, podem e devem ser reconhecidos como crimes antecedentes, para a caracterização do money laundering.
33. Inclui-se nessas considerações a defesa de uma economia saudável, pelo que os referidos delitos integram, como antecedentes do novo tipo penal, os crimes contra o Sistema Financeiro Nacional (Lei no 7.492, de 16 de junho de 1986).
34. Observe-se que a lavagem de dinheiro tem como característica a introdução, na economia, de bens, direitos ou valores oriundos de atividade ilícita e que representaram, no momento de seu resultado, um aumento do patrimônio do agente. Por isso que o projeto não inclui, nos crimes antecedentes, aqueles delitos que não representam agregação, ao patrimônio do agente, de novos bens, direitos ou valores, como é o caso da sonegação fiscal. Nesta, o núcleo do tipo constitui-se na conduta de deixar de satisfazer obrigação fiscal. Não há, em decorrência de sua prática, aumento de patrimônio com a agregação de valores novos. Há, isto sim, manutenção de patrimônio existente em decorrência do não pagamento de obrigação fiscal. Seria desarrazoado se o projeto viesse a incluir no novo tipo penal - lavagem de dinheiro - a compra, por quem não cumpriu obrigação fiscal, de títulos no mercado financeiro. É evidente que essa transação se constitui na utilização de recursos próprios que não têm origem em um ilícito.
35. O projeto imputa ao novo tipo pena de reclusão de três a dez anos e multa.
36. Quanto à pena mínima (três anos), é importante ter em consideração que, segundo a doutrina penal, em interpretação dos arts. 59 e 61 do Código Penal, o juiz, na aplicação da pena, parte do mínimo legal para aumentá-la em função das circunstâncias judiciais e das causas especiais de aumento. Além da pena mínima guardar correlação com a prevista nos arts. 12 e 13 da Lei n° 6.368, de 21 de outubro de 1976, que dispõe sobre a repressão ao tráfico ilícito de substâncias entorpecentes.
37. No mais, adotou o projeto, quanto ao mínimo e ao máximo, a solução utilizada na Argentina e em Portugal.
38. Como condutas que devam ter o mesmo tratamento penal, o projeto equipara ao tipo definido no caput do art. 1o a conversão, a aquisição, a receptação, a troca, a negociação, a dação ou a receptação em garantia, a guarda, o depósito, a movimentação e a transferência de bens, direitos ou valores oriundos dos crimes antecedentes elencados, com o objetivo de ocultar ou dissimular a sua utilização (art. 1º, § 1º, I e II).
39. Todas essas condutas encontram-se previstas na legislação comparada como equiparadas à lavagem de dinheiro. Assim na Alemanha (§ 261, 2 do Código Penal), na Argentina (Lei no 23.757/1989), na Bélgica (art. 505, nº 1 a 4 do Código Penal, com as modificações da Lei de 7 de abril de 1995), em Portugal (art. 2o, alíneas a e c, do Decreto-Lei no 325, de 2 de dezembro de 1995), na França (art. 222-38, do Código Penal, introduzido pela Lei no 96.392, de 13 de maio de 1996), na Itália (art. 648 bis do Código Penal, introduzido pela Lei no 328, de 9 de agosto de 1993), no México (art. 400 bis Código Penal, com as alterações de treze de maio de 1996) e na Suíça (arts. 305 bis e 305 ter do Código Penal, introduzido pela Lei Federal de 23 de março de 1990).
40. Equipara o projeto, ainda, ao crime de lavagem de dinheiro a importação ou exportação de bens com valores inexatos (art. 1o, § 1o, III). Nesta hipótese, como nas anteriores, exige o projeto que a conduta descrita tenha como objetivo a ocultação ou a dissimulação da utilização de bens, direitos ou valores oriundos dos referidos crimes antecedentes. Exige o projeto, nesses casos, o dolo direto, admitindo o dolo eventual somente para a hipótese do caput do artigo.
41. O projeto também criminaliza a utilização, "na atividade econômica ou financeira, de bens, direitos ou valores que sabe serem provenientes de qualquer dos crimes antecedentes... " (art. 1o, § 2o, I). Neste caso, a mera utilização, sem ter por objetivo a ocultação ou a dissimulação da origem dos bens, direitos ou valores, uma vez que o agente saiba de tal origem, caracteriza a prática do ilícito. Tal hipótese o projeto buscou no direito francês (art. 324-1, 2ª alínea, introduzida pela Lei nº 96-392, de 1996).
42. Considerado como um ilícito que envolve pessoas físicas e jurídicas de múltiplas camadas, a punição da lavagem de dinheiro deve alcançar modalidades especiais de colaboração delituosa.
43. Assim sendo, a responsabilidade penal de quem participa de grupo, associação ou de escritório que sabe organizado para fim de ocultação ou dissimulação de bens, direitos ou valores é uma conseqüência natural da regra de incidência do art. 29 do Código Penal e do princípio da culpabilidade, que se extrai da dignidade da pessoa humana (CF art. 1o, III) e da vedação da responsabilidade objetiva (CP, arts. 18 e 19).
44. Trata-se, no caso, de uma forma especial de concorrência que permitirá a imputação típica mesmo que o sujeito ativo não esteja praticando os atos característicos da lavagem ou de ocultação descritos pelo caput do art. 1o e do respectivo § 1o. Nos termos do presente disegno di legge, responde com as mesmas penas reservadas para a conduta de lavar dinheiro (to launder money) ou de ocultação de bens, direitos e valores, quem participa consciente e dolosamente do grupo, associação ou escritório de pessoas que se dedicam a essas condutas puníveis.
45. A inclusão dessa forma especial de concorrência encontra precedentes no direito comparado e nas recomendações internacionais (Bélgica, art. 3o da Lei de janeiro de 1993 e art. 42, 3º do Cód. Penal, introduzido pela Lei de abril de 1995; Espanha, art. 1o, 2, da Lei de 19 de dezembro de 1993; França, art. 222-38 do Cod. Penal; Portugal, art. 2º, 1, a, do Decreto-Lei nº 325, de 2 de dezembro de 1995; o art. 3º, 1, c, iv, da Convenção de Viena; e art. 2º, 4, do Regulamento Modelo da CICAD).
46. O projeto, por esta forma, abrange toda a gama de condutas com bens, direitos ou valores oriundos dos crimes antecedentes enunciados.
47. Em primeiro lugar, inclui todas e quaisquer ações, sejam elas quais forem, que obtenham, como resultado, a ocultação ou a dissimulação da "natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores oriundos, direta ou indiretamente, ... " dos crimes elencados (caput do art. 1º).
48. Em segundo lugar, inclui outras ações que tenham por objetivo a ocultação ou a dissimulação embora não tenham obtido esse resultado. Assim, "incorre na mesma pena quem, para ocultar ou dissimular a utilização de bens, direitos ou valores provenientes de qualquer dos crimes antecedentes referidos neste artigo: (I) os converte em ativos lícitos; (II) os adquire, recebe, troca, negocia, dá ou recebe em garantia, guarda, tem em depósito, movimenta ou transfere; (III) importa ou exporta bens com valores inexatos".
49. Em terceiro lugar, estão abrangidos pelo projeto duas outras condutas relevantes:
a) a utilização, na atividade econômica ou financeira, de bens, direitos ou valores que sabe serem provenientes dos crimes antecedentes previstos no projeto;
b) a participação em "grupo, associação ou escritório tendo conhecimento de que sua atividade principal ou secundária é dirigida" para o fim de lavar bens, direitos ou valores provenientes dos referidos crimes antecedentes.
50. Portanto, o núcleo das condutas elencadas consiste (a) no fato de ocultar ou dissimular, utilizar ou participar e (b) no objetivo de ocultar ou dissimular.
51. Na esteira de coibir a prática desse ilícito e considerando a necessidade de combater o crime organizado, o Projeto determina o aumento "de um a dois terços, se o crime é cometido de forma habitual ou por intermédio de organização criminosa" (art. 1º, § 4º).
52. Estimulando a prática da colaboração espontânea por parte dos agentes do delito, o projeto reduz sensivelmente a pena e, conforme o caso concreto, admite o perdão judicial ou a substituição por pena restritiva de direito, quando o co-autor ou partícipe prestar esclarecimentos aptos à apuração das infrações penais e de sua autoria ou à localização dos bens, direitos ou valores a eles diretamente relacionados (art. 1º, § 5º).
53. Essa orientação de Política Criminal, consubstanciada no direito premial, já é consagrada em nosso sistema positivo (art. 25, § 2o, da Lei no 7.492, de 16 de junho de 1986, que define os crimes contra o sistema financeiro nacional; parágrafo único do art. 8o da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, que dispõe sobre os crimes hediondos; parágrafo único do art. 16 da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, que define os crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo; e o art. 6º da Lei nº 9.034, de 3 de maio de 1995, que dispõe sobre meios operacionais relativos às ações praticadas por organizações criminosas).
54. A chamada do co-réu ou a indicação do local onde esteja o produto da lavagem ou da ocultação, independentemente de configurarem atitudes de arrependimento do autor, co-autor ou partícipe, constituem brechas na organização criminosa que devem ser enfrentadas não somente pelos órgãos estatais como também por forças sociais externas. A infidelidade criminal constitui a violação de um dos deveres elementares da organização criminosa. A quebra da afecctio societatis - o rompimento da omertà - é um dos fatos positivos para o combate mais vigoroso contra certos tipos de infratores. Um sistema legal moderno não pode ignorar esse fenômeno, mas, ao reverso, deve extrair dele os dividendos favoráveis à comunidade de pessoas honestas.
55. Por outro lado, o dispositivo, na hipótese de redução da pena, determina expressamente que o seu cumprimento deverá iniciar-se pelo regime aberto (art. 1º, § 5º). Evita-se, assim, o regime fechado para o colaborador, pois importaria em sua convivência, na galeria das prisões, com aqueles a quem tenha denunciado.
56. Providência indispensável para a eficácia da lei proposta é a regra estabelecida pelo inciso II do art. 2º, declarando a autonomia do processo e do julgamento entre o crime antecedente ou básico e o crime de lavagem de dinheiro, que, de resto, atende às recomendações internacionais (art. 2º, 6, do Regulamento Modelo da CICAD).
57. Com efeito, a separação de processos é justificável não somente à luz do disposto no art. 80 do Código de Processo Penal, quando alude a "outro motivo relevante" que o juiz repute conveniente para a separação. A proposta ora em exame vai mais longe. Determina a obrigatoriedade da separação e assenta em dois aspectos essenciais: o primeiro, de caráter instrumental, visto que o procedimento relativo ao ilícito antecedente poderá estar - as mais das vezes - submetido a jurisdição penal de outro país; e o segundo, de natureza material, diz respeito às exigências de segurança e justiça que são frustradas pelas práticas domésticas ou transnacionais de determinados crimes cuja gravidade e reiteração constituem desafios ao estado contemporâneo.
58. A propósito da separação, o recente Código de Processo Penal português a admite, entre outras hipóteses, quando a conexão "puder representar um grave risco para a pretensão punitiva do Estado" (art. 30, 1, b).
59. Fiel aos princípios processuais garantidos pela Constituição e a legislação ordinária, o projeto não poderia induzir a situações que implicassem a absoluta autonomia entre o crime básico e a lavagem ou ocultação de seu produto.
60. Trata-se de uma relação de causa e efeito que deve ser equacionada por meio de fórmula processual que, viabilizando a eficácia da incriminação do ilícito posterior, exija razoável base de materialidade do ilícito anterior. Segue-se daí a necessidade de a denúncia pelo delito de ocultação ou dissimulação de bens, direitos ou valores ser instruída com "indícios suficientes da existência do crime antecedente" (§ 1º do art. 2º). Tais indícios podem restringir-se à materialidade de qualquer dos fatos puníveis referidos pelo caput do art. 1o, sem a necessidade de se apontar, mesmo que indiciariamente, a autoria. Tal ressalva se torna óbvia diante dos progressos técnicos e humanos da criminalidade violenta ou astuciosa, máxime quanto à atomização da autoria em face da descentralização das condutas executivas.
61. Observe-se, no entanto, que a suficiência dos indícios relativos ao crime antecedente está a autorizar tão-somente a denúncia, devendo ser outro o comportamento em relação a eventual juízo condenatório.
62. As modalidades de lavagem de dinheiro ou ocultação descritas no projeto serão punidas, ainda que desconhecido ou isento de pena o autor do crime básico (art. 2º, § 1º). A regra está em harmonia com o sistema do Código Penal, especificamente quanto à punibilidade da receptação, mesmo quando ignorada a autoria ou isento de sanção penal o responsável pelo crime de que proveio a coisa (art. 180, § 2º). Tanto a receptação como a lavagem e a ocultação caracterizam modalidades autônomas de aproveitamento de um delito anterior, cuja reação penal deve ser, por isso mesmo, independente do resultado do outro processo.
63. O projeto veda expressamente a suspensão do processo em caso do não comparecimento do réu citado por edital, como prevê o art. 366 do Código de Processo Penal com a redação dada pela Lei no 9.271, de 17 de abril de 1996 (art. 2º, § 2º). Trata-se de medida de Política Criminal diante da incompatibilidade material existente entre os objetivos desse novo diploma e a macrocriminalidade representada pela lavagem de dinheiro ou ocultação de bens, direitos e valores oriundos de crimes de especial gravidade. A suspensão do processo constituiria um prêmio para os delinqüentes astutos e afortunados e um obstáculo à descoberta de uma grande variedade de ilícitos que se desenvolvem em parceria com a lavagem ou a ocultação.
64. A execução provisória e imediata da sentença de condenação (art. 3º), com a indispensável motivação que justifique essa forma de prisão cautelar, atende às peculiaridades de ilicitude e de seu especial tipo de autor. Como é curial, a jurisprudência têm-se orientado no sentido de que a prisão provisória, em suas várias modalidades (flagrante, temporária, preventiva, pronúncia ou sentença condenatória), não atenta contra o princípio constitucional da presunção de inocência, conforme a Súmula nº 9 do Superior Tribunal de Justiça. Assim sendo, a condição imposta ao condenado de se recolher à prisão para poder apelar, quando for imposta pena privativa de liberdade em regime fechado ou semi-aberto, é um corolário lógico de tal orientação. E tal exigência não é dispensada mesmo em se tratando de réu primário e de bons antecedentes. Foi essa a orientação do legislador quanto aos crimes contra o sistema financeiro nacional (Lei nº 7.492, de 1986) e contra os praticados por organização criminosa (Lei nº 9.034, de 1995), que, no caso, são delitos antecedentes ao ora tratado. No caso, a regra especial revoga a regra geral prevista no art. 594 do Código de Processo Penal.
65. A busca e apreensão e o seqüestro de bens do indiciado ou denunciado pela infração penal constituem um dos eficientes meios de prevenção e repressão penal, além de garantirem os interesses da União e da vítima da infração quanto ao ressarcimento civil do dano.
66. Na orientação do projeto, tais medidas cautelares se justificam para muito além das hipóteses rotineiras já previstas pelo sistema processual em vigor. Sendo assim, além de ampliar o prazo para o início da ação penal, o projeto inverte o ônus da prova relativamente à licitude de bens, direitos ou valores que tenham sido objeto da busca e apreensão ou do seqüestro (art. 4º). Essa inversão encontra-se prevista na Convenção de Viena (art. 5º, no 7) e foi objeto de previsão no direito argentino (art. 25, Lei 23.737/89).
67. Observe-se que essa inversão do ônus da prova circunscreve-se, à apreensão ou ao seqüestro dos bens, direitos ou valores. Não se estende ela ao perdimento dos mesmos, que somente se dará com a condenação (art. 7º, I). Na medida em que fosse exigida, para só a apreensão ou o seqüestro, a prova da origem ilícita dos bens, direitos ou valores, estariam inviabilizadas as providências, em face da virtual impossibilidade, nessa fase, de tal prova.
68. Relevante modificação é introduzida na sistemática do procedimento de restituição das coisas apreendidas ou seqüestradas e que é regulado pelos arts. 118 a 124 do Código de Processo Penal. O projeto exige a presença pessoal do acusado para ter andamento o seu pedido de restituição (art. 4º, § 3º). Não importa a forma da pretensão, se exercida por meio de simples requerimento nos autos do inquérito ou da ação penal, ou mediante o ajuizamento de mandado de segurança, ação cautelar ou de outra natureza. Trata-se de condição indispensável para o conhecimento do pedido.
69. A convivência funcional entre os investigadores do fato punível e as autoridades (policial ou judicial) que dirigem o procedimento constitui exigência inafastável para a correta apuração da verdade material e a satisfação de outros princípios e interesses do processo penal.
70. Comungando de tal orientação e na linha traçada pela Lei no 9.034, de 1995 (art. 2º, II), o projeto admite expressamente e até recomenda uma providência de bom senso, conhecida como ação controlada: quando o cumprimento imediato da ordem de prisão de pessoas ou da apreensão ou seqüestro de bens puder comprometer as investigações, o juiz poderá suspender tais medidas (art. 4o, § 4o). Os requisitos para tal iniciativa são expressamente fixados de modo a não oferecer risco para a administração da justiça penal e para os demais interesses sociais.
71. No arsenal das medidas antidelituais, a perda de bens, direitos e valores com repercussão econômica e a proibição para determinadas atividades relacionadas com o fato delituoso aparecem como um dos efeitos sociais da condenação e um poderoso agente de prevenção de novos ilícitos (Código Penal, art. 90, II). Adotando esta orientação, o projeto estabelece a perda patrimonial em favor da União, dos bens, direitos e valores oriundos das atividades criminosas referidas no art. 1º e no seu § 1º (art. 7º, I).
72. Também como efeito da condenação é prevista a interdição do exercício de cargo ou função pública de qualquer natureza, bem como a de diretor, membro de conselho de administração ou gerência de pessoa jurídica condenado por qualquer dos ilícitos previstos no projeto e pelo dobro do tempo da pena privativa de liberdade aplicada (art. 7º, II). Em obséquio ao princípio constitucional da presunção de inocência, a interdição somente poderá ser imposta após o trânsito em julgado da sentença condenatória.
73. Fixadas as bases do regime penal e processual penal do combate aos crimes de lavagem de dinheiro, o projeto, na sua segunda parte, volta-se para a definição do regime administrativo de combate a esses crimes.
74. Nesse sentido, estabelece o projeto, em suas linhas gerais, medidas de caráter preventivo, com o objetivo de inibir e dificultar a utilização de setores da atividade econômica como via para a prática de operações de lavagem de dinheiro.
75. Destarte, cuida o projeto, a partir do art. 9o, do regime administrativo de combate à lavagem de dinheiro.
76. Com vistas à instituição de medidas que facilitarão os procedimentos investigatórios, são definidos pelo projeto os sujeitos e suas respectivas obrigações, as sanções pelo não cumprimento dessas obrigações, as atribuições dos órgãos governamentais fiscalizadores e a estrutura e competência do Conselho de Combate a Atividades Financeiras Ilícitas - COAF, órgão com a específica função de investigar as suspeitas da prática de operações de lavagem de dinheiro.
77. Como se sabe, entre a prática da atividade ilícita e o usufruto dos recursos dela originados, há a necessidade de que seja realizada uma série de operações financeiras e comerciais com o fito de dar a esses recursos uma aparência de valores obtidos licitamente. Portanto, o móvel principal de todo o procedimento de lavagem de dinheiro será encobrir, de qualquer forma, a origem ilícita desses recursos e apagar os vestígios que permitam às autoridades públicas descobrir essa origem.
78. Para alcançar esse objetivo, no entanto, é inevitável o trânsito desses recursos pelos setores regulares da atividade econômica, seja na fase de encobrimento, seja na fase de aproveitamento, quando eles são transformados em ativos das mais variadas espécies, para que possam ser usufruídos pelos autores das práticas delituosas.
79. Como as organizações criminosas, especialmente aquelas dedicadas ao tráfico ilegal de entorpecentes e de armas, recebem normalmente pequenas e médias somas em dinheiro, pela realização de inúmeras e sucessivas atividades ilícitas, a lavagem desses valores requer, periodicamente, a prática de um sem-número de operações financeiras e comerciais. Ademais, a própria manutenção dessa estrutura criminosa requer igualmente a realização de um outro número de operações daquela espécie.
80. Nessas situações, os recursos que são girados diariamente por essas atividades delituosas estão à margem da lei e servem exatamente para realimentar a máquina criminosa.
81. Logo, o projeto, tendo presente o fato de que a lavagem de dinheiro é o complemento de toda prática delituosa e de que essa operação só é possível com o trânsito desses recursos pelos setores regulares da economia, estrutura um regime administrativo de combate a essa operação ilícita, cujos pilares de sustentação podem ser resumidos em dois:
a) fixação de procedimentos que dificultem o encobrimento da origem dos recursos e facilitem o trabalho de investigação;
b) criação de um órgão especializado para investigar a prática de operações de lavagem.
82. A idéia de compartilhamento de responsabilidade entre o Estado e os setores da atividade econômica utilizados para a lavagem de dinheiro encontra um fundamento teórico e outro prático.
83. O fundamento teórico para essa divisão de tarefas parte do princípio de que a responsabilidade pelo combate dos crimes de lavagem não deve ficar restrita tão-só aos órgãos do Estado, mas também deve envolver toda a sociedade, tendo em vista o potencial desestabilizador dos crimes que se utilizam com maior vigor dos processos de lavagem. Assim, como certos setores da economia são utilizados como via para a prática do crime de lavagem de dinheiro, o que acaba por contaminar as atividades lícitas desenvolvidas por esses setores, e, por conseguinte, afetando a credibilidade e a estabilidade desses setores, nada mais lógico do que fazer com que assumam ônus e responsabilidades no combate de uma atividade delituosa que os atinge diretamente. De resto, tal participação fortalecerá a imagem desses setores perante a comunidade em que desenvolvam as suas atividades.
84. De fato, uma comunidade organizada sobre o primado do Direito não se coaduna com qualquer prática delituosa, estando implícito o dever imputado a todos de participar e de colaborar no combate a práticas por ela repudiadas e que, se não combatidas, acabarão por implodir o tecido social, pela corrosão dos alicerces da vida em coletividade.
85. Essa idéia de co-participação no combate às atividades ilícitas está, inclusive, consagrada no art. 144 da Constituição Federal, que deixa claro que a segurança pública é um dever do Estado, mas também é um direito e uma responsabilidade de todos. No mesmo sentido e de forma mais especifica, já no que concerne ao Sistema Financeiro Nacional, o art. 192 do texto constitucional estabelece que ele deverá ser "estruturado de forma (...) a servir aos interesses da coletividade".
86. Ao lado disso, há razões de ordem prática que justificam esse compartilhamento, na medida em que esses setores, pela proximidade com os seus clientes, dispõe de maiores condições para diferenciar operações lícitas de operações ilícitas.
87. Ressalte-se, ainda, que o simples estabelecimento de um regime administrativo de combate aos crimes de lavagem, com a participação direta dos setores que normalmente são utilizados nesse processo, constitui um importante fator de inibição da utilização desses setores na lavagem de dinheiro.
88. Nessa altura, cabe pôr em relevo o importante papel que o Sistema Financeiro Nacional terá no combate à lavagem de dinheiro.
89. Como o curso da moeda, modernamente, é realizado quase que exclusivamente pelos sistemas financeiros de cada país, as operações de lavagem, num ou noutro momento, passarão pelos referidos sistemas. Considerando os modernos avanços das telecomunicações, o processo de integração, de globalização das economias e de interligação dos sistemas financeiros mundiais, verifica-se que as transferências financeiras, não só dentro do território nacional, como especialmente entre países, estão extremamente facilitadas. A modernização do sistema, ao permitir transferências financeiras internacionais instantâneas, notadamente aquelas direcionadas para paraísos fiscais e bancários, acaba dificultando a persecução, o descobrimento e a apreensão dos capitais procedentes de atividades delituosas e, conseqüentemente, aumenta a eficácia da lavagem de dinheiro. Por tudo isso, está evidente o importante papel - involuntário, registre-se - que o sistema financeiro desempenha e desempenhará - se não se envolver no combate a essas atividades delituosas - na consolidação de uma indústria de lavagem de dinheiro no País, o que certamente repercutirá negativamente perante toda a sociedade brasileira e internacional.
90. Bem verdade que, apesar da proeminência do sistema financeiro no processo de lavagem, outros setores da economia também são utilizados. Para o combate à lavagem de dinheiro, portanto, é necessário que o regime administrativo atinja também setores outros da economia que, no curso de suas operações regulares, movimentam consideráveis somas de dinheiro. Só assim a eficácia do combate à lavagem será otimizada.
91. Por isso que o artigo 9º, ao definir as pessoas jurídicas sujeitas ao regime administrativo, procura abarcar não só as instituições financeiras (bancos, financeiras, distribuidoras de títulos mobiliários, sociedades creditícias etc... ), como também todas aquelas instituições que, por terem como atividade principal ou acessória, o giro de médias e grandes quantidades de dinheiro, podem ser utilizadas como canais para a lavagem de dinheiro, em virtude do que o projeto abrange também as entidades seguradoras, de capitalização, distribuidoras de prêmios, administradoras de cartões de crédito e de credenciamento, etc.
92. Abrange, ainda, o projeto as pessoas jurídicas que operem no ramo imobiliário, assim como aquelas que, também físicas, comercializem jóias, pedras e metais preciosos, objetos de arte e antigüidades (art. 9o, X e XI). Quanto a estas, a autoridade competente disciplinará aquelas que estão sujeitas às regras da lei, evitando-se, assim, uma banalização da fiscalização (art. 14, § 1º).
93. Fixados os sujeitos, nos arts. 10 e 11 o projeto cuida de estabelecer as suas obrigações.
94. No art. 10, são definidos os procedimentos que os sujeitos obrigados deverão adotar para que não sejam utilizados para fins de lavagem de dinheiro, especificamente no que se refere à identificação plena de todos os seus clientes, à manutenção de um cadastro de clientes atualizado (inciso I) e o registro de todas as operações que superarem determinado limite fixado pelas autoridades administrativas competentes (inciso II).
95. Com essas medidas, dificulta-se o encobrimento da origem ilícita, na medida em que elas propiciarão registros fidedignos que serão fundamentais às investigações e ao rastreamento do percurso dos recursos objeto de lavagem.
96. Tais medidas encontram-se por toda a legislação comparada, o que demonstra a absoluta necessidade de sua inclusão no direito brasileiro. Veja-se, por exemplo, a Bélgica (art. 4º da Lei de 11 janeiro de 1993), a Espanha (art. 3º, nº 1 da Lei nº 19/93, regulamentado pelo art. 3º do Real Decreto 925/95); Portugal (art. 3º, no 1 do Decreto-Lei nº 313, de 15 setembro de 1993), CICAD (art. 10 do Regulamento Modelo) e a Comunidade Européia (item 12 das "Les Quarantes Recommendations").
97. Como medida assecuratória da eficácia dos procedimentos investigatórios, o § 2º do artigo 10 determina que os cadastros e os registros acima aludidos sejam conservados por um prazo mínimo de cinco anos, podendo ser ampliado pelas autoridades competentes, contado a partir do encerramento da conta ou da conclusão da transação, pois nem sempre as operações serão realizadas por clientes permanentes dos sujeitos obrigados.
98. No inciso III do artigo 10, o projeto estabelece o dever dos sujeitos obrigados de atenderem as requisições de informações do COAF, órgão criado pelo art. 14 do projeto. Nisso, o projeto toma o cuidado de submeter essas requisições ao crivo do Judiciário, o que evitará injustificadas e indevidas intromissões estatais na intimidade dos clientes. De resto, o projeto não se adentra na questão do sigilo bancário, que é objeto de tratamento em legislação complementar.
99. Já o art. 11, inciso I, estabelece que os sujeitos obrigados "dispensarão especial atenção às operações que, nos termos de instruções emanadas das autoridades competentes, possam constituir-se em sérios indícios dos crimes previstos" no projeto ou com eles relacionar-se.
100. O § 1o do mesmo art. 11 determina às autoridades competentes, nas instruções mencionadas pelo inciso I, a elaboração de uma "relação de operações que, por suas características, no que se refere às partes envolvidas, valores, forma de realização, instrumentos utilizados, ou pela falta de fundamento econômico ou legal, possam configurar" a prática dos delitos previstos no projeto.
101. Estabelece, ainda, o projeto que "as pessoas referidas no art. 9º (II) deverão comunicar, no prazo de vinte e quatro horas, às autoridades competentes (b) a proposta ou a realização" de tais transações.
102. Tais regras fomos buscar na experiência internacional, onde há previsões dessa natureza, necessárias para a prevenção e repressão dos delitos previstos no projeto. Veja-se a Bélgica (art. 8º da Lei de 11 janeiro de 1993), a Espanha (art. 3º, nº 2, da Lei 19/93), Portugal (art. 8º, nº 1, do Decreto-Lei no 313/1993), Suíça (art. 305, ter., 2, do Cód. Penal, redação da Lei de dezoito de marco de1994), a Comunidade Européia (itens 15 e 28 das "Quarante Recommendations") e a CICAD (art. 13 do Regulamento Modelo).
103. Algumas legislações, como a portuguesa de 1993 (Decreto-Lei 313), optaram por determinar o dever de abstenção (art. 11) na execução de "quaisquer operações que fundadamente suspeitem estar relacionadas com a prática do crime".
104. No entanto, entendemos que a solução mais adequada aos princípios que informam o projeto se constitui no dever de comunicação. Uma operação, embora constante do elenco elaborado pelas autoridades competentes, pode ser absolutamente legítima e não se constituir na prática dos ilícitos previstos no Projeto. Cabe às autoridades proceder à necessária investigação e devendo lei instituir o dever de não realização da mesma porque meramente suspeita.
105. Como a falta de dados mais precisos no momento da realização das operações poderia deixar de fora um grande número de operações, prevê, ainda o projeto (art. 11, II) o dever de comunicação, "no prazo de vinte e quatro horas, às autoridades competentes, de (a) todas as transações" objeto do registro previsto no inciso II do art. 10, "que ultrapassem limite fixado, para esse fim, pela mesma autoridade".
106. A partir desse critério objetivo, fecha-se o cerco em relação àquelas operações que eventualmente não tenham sido comunicadas e permite-se, inclusive, que se possam identificar oscilações de movimentação financeira significativas num dado momento em certa região. Nisso, o projeto toma o cuidado de determinar que múltiplas operações realizadas por uma pessoa física ou jurídica, seus entes ligados, em um mês calendário, com uma mesma pessoa, conglomerado ou grupo, e que ultrapassem o limite fixado pela autoridade competente, sejam consideradas de forma aglutinada (art. 10, § 3º).
107. Isso se justifica, porquanto um dos expedientes utilizados no processo de lavagem é justamente a realização, de foram pulverizada, de inúmeras operações envolvendo pequenas quantias (ver CICAD, Regulamento Modelo, art. 12, nº 4).
108. Se o sujeito estiver submetido à fiscalização de algum órgão, a comunicação deverá ser dirigida a esse órgão. Em caso contrário, ao COAF (artigo 11, § 3º).
109. Esclareça-se que o projeto, ao se referir a "autoridades competentes", está remetendo a matéria às legislações específicas que dispõem sobre a regulamentação e fiscalização das pessoas mencionadas no art. 9º.
110. Assim, para as pessoas que operam no sistema financeiro a "autoridade competente" é o Banco Central do Brasil (Lei nº 4.595 de 31 de dezembro de 1964, art. 8º, VIII e IX), para as que operam com valores mobiliários, como as bolsas, é a Comissão de Valores Mobiliários - CVM (Lei nº 6.385 de 7 de dezembro de 1976, arts. 8º, III e V, art. 9º e 11; Decreto-Lei nº 2.298 de 21 de novembro de 1986), e, para as entidades que operam no sistema de seguro e capitalização, a Superintendência de Seguros Privados - SUSEP (Decreto-Lei nº 73 de 21 de novembro de 1966, art. 36; Lei nº 6.435 de 15 de julho de 1977, art. 9º).
111. Obviamente, todos essas comunicações seriam ineficazes para fins de investigação, se delas os clientes tomassem conhecimento. Sendo assim, a parte final do inciso II do art. 11 deixa claro que os sujeitos obrigados deverão "abster-se de dar ciência aos clientes de tal comunicação", garantindo a confidencialidade das investigações delas decorrentes (Comunidade Européia, no 17 da "Quarante Recommendations").
112. O § 2ºdo artigo 11, como forma de viabilizar as comunicações pelos sujeitos obrigados, estabelece que as comunicações das operações suspeitas, quando realizadas de boa-fé, não darão margem à responsabilização civil ou administrativa do sujeito obrigado, de seus controladores, dos seus administradores e dos seus empregados.
113. Esse dispositivo, como se vê, afasta impedimentos de ordem legal ou contratual relativos à manutenção do sigilo dessas operações.
114. A exigência de boa-fé consubstancia a preocupação de que não sejam realizadas comunicações infundadas, que submetam os clientes a um procedimento investigatório desnecessário.
115. Tal fórmula, porque necessária, encontra-se na legislação comparada (Bélgica, art. 20, Lei de 11 de janeiro de 1993, e Espanha, art. 4o da Lei 19/93), como também nas recomendações internacionais (CICAD, art. 134 da Regulamento Modelo, e Comunidade Européia, item 16, das "Quarante Recommendations").
116. No Capítulo VIII, o Projeto cuida de definir o regime sancionador para o não cumprimento, pelos sujeitos obrigados, das obrigações previstas nos arts. 10 e 11.
117. A responsabilidade administrativa constitui um capítulo indispensável para o sucesso da lei ora projetada. Com efeito, desde muito tempo os estudos e trabalhos destinados ao combate da criminalidade dos respeitáveis, em áreas como dos ilícitos de contrabando e contra a administração pública, por exemplo, vêm propondo a maior interação entre o Direito Penal e o Direito Administrativo Penal, considerado este ramo sob a perspectiva da punição das infrações administrativas como medidas de Política Criminal para a prevenção de delitos.
118. Assim, no art. 12, adotando-se um critério de progressividade e proporcionalidade, prevê o projeto as sanções de advertência, multa pecuniária, inabilitação temporária e cassação da autorização para operação ou funcionamento.
119. A advertência, nos termos do art. 12, § 1º, será aplicada nos casos de irregularidades em relação às instruções expedidas pelas autoridades competentes para o cumprimento do disposto no art. 10, incisos I e II, que versam sobre o cadastro e a identificação dos clientes (inciso I) e o registro das operações (inciso II).
120. No caso de aplicação de multa, o projeto faculta às autoridades competentes a aplicação da multa fixa de até R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) ou variável, de um por cento até o dobro do valor da operação, ou até duzentos por cento do lucro obtido ou que presumivelmente seria obtido pela realização da operação.
121. Essa sanção será aplicada aos sujeitos obrigados, quando estes, por negligência ou dolo, deixarem de sanar, no prazo que lhes for fixado, as irregularidades objeto de advertência (art. 12, § 2º, a); não realizarem a identificação ou o registro previstos nos incisos I e II do art. 10; não atenderem, dentro do prazo fixado, as requisições do COAF ou deixarem de fazer as comunicações das operações suspeitas às autoridades competentes (art. 12, § 2º, d).
122. O rigor dos valores da multa procura inibir a participação dos sujeitos obrigados em operações de lavagem de dinheiro, sendo contrabalanceado pela exigência de que haja pelo menos negligência dos sujeitos obrigados para que essa sanção seja aplicada.
123. A inabilitação temporária será aplicada para infrações graves quanto ao cumprimento das obrigações impostas aos sujeitos obrigados e no caso de reincidência específica em infrações punidas com multa (art. 12, § 3º). Já a cassação de autorização reserva-se para os casos de reincidência específica em infrações punidas com a inabilitação temporária.
124. Todas as sanções constantes do projeto, nos termos dos arts. 12, caput, e 14, § 1º, serão aplicadas pelos órgãos e entidades governamentais fiscalizadores e pelo COAF, quando se tratar de sujeitos não submetidos a nenhuma autoridade, devendo o procedimento para aplicação dessas sanções ser regulado por decreto, onde serão assegurados o contraditório e a ampla defesa (art. 13).
125. Esse regime sancionador é já conhecido pelo direito brasileiro, sendo similar ao contido na Lei no 4.595 de 1964, que regulamenta o sistema financeiro (art. 44).
126. No capítulo IX, o projeto cuida de estruturar o Conselho de Controle de Atividades Financeiras - COAF. Criado no âmbito do Ministério da Fazenda (art. 14). Esse Conselho terá a incumbência de, além de aplicar penas administrativas, disciplinar, receber, examinar, identificar e investigar as ocorrências suspeitas da prática de lavagem de dinheiro, sem prejuízo da competência dos demais órgãos e entidades governamentais envolvidas nesse combate.
127. Como visto acima, o regime administrativo terá como ponto crucial a realização, pelos sujeitos obrigados, de registro e de comunicações de operações que excedam determinado valor, além de comunicações eventuais e periódicas de operações suspeitas de consubstanciarem a prática de lavagem de dinheiro. Isso, indubitavelmente, implicará um número elevadíssimo de informações sobre operações financeiras e comerciais, realizadas nos mais diversos pontos do País e no exterior. Para que essas informações desencontradas e isoladas sejam transformadas em evidências da prática do crime de lavagem de dinheiro, há a necessidade de que lhes seja dado um tratamento adequado, seja pelo cruzamento dessas informações, seja pelo trabalho de natureza estatística. Para tanto, será imprescindível uma estrutura administrativa especializada, familiarizada com os instrumentos do mercado financeiro e comercial do País e internacional, para que, de posse dessas informações possa extrair evidências e provas da prática dos crimes de lavagem de dinheiro, sem falar que, muitas vezes, a celeridade das investigações será uma peça fundamental para o desbaratamento de uma empresa criminosa.
128. Obviamente, para o bom desempenho de suas funções investigativas, o COAF terá que contar com, além das informações que lhe são fornecidas, outras que sejam necessárias para a comprovação ou não da prática de lavagem de dinheiro. Nesse sentido, o projeto estabelece, conforme já mencionado e nos termos do art. 10, III, que o COAF poderá requisitar informações dos sujeitos obrigados, desde que autorizado pelo Poder Judiciário.
129. Se, ao fim e ao cabo de suas investigações, o COAF concluir pela existência de crimes previstos no projeto ou de fundados indícios de sua prática, ou de qualquer outro ilícito, deverá ele comunicar às autoridades competentes para a instauração dos procedimentos cabíveis (art. 15).
130. Nos termos do § 2º do art. 14, o COAF, além de seu caráter de órgão investigativo, terá um caráter de coordenador das atividades governamentais de combate à lavagem de dinheiro, devendo para tanto propor mecanismos de cooperação e de troca de informações que viabilizem ações rápidas e eficientes no combate dessa atividade delituosa.
131. Fica claro, portanto, que ao COAF caberá analisar operações financeiras e comerciais dos mais diversos tipos e estruturas, sendo que o evidenciamento de uma operação de lavagem de dinheiro na maior parte das vezes exigirá o exame de complexas estruturas negociais, requerendo conhecimentos teóricos e práticos não só sobre procedimentos de investigação, como também sobre operações financeiras e comerciais, Nada mais lógico, pois, que o corpo funcional desse órgão seja composto por servidores de reputação ilibada e reconhecida competência, de órgãos e entidades governamentais que sejam responsáveis pela fiscalização dessas operações e que, de uma forma ou de outra, estejam ligados aos setores envolvidos no combate à prática de lavagem de dinheiro. Disto, resultará o caráter multidisciplinar desse órgão e que, certamente, será um fator de celeridade na condução de suas funções.
132. Esse Conselho segue a linha dos similares encontradiços no direito comparado. Assim na Argentina, com a "Comisión Mixta de Control de las operatorias relacionadas con el lavado de dinero del narcotrafico"; na Espanha, com a "Comisión de Prevención del Branqueo de Capitales e Infracciones Monetárias"; na França, com o "Traitement du Renseignement Et Action Contre Les Circuits Financiers Clandestins - Tracfin"; e, nos Estados Unidos da América, com o "Financial Crimes Enforcement Network - FinCEN".
133. O disegno di legge contém regras necessariamente minuciosas acerca de situações e interesses que gravitam no universo dos delitos antecedentes e das múltiplas atividades relativas à indústria e ao comércio da lavagem de dinheiro.
134. Os bens, direitos ou valores oriundos de crimes praticados no estrangeiro (art. 8º); as pessoas jurídicas com especiais deveres de controle na prevenção e repressão dos ilícitos (art. 9º); a identificação dos clientes e manutenção de registros (art. 10) e a comunicação de operações financeiras (art. 11) constituem capítulos de um repertório de objetos em torno dos quais devem movimentar-se os operadores do Direito e do Processo Penal e também do Direito Administrativo Penal.
135. A elaboração deste texto iniciou-se com um anteprojeto produzido por grupo técnico sob a coordenação da Casa Civil. Após isso, o trabalho passou para a égide do Ministério da Justiça, tendo sido elaborado por professores e técnicos sob a direção do respectivo Ministro.
136. Antes de chegar ao presente estágio, tivemos oportunidade de discutir a matéria com órgãos e especialistas estrangeiros (Suíça, Inglaterra e Estados Unidos da América).
137. Divulgamos o texto então produzido, na forma de Anteprojeto no Diário Oficial da União de 5 de julho de 1996. Utilizamo-nos, também, de divulgação via "home page" do Ministério da Justiça junto à Internet, tudo para receber críticas e sugestões visando ao seu aprimoramento.
138. Foram realizadas, paralelamente, reuniões para discussão do tema, com a presença do Ministro da Justiça e de representante da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. Foram ouvidos, em São Paulo, em cinco reuniões autônomas, a Federação das Indústrias de São Paulo - FIESP, a Federação Brasileira de Bancos - FEBRABAN, as Bolsas de Valores e Mercantil de Futuros, a Associação Brasileira de Bancos Internacionais - ABBI, e a Associação Brasileira de Bancos Comerciais e Múltiplos. Em Natal houve reunião com os Presidentes das Federações da Agricultura, Comércio e Indústria dos Estados do Rio Grande do Norte, Pernambuco, Paraíba e Ceará. Em Belo Horizonte, a reunião foi organizada pela Federação de Indústria de Minas Gerais - FIEMG, onde compareceram magistrados e advogados. Foi realizada reunião no Rio de Janeiro com a respectiva Federação de Indústria. O anteprojeto foi exposto e discutido em reunião da Comissão de Constituição e Justiça e Redação da Câmara dos Deputados.
139. Todas as contribuições foram analisadas pelo Ministro da Justiça, pelos representantes da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e Banco Central do Brasil e muitas delas estão incorporadas na redação ora apresentada.
Este é o projeto, Senhor Presidente, que submetemos à alta consideração de Vossa Excelência, na convicção de que, uma vez convertido em lei, seja mais um eficiente instrumento na luta contra as modalidades mais audaciosas do crime organizado e de suas ilícitas conexões.
Respeitosamente,
NELSON A. JOBIM Ministro de Estado da Justiça
PEDRO MALAN Ministro de Estado da Fazenda
LUIZ FELIPE LAMPREIA
Ministro de Estado das Relações Exteriores
ALBERTO MENDES CARDOSO
Ministro Chefe da Casa Militar da Presidência da República