Por Isabela Amorim Diniz Ferreira (*)
Nota-se o surgimento de uma tendência para condicionar a participação das empresas em certames à comprovação da adoção de programas de integridade. A obrigatoriedade trazida nos diplomas legais promulgados por alguns entes federativos tende a ganhar corpo e ser reproduzida no ordenamento jurídico brasileiro.
Com a edição da lei 12.846/13 (Lei Anticorrupção), o compliance ganhou a nossa atenção, especialmente após os escândalos de corrupção e lavagem de dinheiro.
A Lei Anticorrupção criou o marco normativo que viabilizou a punição de pessoas jurídicas que praticam atos de corrupção contra a administração pública. Seguindo as tendências de mercado e as melhores práticas mundiais, essa lei estabeleceu, ainda, um incentivo à criação e implementação de programas de integridade nas empresas, que passaram a entender que a sua adoção não apenas serve como critério para aplicação de atenuante às penalidades a elas imputadas em caso cometimento de atos contra a administração pública, mas também aborda a adequação a uma nova postura empresarial.
Muito embora as grandes empresas, já adequadas ao FCPA – Forein Corruption Practice Act e ao UK Bribery Act, já exijam de seus contratados, como regra geral, a existência de um programa de integridade ou a adesão aos seus programas, o Poder Público assim não podia fazer justamente pelo fato de não haver esse tipo de previsão na Lei Anticorrupção.
A obrigatoriedade de instituição de programas de integridade nas empresas que contratarem com a administração pública veio somente com a promulgação de regulamentações locais exaradas por alguns entes federativos.
Pioneiro, o estado do Rio de Janeiro promulgou a Lei Estadual 7.753/17, que passou a obrigar a aplicação efetiva de programa de integridade àqueles que desejam contratar com a administração pública. Tal como fez o governo fluminense, o Distrito Federal também sancionou a lei 6.112/18 instituindo a obrigatoriedade de implementação de programa de integridade nas empresas que contratarem com o poder público distrital.
Além das legislações acima citadas, outros entes federativos também legislaram acerca da exigência de programa de integridade para as empresas que contratam com a administração pública, como é o caso, por exemplo, do Estado do Amazonas (Lei Estadual 4.730/18). Também cabe aqui mencionar a portaria 877/18 do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, que criou a obrigatoriedade de implementação de procedimentos de gestão de riscos, canal de denúncias, código de conduta e políticas de integridade para empresas que celebram contratos com o órgão em valores iguais ou superiores a R$5 milhões.
Diante da análise do nosso ordenamento jurídico, nota-se que o movimento iniciado no Rio de Janeiro virou uma forte tendência. Aquilo que antes era considerado uma boa prática de mercado vem se transformando em uma obrigação legal, o que nos leva a crer que, em breve, todas as empresas (e não só aquelas consideradas de grande porte) passarão a adotar um programa de integridade.
É bem verdade que programas de integridade consistem na detecção e saneamento de desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a administração pública. Nesse sentido, a sua adoção, que passou a ser requisito para habilitação das pessoas jurídicas nos certames licitatórios, possui o objetivo de proteger o Poder Público em relação a prejuízos financeiros, conferir maior transparência a processos e sanar irregularidades e atos ilícitos praticados contra a administração pública.
Diante de tudo que aqui foi exposto, nota-se o surgimento de uma tendência para condicionar a participação das empresas em certames à comprovação da adoção de programas de integridade. A obrigatoriedade trazida nos diplomas legais promulgados por alguns entes federativos tende a ganhar corpo e ser reproduzida no ordenamento jurídico brasileiro.
De todo o exposto, não se pretende aqui tecer críticas sobre o assunto aqui trazido, mas refletir se o prazo estabelecido para a implementação de um programa de integridade (cento e oitenta dias) é factível para produzir resultados e evitar mecanismos de aparência e inócuos, que simplesmente servirão para o cumprimento de exigências editalícias.
(*) Isabela Amorim Diniz Ferreira é advogada do escritório Miguel Neto Advogados.
Fonte: Migalhas, em 27.02.2019.