Os temas que não aparecem nos relatórios podem ser os mais relevantes para a sociedade
Por Heiko Hosomi Spitzeck1
Tento não ser pessimista, mas, entre as notícias ruins da semana passada (e foram várias), destaca-se a seguinte: “STF impõe derrota à Lava Jato”. O chefe da força-tarefa da Lava Jato, Deltan Dallagnol, escreveu no Twitter: "Hoje, começou a se fechar a janela de combate à corrupção política que se abriu há 5 anos, no início da Lava Jato".
Nos últimos dois anos, produzimos, na Fundação Dom Cabral, vários estudos de Benchmarking setoriais para entender quais são os desafios sociais e ambientais das empresas. Sempre me incomodaram pesquisas que comparam uma mineradora e um banco sob os mesmos critérios. Uma mineradora hoje precisa cuidar da segurança das barragens e dos impactos na comunidade local, algo que é menos importante para bancos, que olham mais para educação financeira. Mas empresas dentro do mesmo setor vão confrontar desafios semelhantes. Nos Estados Unidos, a Sustainability Accounting Standards Board (Conselho de Padrões de Contabilidade de Sustentabilidade) mapeou riscos socioambientais para 77 setores. É um trabalho em conjunto com investidores para avaliar riscos de investimentos.
Os primeiros insights dos benchmarkings nos deram esperança. Tanto o tema “Ética, Transparência e Integridade” quanto “Anti-Corrupção” foram destaque em todos benchmarkings, em razão da alta relevância para o negócio e por causa de pressão de stakeholders externos. Mas, ao olhar o que as empresas realmente fazem nos temas, ficamos decepcionados.
Primeiro, poucas prestam contas sobre seus impactos sociais e ambientais. No setor químico brasileiro, apenas oito das 19 empresas analisadas publicam um relatório de sustentabilidade, quatro delas no padrão internacional do GRI (Global Reporting Initiative). No Varejo é ainda pior – de 40 empresas analisadas, apenas 14 publicam relatório de sustentabilidade e sete em padrão internacional. Isso é menos de 20% das empresas. Em geral, vemos que as empresas não são transparentes.
Segundo, colocam o mesmo nível de transparência que a empresa publica em um relatório. No setor de construção – foco da operação Lava Jato – nenhuma empresa apresenta dados objetivos e comparáveis sobre o funcionamento das suas políticas de anti-corrupção. A maioria relata que tem um hotline, ombudsman, conselho etc., mas não informa se estas ferramentas funcionam de verdade. Mesmo que a empresa seja transparente, não apresenta dados de desempenho comparáveis internacionalmente.
Terceiro, no final é a empresa que decide o que será publicado no relatório de sustentabilidade ou não. Tentem descobrir nos relatórios da Vale antes do desastre da Barragem do Fundão se há algum dado sobre a segurança das barragens. Consulte os relatórios dos bancos brasileiros e veja se há algo sobre lavagem de dinheiro. Ou seja: os temas que não aparecem nos relatórios podem ser os mais relevantes para a sociedade.
Como alemão vivendo no Brasil, sempre fico intrigado com as expressões que a língua oferece. Frente aos resultados dos benchmarkings sobre ética, transparência e integridade, o que mais bem expressa o sentimento na equipe, é que as empresas fazem algo para “inglês ver.” Não tem muita substância.
Estamos fadados ao desastre, então? Numa conversa com uma diretora de sustentabilidade de um grande banco brasileiro, ganhei nova esperança. Ela foi para uma conferência nos Estados Unidos e aprendeu que o mercado financeiro está cada vez mais usando robôs para coletar informações sobre riscos socioambientais das empresas. Eles preferem investir numa empresa de muitos riscos sociais na Rússia, que é transparente (e você sabe que tem risco) do que em uma empresa brasileira da qual eles nada sabem. O BlackRock, maior investidor internacional, vai deixar transparente nos seus fundos de investimento qual é o risco socioambiental embutido. Sabe estes avisos nos eletrodomésticos, de quanto de energia consomem numa escala de A (pouca) até G (muito)? Imagina isso aplicado a fundos de investimento.
Para avançar no tema ética, transparência e integridade não confio, hoje, nas autoridades brasileiras, nem na autorregulamentação das empresas. Mas, se empresas com baixa transparência não conseguirem mais créditos e investimentos, quem sabe um dia, o controverso setor financeiro seja visto como o ator mais importante para acabar com a corrupção no Brasil.
1Heiko Hosomi Spitzeck é Diretor do Núcleo de Sustentabilidade da Fundação Dom Cabral
Fonte: Época Negócios, em 18.03.2019.