Marcos legais criados por Lava Jato e Mãos Limpas, para enfrentar o crime no Brasil e na Itália, foram destaques no 1º dia de evento
O intercâmbio de boas práticas e aperfeiçoamento legislativo no enfrentamento dos crimes de corrupção marcaram os debates no primeiro dia do II Encontro da Rede Ibero-Americana de Procuradores Contra a Corrupção, nesta quarta-feira, na Procuradoria-Geral da República. A Rede foi criada em novembro de 2017, durante a Assembleia Geral Ordinária da Associação Ibero-Americana de Ministérios Públicos (Aiamp), em Buenos Aires. A segunda edição do evento ocorre em Brasília de hoje até sexta-feira (22), e tem o objetivo de facilitar a troca de informações de inteligência, desde que não haja impedimento legal.
Durante a abertura, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, destacou a recente priorização do combate à corrupção pelos sistemas judiciais nos países ibero-americanos. A PGR pontuou que, por muitos anos, as irregularidades e delitos foram negligenciados, sob a premissa de eleger as investigações envolvendo crimes violentos, impedindo a aplicação de verbas públicas em políticas de segurança pública e saúde. “Hoje temos – sociedade e investigadores – a certeza de que os chamados crimes de colarinho branco também matam. Por isso, o enfrentamento à corrupção e a outros tipos de desvios que atingem o patrimônio público precisa ser prioridade em nossa atuação”, argumentou. Antes da fala inicial, a PGR pediu um minuto de silêncio em memória do procurador regional da República, Marcelo Toledo, que faleceu nesta terça-feira (20).
O fortalecimento das instituições públicas também foi citado pelo chefe da Cooperação Internacional da União Europeia, Thierry Dudermiel, como importante componente. Ele apontou que 70% da população latino-americana consideram que não há transparência nas instituições governamentais, segundo o Latinobarômetro de 2015. Uma alternativa proposta pelo representante foi o fomento da colaboração entre instituições de controle, buscando o aprimoramento de canais de denúncia e a proteção daqueles que fazem a denúncia.
O evento também contou com pronunciamento da presidente da Aiamp, a procuradora-geral do Panamá, Kenia Porcell, por vídeo. Ao falar sobre as graves consequências de crimes de corrupção, a presidente da instituição destacou o protagonismo do Ministério Público Federal brasileiro na priorização do combate aos crimes de colarinho branco com ênfase na cooperação internacional: “Com estas ações, o Brasil dá um passo adiante na luta contra a corrupção, pois quando um criminoso comete delitos, ele não enxerga fronteiras”, enfatizou.
Marcos Legais – Os avanços e desafios no instituto da colaboração premiada foram apresentados no painel “Acordos de leniência e de colaboração premiada no combate à corrupção”. O representante da Direção Antimáfia de Palermo, Massimo Russo, falou sobre os marcos legais e a criação de importantes instrumentos investigativos capitaneados pela Operação Mãos Limpas, contra a máfia, nos anos 90, na Itália. A investigação é considerada referência na definição de instrumentos legais no enfrentamento do crime organizado.
Massimo chamou atenção para a importância da inovação nas investigações transnacionais, enfatizando a sofisticação e a complexidade de organizações criminosas que atuam internacionalmente. Segundo ele, a Cosanostra Italiana, como é conhecida a máfia do país, expandiu suas operações nas instituições estatais por meio do silenciamento dos agentes públicos. Para combater a prática, os investigadores lançaram mão da criação de novas instituições como a polícia antimáfia. O investigador destacou o caráter educativo das estratégias anticorrupção para desestimular condutas criminosas. “Não é algo que dependa inteiramente das forças policiais e da magistratura, é necessário um processo de reeducação social, que deve começar nas escolas, passando pela consolidação nas instituições para, finalmente, promover os valores que embasam a sociedade democrática”, reafirmou Massimo Russo.
Os desafios na consolidação da colaboração premiada no ordenamento jurídico brasileiro foram tratados pela procuradora da República e ponto focal sobre o tema na Aiamp, Samantha Chantal. Embora o tema tenha sido alvo de controvérsia no Brasil, o instituto da colaboração premiada foi apontado pela procuradora como uma prática frequente na persecução penal em países norte-americanos e europeus. Para ela, o mecanismo que foi introduzido na lei brasileira na década de 90 ainda requer aperfeiçoamento por meio de debates independentes. Samantha considera que decisões recentes em casos concretos na Justiça podem provocar uma visão distorcida do debate antes mesmo da consolidação do instrumento. “O tema merece reflexão e debate sob a ótica da inserção do modelo de cooperação internacional na repressão de crimes transfronteiriços”, defendeu Samantha Chantal.
Ferramenta de busca – Durante o evento foi lançado o sistema Aptus da Rede Ibero-Americana de Procuradores contra a Corrupção, que é uma plataforma tecnológica desenvolvida pelo MPF brasileiro para efetuar pesquisas textuais, de forma centralizada, no banco de dados que vai reunir todos os documentos de interesse do grupo. O procurador regional da República Marcos Costa, que coordena o projeto, e o secretário de Tecnologia da Informação e Comunicação da PGR, Mauro Sobrinho, apresentaram a plataforma aos integrantes da rede.
Pelo sistema, poderá ser consultada de forma rápida, por meio de palavras-chaves (tags), toda a base de documentos da rede, além de legislação, doutrinas e jurisprudências de cada país. O novo módulo, vinculado ao Aptus SCI, também possibilitará a categorização por meio de filtros acessíveis e inteligentes. O acesso é intuitivo e a pesquisa pelas tags de interesse é feita não apenas no título do documento, mas em todo o conteúdo. “Construímos uma solução que não precisa de treinamento para os usuários, de forma que a busca seja feita com eficiência, precisão, usabilidade, praticidade e simplicidade", destacou o procurador regional da República.
Para o secretário de Tecnologia da Informação e Comunicação da PGR, o novo módulo do Aptus é mais uma melhoria implementada pensando nas necessidades da Rede. “A ideia é que possamos encontrar facilmente informações institucionais relevantes”, ressaltou Mauro Sobrinho. O Aptus MPF tem mais de 70 milhões de documentos indexados e, só no último ano, teve mais de 5 milhões de acessos. A ferramenta é um projeto patrocinado pelo gabinete da procuradora-geral da República, com gestão superior da Secretaria-Geral, gestão temática da Secretaria de Tecnologia da Informação e Comunicação (Stic) e desenvolvido pelo Centro de Excelência em Desenvolvimento da Stic, localizado na Procuradoria da República em Pernambuco. O desenvolvimento do módulo da rede também contou com o apoio da SCI/PGR, Aiamp e Eurosocial.
O II Encontro da Rede Ibero-Americana de Procuradores Contra a Corrupção segue até sexta-feira (22). Ao final do evento, os participantes vão definir o estatuto e o plano de trabalho da rede. Os documentos serão resultado dos debates sobre modelos de cooperação, criação de equipes conjuntas de investigação, repatriação de ativos, corrupção e gênero, entre outros temas.
Rede Ibero-Americana de Procuradores Contra a Corrupção – Integrada por Ministérios Públicos dos países ibero-americanos, a rede é uma organização sem fins lucrativos no âmbito da Aiamp, e conta com o apoio do Programa da União Europeia para a Coesão Social na América Latina (Eurosocial+). Integram a Aiamp: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba, El Salvador, Equador, Espanha, Guatemala, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, Portugal, República Dominicana e Uruguai.
Fonte: Procuradoria-Geral da República, em 21.03.2019.