O advogado-geral da União, André Mendonça, disse nesta segunda-feira (25), na Espanha, que o Brasil passa por um momento único de mudanças e consolidação das instituições, impulsionado por diversas ações de combate à corrupção e ao crime organizado. Em palestra proferida na Universidade de Salamanca, ele expôs três aspectos que têm sido implementados no país para punir de forma efetiva o ilícito no país e evitar que irregularidades continuem sendo praticadas por agentes públicos e empresas privadas.
Com base nas investigações da Operação Lava Jato, Mendonça apresentou a meta de se intensificar a celebração de acordos de leniência, que podem contribuir, nos próximos dois anos, para a recuperação de cerca de R$ 25 bilhões aos cofres públicos. Segundo o advogado-geral da União, as negociações envolvem pilares que vão desde o relato, por parte dos acusados, de informações que contribuam para a elucidação dos casos de corrupção, aos programas de integridade e compliance que devem ser cumpridos pelas companhias.
"Por exemplo, a empresa Odebrecht firmou acordo e apresentou mais de 130 agentes públicos que haviam recebido suborno ou praticado corrupção. Além disso, relatou mais 160 outras empresas envolvidas nas mesmas práticas ilícitas. Então, há um incremento de informações muito importante que vem desses acordos de leniência", disse. Mendonça reforçou que, após se comprometerem em devolver um alto percentual de recursos, as empresas se submeterão a programas de auditoria por parte da Controladoria-Geral da União, devendo apresentar inclusive informações contábeis ao Poder Público, com o intuito de evitar que voltem a cometer atos ilícitos.
"Se não cumprem as obrigações estabelecidas, elas serão automaticamente declaradas inabilitadas para fazer novas contratações com o Estado brasileiro, seja federal, estadual ou municipal, o que significará, para muitas delas, sua falência", disse.
O segundo aspecto mencionado na palestra diz respeito diretamente à recuperação do dinheiro proveniente da corrupção, por meio das ações de improbidade. Mencionando o trabalho desenvolvido pela AGU, Mendonça afirmou que a instituição pretende intensificar o acompanhamento dos acordos de leniência para que ações de improbidade sejam ajuizadas de modo mais célere e eficiente. "Vão se aprofundar as investigações, preparar e ingressar com as ações. Queremos dar uma possibilidade de sequência mais rápida a esses processos de recuperação de ativos e sanção, lembrando que muitos desses agentes públicos são pessoas importantes do Brasil. Esperamos que em seis meses as primeiras ações sejam ingressadas e tenhamos quatro anos de continuidade", afirmou.
Por fim, o advogado-geral da União detalhou pontos do projeto de Lei Anticrime, apresentado em fevereiro deste ano pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, ao Congresso Nacional. Além de alterações legislativas que paralisam a contagem do prazo para prescrição de crimes no caso de recursos em tribunais superiores, o texto inverte a carga da prova, ao prever que, em algumas condutas, tudo que o acusado não conseguir comprovar que obteve de forma lícita, poderá ser bloqueado.
"Nestes casos, haverá um tratamento nas hipóteses de crime o prever pena máxima superior a seis anos de prisão, em que poderá ser decretada a perda do produto do ilícito e dos benefícios desse ilícito, de modo a [perseguir] não só o produto diretamente envolvido no ilícito, mas a algo que não há correspondência de patrimônio lícito", explicou. Segundo Mendonça, a proposta também deixa claro que no caso de haver concorrência entre crimes eleitorais e comuns, haverá divisão de instâncias entre as duas Justiças, diferentemente do que ocorre hoje, em que a competência é única.
Ao encerrar a palestra, Mendonça disse ver como um "grande desafio" o processo de mudança da forma como a sociedade pensa e trata os bens públicos, mas se disse esperançoso com essa transformação. "Penso que Brasil está vivendo um momento de mudança cultural e institucional, e nesses momentos, é seguro que há alguns processos de acomodação. Estou certo de que não será fácil. Não pensem que não haverá barreiras, que vamos fazer tudo isso e simplesmente as estruturas que não querem que isso seja feito se acomodem e se submetam sem resistência a esse tipo de mudança. Mas me sinto muito entusiasmado com essa oportunidade que temos no Brasil", afirmou.
Com o tema Desafios do Brasil no Combate à Corrupção, a palestra foi ministrada na Universidade de Salamanca, onde Mendonça concluiu os cursos de mestrado em Corrupção e Estado de Direito e de doutorado em Estado de Direito e Governança Global. Segundo o advogado-geral da União, o trabalho desenvolvido na AGU desde 2008, quando foi nomeado diretor do então Departamento de Patrimônio Público e Probidade Administrativa (DPP) da Procuradoria-Geral da União, serviu de inspiração para as pesquisas acadêmicas desenvolvidas por ele.
Nesta terça-feira (26), Mendonça receberá o Prêmio Extraordinário da instituição acadêmica pela tese de doutorado que produziu, sob o título “Sistema de Princípios para a Recuperação de Ativos procedentes da Corrupção”. Concluído no ano passado, o trabalho expõe uma série de parâmetros para o combate a atividades ilícitas por meio de uma atuação sistêmica do Estado, composto por fatores transdisciplinares, interconectados e que se comunicam entre si, e tendo como base princípios de aplicação da lei, validez da prova, gestão da negociação, da informação e do conhecimento.
Além de considerar a corrupção um ato complexo e feito por organizações criminais estruturadas, Mendonça apresenta na pesquisa jurisprudências internacionais que refletem sobre a inadmissibilidade de provas inválidas e a forma de sua obtenção, os métodos especiais que devem levar em conta a particularidade de cada ilícito e a garantia de direitos como ampla defesa e imparcialidade. Ele avalia, no trabalho, que os instrumentos de negociação devem respeitar pilares como a colaboração efetiva nas investigações e perda de benefícios em caso de descumprimento do acordo.
A dissertação de mestrado do advogado-geral da União, intitulada Recuperação de Ativos Procedentes da Corrupção, também rendeu homenagem especial da universidade em 2014. Fundada há mais de 800 anos, a USAL é uma das mais antigas instituições acadêmicas da Europa e é considerada referência no estudo do Direito. Desde 2012, ela possui acordo de cooperação técnica com a Escola da AGU para promover intercâmbio entre pesquisadores, recebendo membros da instituição brasileira nos programas de pós-graduação na Espanha.
Trajetória
Devido ao trabalho desenvolvido junto ao Grupo Permanente de Atuação Proativa da Advocacia-Geral da União, Mendonça e os colegas foram vencedores, em 2011, na categoria especial do Prêmio Innovare, que premia iniciativas no campo do Direito que contribuíram para o aprimoramento do sistema judicial brasileiro. Em 2016, o advogado-geral se tornou assessor especial do ministro da Transparência e Controladoria-Geral da União (CGU), onde coordenou as negociações de acordos de leniência celebrados no âmbito da Operação Lava Jato.
Elogiando a trajetória de Mendonça, o diretor da EAGU, Danilo Barbosa de Santanna, afirma que a atuação dos membros da AGU em pesquisas acadêmicas é importante para que a instituição seja referência não apenas na atividade judicial, mas se torne também protagonista na disseminação de conhecimento.
"A história profissional do advogado-geral é marcada pelo combate à corrupção. Ele foi um dos responsáveis pela criação do grupo proativo, que organizou o trabalho das ações de improbidade, além de ter sido o responsável por fazer, até a Operação Lava Jato, o acordo de maior recuperação financeira da história do país", disse, referindo-se à negociação com o Grupo OK, relacionado ao desvio de recursos durante a construção do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, que prevê ao final do processo o retorno de mais de R$ 400 milhões aos cofres públicos.
Em paralelo às pesquisas, o advogado-geral já publicou os livros Negociación en casos de corrupción: fundamentos teóricos y prácticos (Editora Tirant lo Blanch: Valencia) e La validez de la prueba en casos de corrupción (Editora Tirant lo Blanch: Valencia), além de dois artigos: Los criterios para la mensuración del valor del enriquecimiento ilícito y perjuicios causados por actos corruptos (Revista da AGU, vol. 15, n. 4, p, 65-88, 2016) e La gestión de la información y la recuperación de activos procedentes de la corrupción (Revista General de Derecho Penal).
Fonte: AGU, em 25.03.2019.
Foto: Ascom AGU.