União é um dos maiores clientes das empreiteiras, o que torna a inidoneidade uma punição bastante dura
Por Breno Pires
BRASÍLIA - As empresas que resolveram confessar crimes e outras infrações ao governo federal em troca de redução nas punições, por meio dos chamados acordos de leniência, não estão blindadas da principal penalidade: a proibição de firmarem contratos com a administração pública federal.
Obtidos pelo Estado, os termos dos acordos firmados pela Controladoria-Geral da União (CGU) e pela Advocacia-Geral da União (AGU) com seis empresas, incluindo empreiteiras alvo da Operação Lava Jato, não impedem expressamente o Tribunal de Contas da União (TCU) de aplicar essa punição em caso de fraude a licitação.
A União é um dos maiores clientes das empreiteiras, o que torna a inidoneidade uma punição bastante dura. A Andrade Gutierrez, por exemplo, recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF) para evitar a proibição de contratar com o poder público e obteve liminar concedida pelo ministro Gilmar Mendes.
O Estado obteve a íntegra dos termos dos acordos firmados pela União com as construtoras Odebrecht, Andrade Gutierrez, UTC Engenharia e Bilfinger, as agências de publicidade MullenLowe & FCB e a prestadora de serviços para indústria petrolífera SBM Offshore - com valores somados de R$ 6 bilhões.
Os documentos serão tornados públicos nesta sexta-feira pelo governo, com o aval das companhias. Alguns trechos foram mantidos em sigilo por envolverem investigações em andamento, estratégias de negociação ou informações de natureza comercial ou bancária consideradas sigilosas.
Os acordos firmados pela CGU e AGU deixam claro que o destino dos recursos serão sempre as entidades lesadas, que podem ser empresas públicas, como a Petrobras, ou a própria União - em casos excepcionais, Estados e municípios também podem receber.
Há uma diferença, portanto, em relação ao acordo firmado entre a Força-Tarefa da Lava Jato no Paraná e a Petrobras, que previa inicialmente a criação de um fundo privado para gestão de recursos.
Sanção
Há duas semanas, uma das empresas que têm acordo com a CGU e a AGU, a UTC Engenharia foi declarada inidônea pelo plenário do TCU por cinco anos. O processo tratava de fraudes à licitação para obras na usina nuclear de Angra 3 no Rio de Janeiro. Outras três empresas também sofreram a mesma penalidade, no julgamento, incluindo a empreiteira Queiroz Galvão.
A UTC disse que vai recorrer e, no momento, estuda estratégias jurídicas. Um ministro do TCU, sob condição de anonimato, afirmou ao Estado que não deve haver reversão e que o caso pode eventualmente parar no Supremo.
Desde que os primeiros acordos começaram a ser assinados, ainda mesmo no âmbito do Ministério Público Federal, as empreiteiras detentoras de acordos desse tipo garantem que elas estão protegidas da inidoneidade.
A divergência de interpretação poderá ser pacificada apenas pelo Supremo. Ainda não houve um julgamento colegiado com esse tema. A decisão de referência, no momento, é a liminar concedida pelo ministro Gilmar Mendes que atendeu a Andrade Gutierrez.
Divulgação
A publicação dos termos dos acordos nesta sexta-feira é uma forma de atrair o interesse de outras empresas e mesmo Estados e municípios para que firmem novos acordos. O governo quer divulgar as consequências benéficas para empresas que confessam seus 'pecados' e para entes da Federação lesados.
"Serve de parâmetro para órgãos e entes buscarem acordos", disse o secretário de Combate à Corrupção da Controladoria-Geral da União (CGU), João Carlos Figueiredo Cardoso.
A CGU e a AGU negociam no momento outros 20 acordos com empresas, com valores somados estimados em R$ 25 bilhões. Cardoso confirmou que é plausível a recuperação desse montante nos próximos dois anos, o que já havia sido apontado como meta pelo advogado-geral da União, André Mendonça.
A reportagem procurou as empresas citadas na reportagem para manifestação. A Odebrecht disse que "continua colaborando com as investigações de forma definitiva, prestando todos os esclarecimentos necessários às autoridades brasileiras e estrangeiras". "O acordo firmado pela empresa com a AGU e CGU lhe garante a não imposição de sanções administrativas, incluindo inidoneidade. A Odebrecht está em processo de colaboração com o Tribunal de Contas da União (TCU)", disse a empresa.
A UTC, Andrade Gutierrez e a MullenLowe disseram que não iriam se manifestar. A Bilfinger e a SBM Offshore não responderam aos contatos.
Fonte: O Estado de São Paulo, em 05.04.2019.