Por Erick Wilson Pereira
As práticas protetivas relacionadas ao compliance têm adquirido crescente importância, sobretudo nas esferas do Direito Penal e do Direito Administrativo, e atualmente são adotadas não apenas pelo mundo institucional e corporativo das empresas de grande porte, mas por sociedades de profissionais liberais e até empresas de pequeno porte.
As medidas institucionais de conformidade ou integridade (compliance)buscam assegurar o cumprimento de normas legais e regulamentares de determinado setor, através da adoção de procedimentos internos de integridade, auditoria e estímulo à denúncia de irregularidades, sob a égide um código de conduta ou código de ética. Trata-se da chamada autorregulação regulada que, ao lado da regulação privada (feita pelos próprios agentes econômicos) e da regulação estatal (unilateralmente determinada pelo Estado), formam os modelos regulatórios da economia que adotam programas de compliance para atingir valores e objetivos preconizados pelo poder público.
Embora considerado instituto inovador no combate à corrupção, o compliance foi tardiamente introduzido entre nós pelas multinacionais que traziam protocolos de conformidade de suas matrizes no exterior. Foi assim que, em meados da década de 1990, a ferramenta começou a ser utilizada por organizações públicas e privadas, sobretudo com o advento da Lei de Lavagem e Ocultação de Bens e Valores. Aliás, a exacerbação das sanções introduzidas no ordenamento ao longo das últimas três décadas, especialmente as regradas pela Lei da Improbidade Administrativa, a Lei da Ficha Limpa e a Lei Anticorrupção, foi aspecto decisivo para a absorção desse instituto.
O compliance foi definitivamente incorporado às práticas das empresas brasileiras após a promulgação da Lei Anticorrupção, que passou a prever a responsabilização objetiva, no âmbito civil e administrativo, de pessoas jurídicas — especialmente as de direito privado —, que praticam ilícitos contra a administração pública ou estrangeira, em seu benefício exclusivo ou não. Tal previsão, naturalmente, provocou uma mudança no comportamento das pessoas jurídicas, que passaram a adotar padrões de conduta para se proteger mediante o controle dos riscos e a punição dos desvios. A propósito, a própria Lei Anticorrupção estimula a adoção do compliance pela possibilidade de redução das sanções aplicáveis à empresa, considerando que serão levados em consideração na aplicação das sanções “a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica”.
Tais aspectos protetivos e de incentivo relacionados ao instituto têm impulsionado um mercado de implantação de programas de integridade, inclusive destinados a escritórios de advocacia, cada vez mais necessitados de mecanismos de proteção ética nas diversas e dinâmicas áreas do Direito. A exemplo do que sucede com as grandes empresas, tais programas se somam às variantes diferenciais levadas em consideração no ato de contratar os serviços de uma empresa ou sociedade profissional, potencializando a confiança dos contratantes numa organização cujos sócios e colaboradores estejam submetidos a um código de conduta e outras diretrizes internas, para prevenir comportamentos inadequados.
Apesar dos custos de implantação de um programa de conformidade, sua natureza múltipla — preventiva, protetiva e de incentivo — redunda em vantagens para a pessoa jurídica que o adota, especialmente num ambiente regulatório sujeito a mudanças bruscas e constantes. Além de benefícios materiais, como descontos em linhas de crédito em razão da credibilidade e valorização da empresa, tal programa influencia positivamente a eficácia, a produtividade e a confiabilidade das empresas, evitando ou minimizando controvérsias jurídicas, alegações de culpa por omissão e danos à reputação e imagem de sócios e dirigentes. A propósito, reputação e imagem não são simplesmente construídas — elas são também resguardadas e protegidas, beneficiando-se mais de gestões comedidas que de ações hostis.
É compreensível, portanto, face à complexidade da sociedade contemporânea e aos avanços da tecnologia da informação — a redundar em aumento e potencialização dos riscos —, que os programas de compliance venham se revelando imprescindíveis para nortear as boas práticas nos processos da empresa, especialmente quanto ao controle interno e análise de riscos. O dano extrapolou a esfera da vítima e ora é visto como extensivo a toda a sociedade — socialização dos riscos —, demandando a adoção urgente de medidas para minimizá-los. E o advogado, ainda mais quando atuante em cenário de crise marcado por vários casos de corrupção, deve ser exemplar no domínio e cumprimento das normas legais relativas às atividades que exerce.
Erick Wilson Pereira é advogado, doutor em Direito Constitucional pela PUC-SP e especialista em Direito Empresarial.
Fonte: Conjur, em 24.04.2019.