Wagner Giovanini1
A Lei 12.846/13, conhecida como Lei Anticorrupção ou Lei da Empresa Limpa, aplica-se a todas as empresas, indistintamente, impondo severos riscos para a sustentabilidade das organizações.
Além das penalidades serem pesadíssimas, adotou-se o princípio da responsabilização objetiva. Em função disso, a preocupação do empresário não deve se limitar às ações de seus funcionários, pois basta um fornecedor ser flagrado cometendo uma ilicitude que beneficie o contratante para o tomador de serviço ser responsabilizado, não importando argumentar desconhecimento acerca do ilícito.
A legislação brasileira, por sua vez, indica bons caminhos para a adoção das medidas preventivas e protetivas:
O artigo 7º, inciso VIII, da Lei 12.846/13 apresenta como forma de atenuação às severas penalidades a “existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica”. Fica evidente a necessidade de as organizações implementarem mecanismos efetivos de integridade para prevenir, detectar e corrigir/remediar eventuais ilicitudes e estabelecer um ambiente favorável, a fim de todos fazerem o certo, sempre, independentemente de leis, códigos e regras.
O artigo 42 – XIII do Decreto 8.420/15 dispõe que “o programa de integridade será avaliado, quanto a sua existência e aplicação, de acordo com os seguintes parâmetros... diligências apropriadas para contratação e, conforme o caso, supervisão, de terceiros, tais como, fornecedores, prestadores de serviço, agentes intermediários e associados”.
Assim, os fornecedores são inseridos como agentes a serem supervisionados pela contratante. A expressão “conforme o caso”, presente no texto, deve ser entendida como “quando aplicável”, e não “quando conveniente”, como desejam alguns. Dessa forma, impõe-se à contratante abranger, nas suas ações decorrentes do mecanismo de integridade, os seus fornecedores, e não apenas os “intermediários”.
A Portaria CGU 909, de 7 de abril de 2015, artigo 5º, parágrafo 2º, esclarece qual é o risco a ser mitigado: a “ocorrência de atos lesivos...”. Ou seja, torna-se indispensável focar nesse risco, e não apenas na criação de um sistema defensivo na empresa.
Permitir a incidência de ilicitudes, por parte dos fornecedores, para depois argumentar ter feito a sua parte, não caracteriza ação efetiva num mecanismo de integridade. Portanto, merecem especial atenção os programas limitados a due diligences, códigos de conduta e cláusulas de compliance para rescisão do contrato, pois essas são medidas de proteção, e não de prevenção a ilícitos.
Logo, configura-se como a solução mais adequada exigir do fornecedor a implementação de um sistema que previna tais ocorrências.
No site da CGU consta o esclarecimento sobre o significado de empresa íntegra: ela deve incentivar e promover boas práticas corporativas, “formando uma rede que adota uma conduta responsável e atua para construção de uma sociedade comprometida com valores éticos”.
Conclui-se, dessa maneira, ser imperativo uma empresa implementar seu mecanismo de integridade, nos moldes da lei, abrangendo seus fornecedores, incentivando-os a adotarem igualmente seus próprios mecanismos de integridade.
Tal movimento, se protagonizado pelas grandes empresas, irá acelerar a disseminação em cascata da cultura da ética e integridade no mundo corporativo, representando uma contribuição sem precedentes para o combate à corrupção e outras ilicitudes no nosso país.
Decerto surgirão obstáculos, porém, os verdadeiramente engajados irão superá-los. Não importa discutir se os desafios são simples ou complexos, se a jornada será fácil ou difícil, se as medidas serão baratas ou caras... a organização compromissada com a ética irá encarar essa tarefa como obrigatória e inegociável.
Nesse contexto, várias organizações já começaram a demandar de seus fornecedores a implementação de tais mecanismos e há relatos de grande relutância advinda de alguns escritórios de advocacia. As justificativas invocadas são inúmeras: “tenho no meu escritório um grupo de especialistas em compliance para prestar esse serviço no mercado”; “já sou ético e não preciso disso”; “meus advogados conhecem as leis e não necessitam dessa abordagem” etc.
Mas onde está a lógica dessas argumentações? Qual a diferença nos riscos existentes na conduta de um escritório de advocacia em relação a outros terceiros, tais como consultores, representantes, distribuidores exclusivos, transportadoras e prestadores de serviço (por exemplo, marketing, institutos de pesquisa, gráficas), entre outros?
Na verdade, poder-se-ia cogitar justamente o oposto: por ser um escritório de advocacia, eleva-se o risco, e não o contrário. Tal fato não se vincula a advogados serem piores ou melhores que outros profissionais, mas, sim, pela natureza de sua atuação. Recentes notícias veiculadas nacionalmente corroboram essa afirmação, demonstrando o elevado potencial de envolvimento de tais organizações na intermediação da corrupção, como se observa em texto publicado pelo Jota: “Delator da JBS cita propina para mais de 100 escritórios”.
Portanto, não se mostra razoável um escritório de advocacia ponderar ser desnecessária a aplicação a ele das mesmas regras impostas a outros third parties, no sentido de dar transparência e conforto para a contratante.
Infelizmente (ou felizmente), os escritórios de advocacia, como qualquer outro fornecedor, terão de admitir que, doravante, para sobreviverem no mercado, deverão arcar com o “ônus” de implementarem mecanismos de integridade. Não há outra saída. Essa será condição indispensável nas relações comerciais entre cliente e fornecedor.
Registra-se, contudo, que os “bônus” decorrentes desse mecanismo costumam ser muito maiores que os “ônus”, por isso tal fato já deveria ser suficiente para o convencimento, sem contestações. Os benefícios advindos de um sistema de integridade efetivo são diversos e facilmente verificados na prática.
Todos reconhecemos o efeito devastador na imagem e na reputação de uma empresa alvo de escândalo fruto de ilegalidades, gerando perda de negócios, fechamento de fábricas e filiais, demissões... O mecanismo de integridade funciona como um “seguro” poderosíssimo, a fim de proteger a empresa, prevenindo ilicitudes e, se mesmo assim ocorrerem, atenuando as penalidades previstas na lei anticorrupção brasileira. Os executivos estarão mais confortáveis contra eventuais implicações legais e os demais funcionários contra a perda de seus empregos...
Um segundo benefício, também importante, mas fruto de um efeito colateral do mecanismo de integridade efetivo, refere-se à redução de custos: sabe-se, de estatísticas internacionais, que as empresas perdem em média 5 a 8% do seu faturamento com fraudes e roubos internos. O estabelecimento desse mecanismo reduz significativamente eventos dessa natureza. Esse resultado, aliás, é percebido desde o início da implementação, pois, caso haja alguém implicado em tais irregularidades, a tendência é deixar de praticá-las, temendo ser descoberto, sobretudo a partir da instalação do canal de denúncias.
Outra consequência muito positiva para as instituições diz respeito a riscos trabalhistas: usualmente, cerca de metade das denúncias versa sobre relacionamento no trabalho, agravando o cenário já desafiador para as organizações frente às questões trabalhistas no Brasil. Portanto, resolver esses problemas representa fator de extrema relevância para as empresas. Aquelas com mecanismo de integridade terão naturalmente menos assédios e, consequentemente, estarão sujeitas a um número menor de reclamatórias trabalhistas. E, mesmo que ocorra, a empresa poderá demonstrar ter colocado à disposição do funcionário um mecanismo para sua proteção (canal de denúncia), transformando-se, então, num poderoso argumento de defesa frente ao juiz.
Conjuntamente, a percepção dos funcionários acerca do estabelecimento de um ambiente limpo na instituição propicia o aumento do orgulho em se trabalhar nessa empresa, a melhoria do clima organizacional e um maior respeito entre as pessoas, o aumento da satisfação no trabalho, a maior capacidade de atração e retenção de talentos, gerando, inclusive, reflexos positivos até na produtividade.
Tudo isso sem contar com o fortalecimento da imagem e reputação no mercado, antecipação a exigências dos clientes, bancos e seguradoras e, assim por diante.
Outrossim, é notório afirmar: a maioria dos escritórios de advocacia preza pela sua reputação, age de acordo com os princípios éticos, cumpre as leis e busca a sustentabilidade de seus negócios. Em vista disso, espera-se que assumam o protagonismo dessa nova onda, disseminando a cultura da ética no mundo corporativo e adotando o mecanismo de integridade, em consonância com a Lei 12.846/13.
Obviamente, ainda existirão aqueles a optar pelas ilicitudes ou por padrões de conduta opostos aos da retidão. Esses serão críticos ferrenhos dessa nova forma de o mundo corporativo organizar-se, atacarão as iniciativas em benefício da ética, reclamarão dos requisitos das leis, desqualificarão as solicitações de seus clientes e colocar-se-ão em oposição aos mecanismos de integridade ou, ao menos, proclamarão autoimunidade à necessidade de sua implementação.
Energias opostas existem em quase tudo na natureza. Nesse caso, contudo, a busca para um mundo melhor renova a esperança na dissipação dessa resistência.
Ao imbuir-se do espírito da integridade, como norteia a Lei 12.846/13, uma empresa estabelece um pacto consigo mesma: “Fazer o certo por convicção” e, por consequência, caberá a ela identificar as organizações desalinhadas com esses princípios, excluindo-as, naturalmente, do seu relacionamento comercial, contribuindo, deste modo, para o desaparecimento das instituições que não incorporaram a cultura ética no seu DNA.
1Wagner Giovanini é sócio da Compliance Total.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, em 08.10.2017.