Por Francisco Petros e Nahyana Viott Fiatkoski (*)
A título de ilustração, não parece razoável imaginar que um profissional possa interromper uma reunião com representantes do Poder Público para questionar a área de compliance sobre determinado comportamento é condizente com as normas da empresa e do setor público.
A atuação do profissional de relações institucionais e governamentais (RIG ou “relgov”) que antes era pouco conhecida, a cada dia mais se torna necessária e estratégica para empresas e associações. O profissional de “relgov” é responsável pela interlocução sobre legítimos interesses entre o setor privado e Poder Público. Entre suas atividades está o monitoramento de criação e alteração de leis e políticas públicas, podendo atuar no curso do processo legislativo sugerindo a edição ou adaptação de leis ou tentando evitar a aprovação de alguma norma com conteúdo que seja prejudicial à sua atividade econômica, como também atuando com o Poder Executivo na criação ou modificação de alguma política pública.
Todo trabalho de mediar, dialogar e fornecer subsídios técnicos aos stakeholders de forma a ajudar o Poder Público na tomada de decisão final precisa estar em conformidade com o ordenamento normativo, bem como com princípios éticos e de conduta pautados na transparência das relações e informações compartilhadas. Essa atuação do profissional, além de afastar o risco de corrupção de danos à imagem da empresa ou associação, insere na cultura da empresa a prática da transparência nas relações e informações o que favorece o ambiente social como um todo. Em que pese o PL 1202/07, que regulamenta a atividade de “Relações Governamentais”, não estar aprovado pelo Congresso Nacional, a atuação íntegra desses profissionais deve ser exigida com base nos códigos de conduta preparados pelas próprias empresas, por associações, organizações, consultorias especializadas e escritórios de advocacia e assim por diante.
Instituições que representam o segmento, dentre elas a Associação Brasileira dos Profissionais de Relações Institucionais e Governamentais (ABRIG) e o Instituto de Relações Governamentais (IRELGOV) elaboraram código de conduta e guia de melhores práticas a fim de orientar os profissionais sobre os limites da sua atuação. No que diz respeito ao programa de compliance de empresas, associações e organizações, esses devem conter normas muito claras e assertivas em relação ao relacionamento com o Poder Público, pois a linha é muito tênue para que essa relação seja confundida como atos ilícitos, dentre os quais a corrupção e improbidade administrativa.
A participação das empresas, associações e organizações na tomada de decisões pelo Poder Público, como dissemos, é legítima e necessária porque contrapontos de interesses sociais e econômicos devem ser apresentados e discutidos publicamente. É de natureza política essa legitimação participativa. Do ponto de vista objetivo, os manuais de conduta das pessoas físicas e jurídicas devem estabelecer exatamente o que pode ou não ser feito nas interações com a administração pública, de forma a que seja reforçada a credibilidade da atividade como um todo. Obviamente, ter um manual de integridade não é condição suficiente, embora necessária a nosso ver. Outros pilares do compliance são relevantes, tais quais, o treinamento permanente, o aperfeiçoamento profissional e ético constante de forma a se criar e desenvolver uma cultura ética e de governança. Ademais, há que se ponderar que a eventual transigência e lassidão no tratamento dos temas de conformidade acabam por exacerbar riscos de penalizações no âmbito civil, administrativo e criminal. Não é difícil perceber essa realidade após as relevantes descobertas de ilicitudes praticadas por pessoas jurídicas nos últimos anos.
Em relação ao treinamento, esse deve ser frequente no que diz respeito às normas aplicáveis (que são continuamente revisadas) ao ramo de atividade quanto a postura de compliance adotada pela organização e pelo Poder Público.
A título de ilustração, não parece razoável imaginar que um profissional possa interromper uma reunião com representantes do Poder Público para questionar a área de compliance sobre determinado comportamento é condizente com as normas da empresa e do setor público. A atividade demanda ações e posicionamentos rápidos e estratégicos, sem percalços de condução. Com efeito, é importante o trabalho conjunto e complementar entre as áreas de compliance e relações institucionais e governamentais para evitar que uma interfira ou traga morosidade às atividades da outra: unir forças para afastar riscos e prejuízos desnecessários à imagem das empresas, associações e organizações.
(*) Francisco Petros é sócio de Fernandes, Figueiredo, Françoso e Petros Advogados, responsável pelas áreas de Direito societário, mercado de capitais e governança corporativa.
(*) Nahyana Viott Fiatkoski é advogada associada do escritório Fernandes, Figueiredo, Françoso e Petros Advogados.
Fonte: Migalhas, em 20.09.2019