A Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam) iniciou nesta quarta-feira (9) o 1º Curso Nacional Corrupção e os Desafios do Juiz Criminal, em parceria com o Superior Tribunal de Justiça (STJ), a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe). O presidente do STJ, ministro João Otávio de Noronha, discursou na abertura do evento, acompanhado por outros ministros do tribunal e pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro.
Noronha afirmou que nos últimos anos houve um grande avanço no sistema criminal brasileiro, com a adoção de novos institutos e o aprimoramento da legislação. "A concretização de novos princípios e institutos tem sido o ponto crucial da revolução notada hoje no direito penal", disse o presidente.
Ele destacou a presença de juízes e conselheiros estrangeiros no evento, o que "valoriza e permite uma troca profunda de experiências".
O curso, que se estende até sexta-feira (11) e é destinado a magistrados federais e estaduais que atuam em matéria criminal, pretende promover a compreensão do panorama da corrupção no país a partir da legislação, dos meios investigativos disponíveis e das experiências de combate a essa prática.
O ministro do STJ e diretor-geral da Enfam, Herman Benjamin, lembrou que durante muito tempo o direito penal brasileiro se caracterizou pela qualidade anti-isonômica, mas disse que a partir da Constituição de 1988 a situação mudou. Para ele, é papel da Enfam e das escolas estaduais da magistratura acentuar o caráter moderno e, ao mesmo tempo, civilizatório do direito penal. "De um lado, proteger a vida e os bens jurídicos tradicionais do nosso ordenamento; do outro, lembrar que não há Estado de Direito sem probidade administrativa e sem que atuemos com respeito à coisa pública", declarou.
Novos tempos
Membros da Terceira Seção do STJ – especializada em matéria criminal – e coordenadores científicos do curso, os ministros Rogerio Schietti Cruz e Nefi Cordeiro também falaram das mudanças que estão ocorrendo no direito penal. Segundo Schietti, instituições que integram o sistema da Justiça criminal tiveram que se adaptar, nos últimos anos, a uma mudança da "clientela" que preenche as pautas de audiências e seções dos juízos e tribunais.
"Hoje, nós não temos apenas a criminalidade de rua para julgar. Temos crimes contra a administração pública, crimes decorrentes de organizações criminosas, e não tivemos nas universidades uma formação direcionada para esse tipo de criminalidade. Então, temos que nos adaptar, utilizando o direito penal e processual penal com o necessário olhar, com essas novas possibilidades e novas exigências que a criminalidade – chamada de colarinho branco – nos impõe desenvolver", ressaltou o ministro.
Para o ministro Nefi Cordeiro, o Judiciário precisa repensar os rumos do direito penal para combater crimes que afetam não só indivíduos, mas toda a sociedade. De acordo com o magistrado, a corrupção é um grande exemplo de dano coletivo, tanto para a geração presente quanto para a futura.
"Como representantes de um Estado de Direito, estamos preocupados com a eficiência, mas, ao mesmo tempo, que a Justiça se faça por meios justos, e as garantias processuais não sejam esmaecidas na busca de uma eficiência cega", observou.
Investigação especial
Na conferência magna de abertura do curso, que teve como presidente de mesa o ministro do STJ Jorge Mussi, o ministro Sergio Moro abordou os avanços no tratamento da corrupção, a importância do trabalho da Terceira Seção do tribunal e os entraves provocados, segundo ele, pela falta de iniciativa política e institucional.
O combate à grande corrupção, para Moro, "é um desafio que gera reações, envolve indivíduos poderosos e necessita de mudanças difíceis em relação a práticas culturais arraigadas na sociedade". Além de se posicionar sobre questões como o crime de corrupção, sua configuração típica e o direito material, o ministro destacou a necessidade de ajustes nos aspectos processuais.
"De nada adianta termos uma legislação material adequada e interpretações consistentes, sem termos um processo que funcione. Casos de sistemas de corrupção exigem, dentro do devido processo e das garantias fundamentais, meios de investigação especiais, como interceptação telefônica e telemática, quebra de sigilo, colaboração premiada, utilização eventual de operações policiais disfarçadas e escuta ambiental. Trata-se de crimes praticados em segredo, que raramente têm testemunhas. Tanto quem paga quanto quem recebe o suborno não têm interesse de servir como testemunha", afirmou.
Ainda na parte da manhã, o curso prosseguiu com dois painéis: "Experiência do direito comparado" e "Corrupção e os desafios na formação de magistrados", sob a presidência, respectivamente, dos ministros do STJ Antonio Saldanha Palheiro e Og Fernandes.
Fonte: STJ, em 09.10.2019