Procuradores da República e advogados abordaram a eficácia da atividade dentro das empresas e as carências da legislação atual
O Ministério Público Federal (MPF) sediou nesta segunda-feira (4) um debate sobre os desafios e avanços do compliance no Brasil. O evento colocou frente a frente membros do MPF e advogados que trabalham com programas de conformidade a boas práticas empresariais, levantando questões como a eficácia da atividade na iniciativa privada, as brechas e carências da legislação atual e os obstáculos para o aproveitamento das investigações internas pelos órgãos de persecução penal.
Para o procurador da República Rodrigo de Grandis, a falta de um marco normativo que regule as apurações conduzidas pelos setores de compliance poderia inviabilizar o uso das provas produzidas em um processo criminal. O membro do MPF lembrou do risco de nulidade em casos que a investigação interna não respeite regras previstas no Código de Processo Penal. “Uma informação bancária obtida, por exemplo, pelo acesso da empresa ao e-mail institucional sem autorização judicial poderia ser usada pelo MPF?”, questionou.
Na opinião do advogado Martim Della Valle, contudo, a exigência desses cuidados numa apuração interna acarretaria em investigações mais tímidas, engessando o trabalho de compliance. Professor visitante da International Anti-Corruption Academy (Iaca), ele destacou que o grande inimigo do combate a práticas ilícitas dentro das empresas é o compliance que existe apenas no papel.
Segundo o advogado, para que a atividade seja realmente efetiva incidem inúmeros fatores, como uma análise correta do perfil de risco da empresa, o engajamento da alta administração, uma política de incentivos que, por exemplo, inclua o compliance no bônus para funcionários, e garantias que deem autonomia às investigações, como mandatos fixos que impossibilitem demissões no setor. “Não adianta ter programa de compliance se a cultura da empresa não estiver disposta a abrir mão de interesses comerciais para fazer a coisa certa”, ressaltou.
O advogado Renato Portella lembrou que para usufruir dos benefícios previstos na legislação, como a redução da multa devida, as empresas investigadas precisam demonstrar que seus programas de compliance são efetivos. O debatedor destacou que, apesar dos avanços experimentados no Brasil com a aprovação da Lei Anticorrupção (12.846/2013), a responsabilização de pessoas jurídicas ainda envolve muitas incertezas. Um dos problemas apontados foi a falta de coordenação entre as diversas autoridades com competência para investigar casos de corrupção e celebrar acordos de leniência, as quais podem interpretar a legislação de maneiras diferentes.
Além disso, segundo ele, as empresas ainda estão sujeitas a penas cumulativas, uma vez que o Brasil não considera de forma automática as multas já pagas no exterior, como ocorre nos Estados Unidos, por exemplo. O advogado também enfatizou a incerteza em relação à venda de ativos, em virtude da falta de uma regra específica sobre o tema. “Uma empresa processada precisa levantar recursos para pagar multas e retomar atividades econômicas afetadas pela investigação, contudo não está claro se os ativos estão contaminados pelas práticas ilícitas e se haveria riscos ao comprador”, afirmou.
O debate foi conduzido pela subprocuradora-geral da República Samantha Dobrowolski, representante do Ministério Público Federal no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e integrante do Grupo de Trabalho do MPF “Leniência e Colaboração Premiada”.
Fonte: Procuradoria da República no Estado de S. Paulo, em 07.11.2019