Por Cyro Diehl (*)
Em agosto de 2020 entrará em vigor a chamada LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) que visa organizar e proteger as pessoas físicas da má utilização das informações relativas a nossas vidas.
Habilmente, muitos profissionais têm se aproveitado deste novo mundo “digital”, ainda desconhecido por grande parte dos gestores de empresas, da mesma maneira que ocorreu em 2000 com o bug do milênio. Tenho assistido a vários vídeos e palestras onde costumeiramente são abordados o tema das altas penalizações, por não conformidade e o quanto é exaustivo montar um processo para se adequar a essa nova legislação. Nossa LGPD foi baseada na similar GDPR, que regulamenta a proteção de dados na Europa, que segundo uma pesquisa da DLA Piper aplicou cerca de 60.000 advertências por infrações à lei, mas cerca de apenas 100 multas aplicadas em quase um ano de estudo.
Se a informação é o “novo petróleo” claro que precisamos definir como extrair, refinar e distribuir esse novo combustível da nova economia. Em seu livro Homo Deus, o famoso escritor e professor de história, Yuval Harari, nos conta sobre o estudo realizado com 86.200 voluntários concluindo que com 150 likes, um algoritmo de uma rede social pode conhecer mais de nossos comportamentos do que membros de nossa família; com 300 likes mais do que nossos maridos e esposas. Além deste estudo, fatos como o que aconteceram com as eleições americanas e a Cambridge Analítica com suspeitas de manipulação de dados confirmam a necessidade de se organizar todo esse novo petróleo.
Sabemos o quanto nos aborrece receber uma chamada não autorizada de “robôs” de call center aos finais de semanas, tentando oferecer um novo plano de telefonia ou um lançamento de um novo empreendimento imobiliário. Mas o que aconteceria se nossos informes de saúde caíssem em mãos de seguradoras? Você estaria de acordo? Vai muito além de um aborrecimento, existe um sério risco às nossas privacidades.
Essa é a responsabilidade que nossas empresas terão que se preocupar, pois os dados são considerados “pessoais”, portanto, pertencentes às pessoas. Para se adquirir, tratar e utilizar esses dados, temos que ter uma autorização expressa das pessoas (ou outras nove alternativas regulamentadas na Lei). Já que é um bem e não nos pertence, temos de cuidar para não serem roubadas, mal utilizadas ou manipuladas sem a autorização das pessoas, assim mesmo como se fossemos um banco de dados pessoais.
Temos que nos preparar, como fizemos para seguir as leis trabalhistas ou fiscais, e não é um caos implementar. Ainda dá tempo e é bem mais simples do estão nos vendendo. Claro que é trabalhoso, como toda nova legislação em um mundo pouco conhecido, mas o resultado é uma vantagem competitiva pouco explorada.
Seguindo com a analogia de combustível, as empresas que conseguirem o consentimento das pessoas e zelarem como um patrimônio podem ter uma vantagem competitiva única. Imaginem o quanto poderemos desenvolver produtos e serviços mais customizados, individualizados agregando muito mais valor. Não teremos que concorrer com empresas comprando banco de dados sobre as pessoas por alguns reais no centro da cidade. Teremos em mãos não um combustível, mas uma mina de ouro.
Por essa razão devemos nos debruçar sobre a LGPD como uma oportunidade de se diferenciar, crescer e buscar maior retorno em nossos produtos e serviços.
Claro que o medo nos move, e por isso, muita gente “vende” o medo das penalidades, mas eu prefiro vender a oportunidade. Estar em conformidade com as Leis é obrigação de todos, mas encontrar um viés para fazer com que nossas empresas cresçam é ainda mais importante. Em um mundo em transformação digital, temos que estar atentos às oportunidades que possam estar vindo em formas distintas das tradicionais, como em forma de regulamentação, por exemplo.
(*) Cyro Diehl é CEO da Be Compliance.
Fonte: O Estado de S. Paulo, em 07.12.2019