Por Breno Euzébio de Faria (*)
O estado de calamidade instaurado pela pandemia da COVID – 19 alavancou uma necessária onda de “teletrabalho” em busca de prevenção e proteção contra o vírus e, nesta onda, trouxe-se uma série de alterações na dinâmica da prestação de serviços. Nesta dinâmica está o pagamento de benefícios, entre eles, por assim dizer, o Vale-Refeição, tão usual e tão rotineiro que sua natureza deixou de ser questionada.
Vale lembrar que o teletrabalho já vinha positivado na CLT desde novembro de 2017 pela Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017), mas certamente foi a quarentena quem trouxe tal regime à consciência prática e massiva de empregadores e empregados e o fez de forma abrupta, para não dizer estabanada. Esta falta de transição, carência de estratégia, é oriunda do fato de que os contratos atingidos pela exigência do teletrabalho já estavam em curso e com direitos aplicáveis decorrentes do próprio contrato, da Lei e de instrumentos normativos (Convenção Coletiva e eventualmente Acordo Coletivo) que, até então, ainda vigoravam no mundo arcaico da indústria e do chão de fábrica. Verdade seja dita, o Legislador tem se esforçado para adequar o Direito do Trabalho às atuais formas de produção, não mais tão estagnadas,mas é neste costume e tradição já enrugados e atrofiados pelo tempo que está o Vale-Refeição e, na forçosa mudança do trabalho executado no estabelecimento empresarial para as residências do trabalhador é que se precisa, novamente, resgatar a natureza deste auxílio.
Ora, o Vale-Refeição, ou, genericamente, o auxílio refeição, não tem outra natureza senão a indenizatória. Trata-se de parcela paga pelo empregador para o empregado trabalhar, para o empregado ter subsidio a um custo decorrente de sua prestação de serviço longe de sua casa, custo este que se manifesta na saída do trabalhador de sua residência e na necessidade do obreiro ter de se alimentar fora de sua moradia.
Para trabalhar e se alimentar nos arredores da empresa o trabalhador recai em custos, por vezes tão excessivos que, não fosse o vale refeição, seu salário estaria totalmente corroído ao final do mês. Diz-se aqui o óbvio para enfatizar que as estratégias criadas pelo Legislador para assegurar a natureza indenizatória do Vale-Refeição não estão acima do conceito, não são em si a definição do Vale-Refeição, isto, porque, o pagamento via cartão ou empresa especializada no serviço de alimentação ou, ainda, a própria inscrição do empregador no PAT (Programa de Alimentação do Trabalhador) são formalidades e veículos delineadores da indenização e formas de evitar fraudes e excessos de empregadores que pagavam por vezes valores maiores de Vale Refeição que de salário para fugir, ilicitamente, dos encargos trabalhistas.
Pois bem, como dito, o Vale-Refeição tem natureza indenizatória e, se não há o dano, se não há o que ser reparado, não há o que se indenizar. Se o trabalhador não recai no custo extraordinário de se alimentar fora de sua residência, se o trabalhador não tem mais um custo para ir trabalhar, deixa-se de existir o dever de se pagar o Vale Refeição.
Esta colocação é tão logica quanto legal.
O § 2º do artigo 457 da CLT explicitamente garante que o auxílio alimentação, ainda que pago habitualmente, não se incorpora ao contrato de trabalho, assim como não é base de incidência de qualquer encargo, trabalhista ou previdenciário. Veja, a disposição da Lei, a rigor, é desnecessária, uma vez, como dito, que a essência do Vale-Refeição é indenizatória.
Não nos parece restar dúvidas, portanto, que no regime do teletrabalho não se faz necessário ou exigível o pagamento do Vale-Refeição, salvo se em instrumento normativo ou contratualmente tal parcela estiver fixada ao teletrabalhador. Esta é a premissa da exigibilidade e o princípio do Vale-Refeição.
Porém, para bagunçar esta lógica, a MP 936/2020 que autorizou reduções salariais e suspensões contratuais (já convolada na Lei 14.020/20) e, a própria MP 927/2020 que inaugurou a série de regimes de teletrabalho na pandemia, fixaram, quando trataram das suspensões contratuais, que o empregador deveria manter todos os benefícios ao empregado - o que gerou questionamentos se os contratos migrados ao teletrabalho deveriam também carregar o Vale-Refeição, como benefício que supostamente pode ser. A bagunça não parecer ter razão, pois, como dito, a garantia dos benefícios foi posta aos contratos suspensos, como forma de minimizar a precarização da medida – da suspensão contratual sem pagamento de salários, não ao teletrabalho. Ademais, pode-se questionar o conceito de “benefício” dado por alguns ao Vale-Refeição, pois, como sabido, a indenização não vem acrescentar um bem ao trabalhador, mas reparar um dano.
Por todas essas razões e pela menção expressa do § 2º do art. 457 da CLT de que o auxílio alimentação não se incorpora ao contrato de trabalho é que se defende que para os contratos em regime de teletrabalho, migrados durante o estado calamidade ou não, não se faz necessário o pagamento de Vale Refeição, salvo se houver obrigação expressa e específica no contrato de trabalho ou a esta modalidade de trabalho no instrumento normativo.
Por fim, entendemos que para o Vale-Alimentação, aquele gasto em supermercados para compra de alimento in natura, o tratamento deve ser mais cauteloso e o seu pagamento assegurado ao teletrabalhador, mesmo se previsto genericamente apenas em Convenção Coletiva, ainda que sem previsão específica ao regime de teletrabalho, pois sua essência é sim de acrescer um benefício e dar um atrativo ao contrato de trabalho, não o de reparar uma dano causado pela execução de serviços no estabelecimento da empresa.
(*) Breno Euzébio de Faria é sócio coordenador de serviço da área trabalhista do escritório Sevilha, Arruda, Advogados Associados.