Grupo temático integra o Centro de Altos Estudos em Controle e Administração Pública (Cecap) e reúne representantes do TCU, governo, Justiça e de organizações da sociedade civil dedicados ao tema do combate à corrupção
O Centro de Altos Estudos em Controle e Administração Pública (Cecap) realizou, no dia 4 de junho, a primeira reunião do grupo temático (GT) Combate à Fraude e à Corrupção na Administração Pública Federal. Criado pelo Tribunal de Contas da União (TCU), em 2014, o Cecap tem como missão ampliar as conexões entre o TCU e sociedade. Para facilitar o planejamento e a execução das ações do Centro, foram criados cinco grupos temáticos que reúnem servidores do Tribunal, especialistas externos, representantes da sociedade civil e da comunidade acadêmica.
O primeiro encontro do GT de Combate à Fraude e à Corrupção na Administração Pública Federal contou com a presença de 11 representantes de instituições da sociedade e órgãos da Justiça e do Governo Federal. Na abertura do encontro, o presidente do TCU, ministro Raimundo Carreiro, ressaltou a importância do Cecap como um instrumento fundamental para assegurar o diálogo entre o Tribunal e os diferentes públicos externos.
Segundo o presidente, a criação do Centro aconteceu em um contexto de amadurecimento institucional, no qual se busca uma maior abertura e o aperfeiçoamento da estrutura e da forma de atuação do TCU. “Precisamos estabelecer diálogos estratégicos, qualificados e multidisciplinares. Isso envolve instituições públicas, academia, organizações governamentais, além de setores representativos da comunidade”, completou Carreiro.
Participaram da primeira reunião do GT: o diretor presidente do Instituto Ethos, Caio Magri; o presidente ONG Contas Abertas, Gil Castello Branco; o diretor-executivo da Transparência Brasil, Manoel Galdino; a procuradora da República Samantha Dobrowolski; o desembargador federal Fausto De Sanctis, a Subchefe Adjunta de Análise e Acompanhamento de Políticas Governamentais da Casa Civil da Presidência da República, Erika Nassar; a promotora de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) Luciana Asper; o coordenador-geral de repressão à corrupção da Polícia Federal (PF), Marcio Anselmo; o professor e pesquisador da Escola de Ciências Sociais do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas –RJ, Sergio Praça; e o diretor de pesquisa e pós-graduação da Escola Nacional de Administração Pública, Fernando Filgueiras; o advogado da União Pedro Vasques; e o representante do Ministério da Tranparência e Controladoria-Geral da União (CGU) Renato Capanema.
Pelo TCU, a reunião contou ainda com as presenças do secretário-geral de Controle Externo, Cláudio Castello Branco; o secretário-geral adjunto de Controle Externo, Marcelo Luiz Souza da Eira; do diretor-geral do Instituto Serzedello Corrêa, Maurício Wanderley; do secretário de Relações Institucionais de Controle no Combate à Fraude e à Corrupção, Rafael Jardim.
Rafael Jardim, que será o coordenador do grupo, formulou, na abertura do encontro, uma reflexão e um convite a todos os presentes: “o que podemos fazer para sermos mais efetivos no combate à corrupção? E o que podemos fazer juntos?”. Segundo o secretário, o TCU precisa ampliar sua capacidade perceptiva - para identificar a corrupção - e quebrar um traço de Jardim, pelo estabelecimento de parcerias com outros organismos de controle e com a sociedade e pelo desenvolvimento de instrumentos de tecnologia da informação que aumentem a eficácia do trabalho das auditorias.
Para Caio Magri, do Instituto Ethos, é importante construir uma articulação com a Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (Enccla) para consolidar esse espaço focal, organizado e articulado, com o objetivo de construir um Plano Nacional de Combate à Corrupção. Outro ponto defendido por ele é que não é possível melhorar os níveis de transparência e de integridade no ambiente de negócios enquanto se mantiver as regras atuais das compras públicas. “Até quando nós vamos esperar que critérios como integridade, governança, transparência e mecanismo efetivos de prevenção e combate à corrupção, existentes no setor privado sejam considerados nas compras públicas? ”, questionou o diretor do Ethos. Magri concluiu sua reflexão chamando a atenção para o tema do financiamento das campanhas políticas. Apesar da maior parte do financiamento das campanhas, a partir desta eleição, ter se tornado pública, os partidos políticos não são obrigados a cumprir as regras das compras públicas.
Já Erika Nassar, representante da Casa Civil da Presidência da República, chamou a atenção de que o Decreto de Governança (Decreto nº 9.203/2017) e o PL 9163/2017 são duas janelas de oportunidade para incorporar, no dia a dia dos gestores públicos, uma nova cultura de administração que precisam ser fortalecidas. “Eu acredito que o combate à corrupção passa por incentivar também as boas práticas”, comenta.
Para o desembargador federal Fausto De Sanctis, a sociedade, a Justiça e os organismos de controle viveram, nos últimos anos, um sentimento de frustração. Diante dos grandes eventos (Copa do Mundo e Jogos Olímpicos) houve uma flagrante incapacidade de antecipar e prevenir a prática de desvios, conforme foi verificado. O desembargador acredita que a mudança desse cenário passa por uma mudança cultural, que deve começar ainda na escola. “Crianças criadas em um ambiente corrompido absorvem, por imitação, maus hábitos. Temos de cuidar da integridade dos contratos? Sim. Mas será que não seria necessária uma disciplina nas escolas que trate sobre esse tema tanto para crianças quanto para os professores?”, questiona. De Sanctis acrescentou ainda a proposta de discussão sobre o tema da “morte civil” para pessoas condenadas por corrupção, que ficariam proibidas, para sempre, de negociar com a administração pública.
O professor Fernando Filgueiras acredita que o Cecap já promoveu um avanço importante que é pensar a corrupção não apenas em uma lógica meramente punitiva ou criminal. “Nós temos que pensar em como melhorar a gestão pública e como estabelecer mecanismos mais sólidos de governança e transparência”, comenta. Ele destacou, nesse sentido, iniciativas que já estão sendo colocadas em prática, como a Rede Nacional de Compras Públicas, que deve envolver estados, municípios e governo federal para promover melhorias contínuas no processo de compras.
O economista Gil Castelo Branco, da organização Contas Abertas, lembrou que, apesar da Constituição de 1988 ter sido denominada “Cidadã”, o fato é que em nenhum momento ela se refere à expressão “controle social” ou “transparência”. Nesse contexto, ele considera um grande avanço que a sociedade civil integre hoje fóruns como o Cecap. O economista considera que o combate à corrupção no Brasil passa, necessariamente, por quatro aspectos: o aprimoramento da legislação, a redução do Estado, o aperfeiçoamento dos sistemas de controle e o investimento em educação de qualidade. Gil Castelo Branco também ressaltou a importância de garantir o acesso aos dados públicos por parte da sociedade e de se aprimorar as formas de indicação dos gestores dos tribunais de conta.
A promotora de Justiça do MPDFT Luciana Asper reforçou a ideia de que a “epidemia” de repressão e controle que o País vive não é capaz de, sozinha, conter o avanço da corrupção. “Para cada caso descoberto que estamos tentando punir, há outras centenas de esquemas nascendo. Essa certeza gera uma sensação de frustração muito grande”, comentou. Luciana compreende que é necessário investir em amplas campanhas de conscientização junto à sociedade para “quebrar a cadeia” da corrupção. Ela defendeu ainda a difusão de bancos de boas iniciativas como espaços de multiplicação e fomento de novas práticas de prevenção primária.
Da Transparência Brasil, Manoel Galdino defendeu a disseminação de aplicativos móveis que permitam o acesso da sociedade a informações de interesse público e que o governo e os organismos de controle – como o TCU – assumam o compromisso de abrir integralmente os dados que não estejam sob segredo de Justiça. Ele criticou também a prática que o País adota sistematicamente de mudar as Leis que dizem respeito às compras públicas, sem ter controle efetivo sobre o nível de eficácia ou de problemas das leis que estão em vigor. “O que nós temos é um somatório de opiniões pautando a mudança da legislação”, comenta Galdino.
O coordenador-geral de repressão à corrupção da PF, Marcio Anselmo, defendeu o aprimoramento do diálogo entre as bases de dados dos diferentes organismos de repressão e controle, como uma forma de aprimorar o enfrentamento à corrupção. Ainda segundo Marcio, o País precisa também pensar em se antecipar às novas tipologias de crimes.
A procuradora da República Samantha Dobrowolski chamou a atenção para o problema de que muitas leis que têm sido criadas nos últimos anos apresentem deficiências técnicas; mas quando acontece algum movimento de correção, ele é sempre feito no sentido de tentar destruir a legislação. “Esse é um paradoxo do Brasil. Uma sociedade que precisa fazer leis para dar satisfação pública e mostrar que, de alguma forma está se aprimorando, mas que não cumpre essas leis e sequer organiza o seu repertório legislativo”, acrescenta.
Para Renato Capanema, da CGU, o Brasil tem um “mar de normas” para vigiar o criminoso, mas não há clareza na hora de orientar o gestor público. “As normas não são pensadas para ajudar o gestor que quer fazer certo, a fazer a coisa certa”, critica. Segundo ele, o excesso de normas não inibe o mau gestor, mas estimula a troca de favores. “O controle exagerado gera um incentivo errado”, acrescenta.
Na visão de Sérgio Praça, da FGV, o Brasil sofre de um grave problema que é a completa ausência de critérios científicos na criação e avaliação das políticas públicas. “A gente precisa fazer políticas públicas, o máximo possível, a partir de uma avaliação científica dos seus impactos e dos seus resultados”, analisa. Segundo ele, essa lógica deveria ser válida também para as políticas de combate à corrupção.
Fonte: TCU, em 15.06.2018.