O presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Humberto Martins, proferiu neste sábado (10) uma aula magna virtual para alunos do Centro de Estudos José Aras (Cejas), de Salvador, sobre a proteção de dados pessoais a partir de dez direitos subjetivos previstos na Lei 13.709/2018 – a chamada Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), que entrou em vigor no dia 11 de setembro.
"A entrada em vigência dessa lei ocorre após um longo e tortuoso caminho, que se iniciou com a identificação de que o tema da proteção de dados pessoais era uma parte relevante tanto da regulação nacional das aplicações e dos provedores de internet quanto da governança global da rede", comentou o ministro ao traçar o histórico das discussões que levaram à aprovação da norma.
Como evento significativo anterior à lei, o ministro Humberto Martins citou as revelações de Edward Snowden, funcionário da Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos (NSA, em inglês), que em 2013 divulgou documentos para demonstrar que governos e empresas possuíam programas massivos de espionagem dos cidadãos. Segundo o ministro, isso acelerou a tramitação do Marco Civil da Internet, aprovado em 2014 pelo Congresso Nacional (Lei 12.965/2014).
"O Marco Civil da Internet é uma legislação muito importante, pois previu diversas ações em relação aos provedores e às aplicações de internet. Apesar de algumas divergências no período, é uma lei que possui mais consensos do que dissensos", comentou Martins.
Ele lembrou que um dos temas a serem tratados após a aprovação do marco civil foi justamente a proteção de dados pessoais – o que veio a acontecer em 2018, com a aprovação da LGPD. "O Brasil demorou a criar uma lei específica para a proteção dos dados pessoais", comentou o ministro, apontando que leis sobre o assunto existem desde 1978 na França, 2000 na Argentina e 2008 no Uruguai.
Uso eleitoral
Na primeira parte da aula, o presidente do STJ explicou a importância do tema para o direito. Ele mencionou o escândalo que envolveu a empresa de consultoria inglesa Cambridge Analytica, a qual teria utilizado dados pessoais de milhões de pessoas na Europa e nos Estados Unidos para influenciar eleições por meio de propaganda política direcionada.
Na visão do ministro, esse evento, somado à aprovação de um regulamento geral sobre a proteção de dados na Europa, auxiliou na tramitação e aprovação da LGPD no Congresso Nacional.
Humberto Martins destacou que o direito à proteção de dados pessoais é novo, e para compreender a temática é preciso ter claros os conceitos de informação e de dados pessoais.
"Essa questão é crucial, pois o âmbito de aplicação do direito de proteção de dados pessoais se limita exatamente aos casos de possibilidade de identificação", ponderou.
A possibilidade de diversos dados dispersos serem tratados para identificar uma pessoa, segundo o ministro, levou a legislação aprovada a consignar que a pessoa natural é titular dos dados que origina.
"Ela é dona dos seus dados pessoais e deve ser consultada sobre o que pode ser feito com eles, salvo em situações excepcionais. Essa é uma mudança de grande escala", afirmou.
Novos direitos
Durante a segunda parte da aula, o ministro Humberto Martins comentou, um por um, os dez direitos previstos na LGPD para o titular dos dados pessoais. Entre eles, destacou o direito da pessoa de dispor dos seus dados por ato de vontade, o direito à correção desses dados e a possibilidade de sua anonimização.
Para Humberto Martins, um direito que deverá provocar grandes reflexões do Judiciário é a portabilidade dos dados pessoais, conceito diferente de compartilhamento. Ele afirmou que a Autoridade Nacional de Proteção de Dados – entidade prevista na LGPD que ainda será criada – deve fixar um padrão de interoperabilidade para assegurar a portabilidade dos dados pessoais.
O último direito destacado pelo ministro foi o de se opor aos tratamentos automatizados de dados pessoais.
"Esse é o décimo direito, portanto: o direito de explicação e de oposição às decisões automatizadas. Imagine que você preencha um cadastro de crédito, e um programa de computador lhe negue o pedido. É seu direito saber, em primeiro lugar, como se chegou a tal conclusão. E também é seu direito recorrer dessa decisão automatizada", explicou.
No encerramento da aula, o ministro Humberto Martins disse aos alunos que o Poder Judiciário continuará vigilante e preparado para apreciar questões sobre a LGPD, sempre defendendo a cidadania e a justiça.
Fonte: STJ, em 10.10.2020