Por Luciana Rodrigues1
Entendo que a resposta para a pergunta “Como tornar efetivo o programa de Compliance” é muito simples: o programa de Compliance deve ser autêntico.
O que significa um programa de Compliance autêntico? É aquele que reflete os valores, a razão da empresa existir, o seu propósito, a sua causa.
Um programa de Compliance orientado unicamente a políticas, processos, papéis, sistemas, controles, e-mails, cartazes, blogs, treinamentos, KPIs, investigações, consequências, governança, relatórios (ufa!) está fadado ao fracasso, pois não é sustentável. Exige uma energia incomensurável do time de Compliance – e da organização como um todo – para manter esta engrenagem pesada – e chata! – rodando. Afinal, que identidade uma Assistente de Departamento em uma multinacional terá com um e-learning sobre Embargos e Sanções? CHA-TO. Ela vai fazer o treinamento (porque é obrigatório, caso contrário, vai ficar recebendo milhões de e-mails automáticos cobrando a finalização do treinamento), vai passar no teste (e guardar muito bem o certificado, pois vai que o chato do Compliance Officer vem auditar a área), mas não vai internalizar o conteúdo.
Já viu esse filme (de terror)? Eu já, muitas vezes… E já fiz parte da Direção desse filme, das mais diversas e criativas formas. E vivi a experiência triste de não ver o Programa de Compliance como parte da batida do coração da empresa.
Foi então que resolvi relaxar e sair um pouco do mundo dos controles, processos e sistemas e me permiti ir para o mundo real, para o mundo das pessoas. Passei muitas horas no campo, visitando clientes, conversando com o time de vendas, com a equipe comercial… participando das reuniões de time, entendendo “onde o calo aperta” e por quê. E à medida que fui entendendo mais o negócio e entendendo mais as pessoas que fazem o sucesso do negócio, suas motivações, fui percebendo o quão distante meu programa de Compliance estava da vida das pessoas, da razão de existir da empresa.
Concomitantemente a esse processo de descoberta, o time de liderança estava trabalhando em uma maneira de reconectar os funcionários com o orgulho de pertencer à organização. O time passou a resgatar o porquê mais profundo da existência da organização. Relembrou a todos o porquê acordamos de manhã e enfrentamos todas as dificuldades do negócio. Reconectou a todos à causa maior que os une a organização, que é a causa pela qual a organização existe.
A partir daí eu consegui enxergar uma verdade que estava bem na minha cara, um óbvio reluzente ululante que eu não conseguia enxergar por estar tão submergida nos meus controles, processos, KPIs….
A verdade de que todos os funcionários da organização trabalham por um mesmo propósito. E que o programa de Compliance deve servir a esse propósito. Como posso fazer para ajudar o time a atingir o propósito da empresa? A partir daí tudo ficou muito simples: para atingir o propósito, não podemos ser desviados do caminho por pedras que podem ser removidas ou contornadas. Caminhos alternativos que podem parecer mais fáceis naquele momento certamente se mostrarão fatais em algum momento futuro. Assim, para que seja possível atingir o nosso propósito de maneira sustentável, deixar a nossa contribuição para o mundo através da empresa, precisamos todos andar no caminho certo. E isso todo mundo entende muito facilmente. E para isso, todo mundo pode fazer a sua parte. Todos os funcionários, independentemente da função dentro da empresa, percebem que o que eles fazem e como eles fazem, faz total diferença. Inclusive quando se trata de Compliance.
Quando esta conexão foi feita entre Compliance e o propósito maior que une a todos em uma determinada organização, que nos faz acordar todos os dias e dedicar o tempo precioso das nossas vidas a esse propósito…. Quando isso ocorreu, eu não precisei mais colocar o antigo esforço hercúleo para que as pessoas atentassem para as Comunicações de Compliance. Seguir os processos de Compliance deixa de ser uma obrigação fastidiosa e passa a ser um meio essencial que todos querem conhecer infalivelmente para atingir o propósito comum. O último e-learning que lançamos sobre anticorrupção fez enorme “sucesso de bilheteria”. As sessões anuais de Compliance, lideradas pelos gestores das áreas, são aguardadas por todos. Todos querem contribuir. Todos entendem que é essencial contribuir. E todos querem que todos façam sua parte.
O Hotline passou a ser um Helpline. Deixou de ser um canal de denúncia para ser um canal adicional para esclarecimento de dúvidas de Compliance e dilemas éticos e, também, para apontar preocupações sobre pontos que podem atrapalhar o caminho ao atingimento do propósito.
Nesse ambiente, aquela nossa colega Assistente de Departamento vai fazer o e-learning de Embargos e Sanções porque ela quer entender porquê esse tema é tão importante a ponto de termos um e-learning específico para isso. Porque isso pode ser um fator crítico ao atingimento da nossa causa. Com isso, ela ficará atenta a faturas e documentos que possa vir a ter acesso, na sua função de Assistente, e que digam respeito a, por exemplo, negócios com um país sancionado. E poderá levantar a preocupação ao seu gestor. Ou poderá entrar em contato com o Helpline, se preferir.
Desnecessário dizer que a energia que a organização despendia para “cumprir tabela” dos requisitos de Compliance agora é utilizada para potencializar o diferencial competitivo da organização e das pessoas.
Desnecessário dizer também que nada disso vale se os valores e propósito não forem autênticos. Conhecemos diversas empresas que possuíam um lindo Código de Conduta e se envolveram nas situações mais tristes que se descortinaram nos últimos tempos – no Brasil e no exterior. E aí entra também o papel da liderança, do modelo de comportamento… mas podemos deixar este ponto para nossos amigos do RH – ou para um próximo artigo!
Enquanto isso, convido você a refletir sobre o seu propósito pessoal, sobre o propósito da organização da qual você faz parte. E avaliar o quanto o seu Programa de Compliance está ajudando o time no atingimento deste propósito.
1Luciana Rodrigues é advogada formada pela Faculdade de Direito do Largo São Francisco – USP em 1998. Atua há mais de 20 anos como in-house counsel, tendo trabalhado nas mais diversas áreas do Direito Empresarial em companhias nacionais e multinacionais de grande porte: MTV, Volkswagen, BOSCH, General Eletric. Na GE iniciou sua carreira em Compliance em 2009. Em 2013 juntou-se ao time de Compliance da Syngenta como Regional Compliance Officer para América Latina. Atualmente, Luciana vive com seu marido e seus dois filhos na Alemanha e prepara-se para assumir a posição de Ethics & Trade Compliance Officer no Headquarters da Syngenta em Basel, Suiça.
Fonte: Compliance Review, em 16.02.2017.