Por Luciana Dutra de Oliveira Silveira1 e Cristiana Roquete Luscher Castro2
A lei 12.846/13 ou lei anticorrupção, como é conhecida no Brasil, é a primeira lei especial exclusivamente voltada para a prevenção, combate e repressão de atos corruptos, inclusive com a responsabilização da pessoa jurídica. Essa lei foi inspirada em exemplos estrangeiros como o FCPA - Foreign Corruption Practice Act, dos Estados Unidos, e o BA - Bribery Act, da Grã-Bretanha. Todos esses atos, por sua vez, são inspirados em longas negociações internacionais sobre o tema.
Com efeito, a cooperação internacional frente às práticas corruptas se intensificou consideravelmente na década de 90, o que resultou na adoção de uma série de instrumentos internacionais. Alguns exemplos importantes são:
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Convenção Interamericana contra a Corrupção de 1996 (Convenção da OEA - Organização dos Estados Americanos);
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Convenção da OCDE - Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico sobre o Combate ao Suborno de Oficiais Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais de 1997;
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Convenção Penal do Conselho Europeu contra Corrupção de 1999;
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Convenção Civil do Conselho Europeu contra Corrupção de 1999; e
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Convenção da ONU - Organização das Nações Unidas contra a Corrupção de 2003.
Em que pese as peculiaridades de cada ato, todos os acordos internacionais citados acima são instrumentos de repressão contra a corrupção.
Nos EUA, o FCPA foi promulgado ainda em 1977 com o propósito específico de criminalizar a prática por companhias norte-americanas, ou seus representantes, de suborno de oficiais públicos estrangeiros. Apesar das inúmeras emendas que enfraqueceram a lei por anos, o FCPA foi e continua sendo um marco na promoção da luta anticorrupção em todo o mundo.
A Grã-Bretanha publicou o BA em 2010 e foi além do próprio FCPA. Considerada como uma das legislações mais severas no mundo em termos de combate à corrupção, o BA tipificou quatro crimes; (i) a corrupção ativa de sujeitos públicos e privados, (ii) a corrupção passiva de sujeitos públicos ou privados, (iii) corrupção de agentes públicos estrangeiros e, por fim (iv) a falha das empresas na prevenção da corrupção.
No Brasil, o CP já prevê sanções pecuniárias e de reclusão contra corrupção ativa e passiva. Recentemente, no entanto, houve uma preocupação maior de desenvolver instrumentos especiais de combate à corrupção. Notadamente, buscou-se uma forma punir o único elo ainda ileso nos atos de corrupção, isto é, a empresa. Nesse sentido, as atividades legais específicas contra a corrupção se iniciaram em 2010, com o PL 6.826/10. Esse projeto deu ensejo à atual lei 12.846/13 que entrará em vigor em 28 janeiro de 2014.
Em linhas gerais, as principais mudanças trazidas pela nova lei anticorrupção no Brasil foram: (i) aplicação nacional e extraterritorial, visto que também condena o brasileiro que pratica ato corrupto no exterior; (ii) estabelecimento de responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas pela prática de atos corruptos de seus funcionários, bem como no caso de sucessão empresarial; (iii) possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica, ou seja, responsabilidade direta de sócios e administradores; (iv) criação da figura do acordo de leniência para atos corruptos; (v) previsão de que a aplicação de sanções levará em consideração, dentre outros aspectos, os programas de compliance; (vi) aplicação de multas elevadas e (vii) criação de um Cadastro Nacional das Empresas Punidas.
A título comparativo, vejamos abaixo tabela sobre a lei anticorrupção no Brasil, o FCPA, nos Estados Unidos, e o BA, na Grã-Bretanha:
Previsão |
Brasil |
FCPA |
UK |
Corrupção |
Existência de corrupção pública, inclusive entre funcionários públicos nacionais e estrangeiros. |
Existência de corrupção pública, apenas no âmbito de funcionários públicos estrangeiros. |
Existência de corrupção pública e privada. |
Tipo de responsabilidade |
Objetiva administrativa e civil. |
Objetiva para atos relacionados à contabilidade e subjetiva civil e penalmente. |
Objetiva penalmente (strict liability) |
Multa |
0.1% - 20% Fat. Bruto R$ 6 mil a R$ 6 milhões (elevadas sanções) |
US$ 2 milhões (2x o benefício) / US$ 25 milhões |
Multa ilimitada |
Outras penalidades |
Criação do Cadastro Nacional das Empresas Punidas; publicação da decisão condenatória; dissolução compulsória e proibição de receber incentivos, subsídios ou empréstimos de entidades públicas. |
Suspensão ou proibição de contratar com o Poder Público |
Não há previsão de outras penalidades. |
Programas deCompliance |
Identificação e avaliação do risco, medidas de mitigação, aplicação do programa e revisão periódica. |
Consideração aplicável |
Consideração aplicável |
Leniência |
Possível a celebração de acordos. |
Possível a celebração de acordos. |
Possível a celebração de acordos. |
Observa-se, que a nova lei anticorrupção no Brasil ainda apresenta diversas deficiências. A primeira delas, e de fácil identificação, diz respeito ao elevado grau de sobreposição com matérias tratadas em outras normas importantes como a lei concorrencial/antitruste (lei 12.529/11), a lei de licitações públicas (lei 8.666/93) e a lei de improbidade administrativa (lei 8.429/92). Isso pode enfraquecer sua aplicação e dar ensejo a inúmeros debates formalísticos. Adicionalmente, a CGU - Controladoria Geral da União ainda regulamentará diversos aspectos procedimentais como critérios de avaliação e dosimetria das sanções, parâmetros de consideração dos programas de compliance, previsões diferenciadas para micro e pequenas empresa, entre outros pontos.
Muito embora a nova lei anticorrupção no Brasil ainda tenha suas deficiências, a entrada em vigor da nova lei será uma iniciativa importante para que o país passe a ocupar uma melhor posição no cenário mundial, especialmente considerando que, de acordo com o índice de percepção da corrupção (Corruption Perception Index), o Brasil ainda ocupa a 72ª posição, atrás de países como Namíbia, Gana e Kuwait.
1Luciana Dutra de Oliveira Silveira é advogada do escritório De Vivo, Whitaker e Castro Advogados.
2Cristiana Roquete Luscher Castro é advogada do escritório De Vivo, Whitaker e Castro Advogados.
Fonte: Migalhas, em 09.01.2014