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Europa estabelece nova autoridade de prevenção à lavagem e aprova novo “Pacote PLD”

No dia 24 de abril, o Parlamento Europeu aprovou um pacote de propostas com quatro novos atos normativos, o qual implementou uma uniformização para o controle de Prevenção à Lavagem de Dinheiro (“PLD”) entre todos os Estados-membros da União Europeia (“Pacote PLD”). As novas medidas consolidam a instituição da Unidade de Inteligência Financeira da UE, batizada de Autoridade de Prevenção à Lavagem de Dinheiro e Combate ao Financiamento do Terrorismo (“AMLA”, na sigla em inglês).

As medidas normativas ainda abarcam diversas áreas que, recorrentemente, são utilizadas para fins de lavagem de ativos, modernizando e homogeneizando o sistema de PLD em território europeu. O Pacote PLD originou-se de proposta submetida ao Parlamento pela Comissão Europeia em 2021 e inclui quatro normativos, sendo uma Diretiva (de caráter direcional, com orientações para os países-membros) e três Regulamentos (de caráter autoaplicável): (i) uma Diretiva geral sobre PLD, com orientações sobre as Unidades de Inteligência Financeira internas, sobre as Avaliações Nacionais de Risco e sobre os registros de Beneficiários Finais, além de outros temas; (ii) um Regulamento sobre transferência de fundos, para incluir expressamente controles sobre transferência de ativos virtuais/criptoativos; (iii) um Regulamento para o setor privado, trazendo normas de vigência transnacional para pessoas obrigadas a possuírem controles de PLD (“Pessoas Obrigadas”); e (iv) o Regulamento que cria e organiza a AMLA.

A AMLA já está sendo constituída e deve estar operacional em meados de 2025, com a expectativa de completar seu quadro funcional até 2027. O conjunto de Regulamentos, por sua vez, deve entrar em vigor apenas em 2027, dando prazo para que os países-membros e as entidades privadas possam se adaptar às profundas alterações no sistema de PLD europeu.

O novo conjunto de regras aprovadas irá impactar de maneira relevante não apenas as instituições sediadas na União Europeia, mas também aquelas estrangeiras que mantenham negócios no âmbito dos Estados-membros, as quais deverão atualizar os seus programas de PLD para cumprir com as novas exigências. Os novos parâmetros introduzidos pelo Pacote devem também reverberar a nível global, tanto por impactar as subsidiárias de empresas cujo controle se encontra na Europa, quanto por motivarem mudanças nas regulações de PLD de outros países inseridos no comércio global e que mantenham relações próximas com a União Europeia. No caso do Brasil, espera-se que as alterações apresentadas motivem mais integração entre o COAF e o GAFILAT e a AMLA, especialmente considerando a ebulição do tema após a recente rodada de avaliação conduzida pelo GAFI no país no último mês de dezembro.

Abaixo, alguns destaques das novidades dos Pacote PLD:

1) A AMLA

A AMLA terá a função de supervisionar as Pessoas Obrigadas, com destaque para as pertencentes a segmentos que não possuem um regulador especializado e de prestar apoio às UIFs já existentes nos países-membros da União Europeia. A AMLA assumirá a função de fiscalizar áreas do setor financeiro que estão expostas ao elevado risco de lavagem de dinheiro e de financiamento ao terrorismo, operando numa base transfronteiriça em, pelo menos, seis Estados-membros. Além disso, a AMLA poderá assumir a supervisão de qualquer UIF ou de qualquer Pessoa Obrigada (ente privado) a pedido do supervisor nacional ou por sua própria iniciativa, caso exista interesse da União Europeia em fazê-lo. 

Dentre as funções de destaque da nova autoridade, chama atenção o fato de que a AMLA passará a monitorar diretamente as Pessoas Obrigadas do setor financeiro que exerçam atividade em, pelo menos, seis Estados-membros e tenham um perfil de risco residual elevado, em conformidade com a metodologia de análise de risco que será desenvolvida pela Autoridade. Por fim, a AMLA facilitará a cooperação, o intercâmbio de informações e a identificação das melhores práticas entre as UIFs dos Estados-membro da União Europeia, estabelecendo normas para o intercâmbio de informações, iniciando ou organizando e apoiando análises operacionais conjuntas. 

2) Novas Pessoas Obrigadas

Os Regulamentos trouxeram novas exigências que devem ser cumpridas pelos Estados-membros, entre elas um aumento na abrangência da lista Pessoas Obrigadas – aquelas que deverão adotar uma série de procedimentos especiais e condutas capazes de identificar e prevenir a lavagem de dinheiro e o financiamento ao terrorismo, além de comunicar operações financeiras previamente estabelecidas

O Pacote PLD faz menção expressa a novas normas para o setor de Ativos Virtuais, do Futebol (tanto clubes quanto agentes de atletas), de Bens de Luxo (com menções a carros, yatchs e jatos executivos), Mercadores de Bens Culturais (arte, antiguidades, etc.). Nota-se a inclusão das provedoras e instituições financeiras com serviços relacionados aos criptoativos, possuindo a obrigação de fornecer informações completas a respeito da origem e destinação dos ativos virtuais transacionados. 

Ainda sobre criptoativos, os novos Regulamentos indicam que os prestadores de serviços devem tornar acessíveis os dados originais sobre os beneficiários das transferências e, para os prestadores de serviço com sede em outro Estado-membro, fica criado o dever de apontar um “ponto fixo” com a função de ser o lugar central para eventuais requisições e fornecimento de informações. 

Por fim, as normativas trouxeram medidas necessárias para o “Crowdfunding”, como resposta a recentes episódios de falsos projetos humanitários que foram utilizados para o financiamento de grupos terroristas. As novas normas determinam que cada Crowdfunding registre qual sua finalidade, demonstre a destinação dos recursos captados, bem como indique quem são os administradores (tanto pessoa física como jurídica) responsáveis pelo projeto e a origem dos valores arrecados.

3) Novas Regras para antigas Pessoas Obrigadas 

Entre os setores que já estavam presentes na lista de Pessoas Obrigadas, o Pacote PLD trouxe novas medidas a serem adotadas. Sobre o setor imobiliário, as normativas uniformizaram e determinaram procedimentos a serem adotados por empresas que possuem ou pretendem adquirir propriedades na União Europeia. Primordialmente, foi determinado que empresas estrangeiras que possuam imóvel na União Europeia desde 2014 registrem quem são os indivíduos que controlam a empresa, e seus eventuais beneficiários. 

Foi estabelecido ainda que, as imobiliárias e os agentes imobiliários devem realizar uma fiscalização rígida e uma análise sólida sobre as partes que estão negociando, bem como avaliar a veracidade das informações e a origem lícita dos bens, buscando assegurar que as transações sejam seguras. As novas regras ainda determinaram que as imobiliárias forneçam o valor de venda e os ônus, bem como garantam os meios para que essas informações sejam facilmente acessadas pelas autoridades. Analisando a variedade de registros imobiliários e as inúmeras fontes contendo informações financeiras relativas a bens imóveis, os atos normativos exigiram a disponibilização de um portal digital único, onde as autoridades poderão obter rapidamente todas as informações a respeito de um imóvel, sendo que os Estados-membros terão de criar esses pontos de acesso em até 5 anos.

A normativas estabeleceram um conjunto de regras para todas as Pessoas Obrigadas que impõe um limite máximo para grandes pagamentos com o dinheiro em espécie, afixado em € 10.000,00 (dez mil euros). Porém, mesmo estabelecendo esse limite para as transações em papel moeda, todas as transações acima de € 3.000,00 (três mil euros) necessitarão de identificação do beneficiário final e serão objeto de eventual comunicação às UIFs locais. Por fim, cabe mencionar que o valor máximo estabelecido pode ser reduzido a depender de cada Estado-membro, assim, caso o país entenda que o valor está alto e necessita de um valor menor para neutralizar riscos. 

O mesmo ocorreu com os itens de luxo que também já faziam parte da lista de Pessoas Obrigadas, uma vez que esse mercado segue sendo utilizado para condutas indevidas. Os atos normativos estabeleceram que, as transações envolvendo bens de alto valor como pedras preciosas e joalheria que ultrapassem € 10.000,00 (dez mil euros), devem ser prontamente comunicadas às unidades de inteligência, o mesmo ocorre com automóveis com valores superiores a € 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros) e para aviões e barcos com valores superiores a € 7.500.000,00 (sete milhões e quinhentos mil euros). Salienta-se ainda que, independentemente de como forem feitas essas transações envolvendo os bens de luxo, elas deverão ser notificadas e as Pessoas Obrigadas devem dispor de informações a respeito do proprietário.  

4) Beneficiários Finais e os Super Ricos 

Com o novo Pacote, ficam estabelecidos novos parâmetros aplicáveis de maneira uniforme a todos os Estados-membros para definir as pessoas naturais que serão consideradas beneficiários finais de uma determinada entidade privada. No caso de indivíduos que detêm alguma participação na sua estrutura, serão considerados beneficiários finais aqueles que detiverem mais de 25% das ações ou dos direitos de voto. Quando não houver uma relação direta de participação, devem ser considerados beneficiários finais aqueles que, de alguma forma, exercem controle relevante sobre as suas decisões, mediante direitos de veto, por exemplo, ou mesmo aqueles que tenham vínculo familiar com os seus controladores ou que integrem arranjos de indicação de diretores ou de acionistas.

Como medida de transparência, os Estados-membros deverão formular uma lista contemplando todas as espécies de empresas e outras entidades privadas existentes de acordo com a sua legislação nacional, descrevendo as especificidades de cada estrutura e indicando aquelas em que não seja possível a identificação do beneficiário final. Essa lista será submetida à análise da Comissão Europeia, órgão executivo da União, que poderá recomendar a adoção de procedimentos ou critérios adicionais para a identificação dos beneficiários finais de estruturas jurídicas especificas de cada Estado-membro.

As novas regras incidirão sobre todas as entidades privadas sediadas em algum Estado-membro, e sobre aquelas estrangeiras que mantenham propriedade imobiliária ou negócios no território destes países, ficando obrigadas a identificar os seus beneficiários finais e a encaminhar os seus respectivos dados para registro, garantido que sejam mantidos corretos, atualizados e precisos. Caso a tarefa de identificação não seja bem-sucedida, é necessário registrar todos os procedimentos e medidas empregados para este fim, bem como apresentar, de maneira suplementar, os dados das pessoas naturais que detenham posições sêniores de diretoria dentro da entidade. As obrigações também incidirão sobre indivíduos atuando sob indicação como acionistas votantes ou diretores em uma determinada entidade, que deverão fornecer os dados para identificação do seu indicante e do seu respectivo beneficiário final. As informações de beneficiário final país-membro serão mantidas em registros centrais criados pelos Estados-membro. Esses registros centrais deverão ser interconectados e vinculados a um sistema integrado mantido a nível da União, de modo a facilitar o intercâmbio de informações. 

Por fim, o Pacote trouxe ainda algumas diretrizes para guiar a regulamentação, em âmbito doméstico dos Estados-membros, do direito de acessar esses registros centrais – criando níveis diferentes de acesso para cada parte interessada. A princípio, sugere que seja garantido acesso irrestrito a autoridades governamentais que exerçam atividades de supervisão de PLD e de persecução criminal de crimes de lavagem e de eventuais ilícitos antecedentes, incluindo autoridades fiscais e entidades autorreguladoras que atuem na supervisão. Para as Pessoas Obrigadas, recomenda que seja concedido acesso especificamente durante o emprego de procedimentos de identificação de clientes. Para o público geral, por sua vez, o Pacote PLD recomenda a concessão de um acesso limitado que disponibilize apenas aquelas informações estritamente necessárias para identificar o beneficiário final. A regulação por níveis de acesso impõe restrições significativas que endereçam o entendimento firmado pelo Tribunal de Justiça Europeu sobre o tema, expressado no julgamento do caso Sovim SA x LBR, em novembro de 2022, quando o Tribunal concluiu que o acesso irrestrito e geral às informações de beneficiários finais seria incompatível com a garantia dos seus direitos à proteção de dados.

O time de Penal Empresarial do Veirano Advogados acompanha de perto todas as novidades do mundo jurídico internacional e está à disposição para esclarecer qualquer dúvida.

Fonte: Veirano Advogados, em 09.05.2024