Por Luiz Salles (*)
O fim de ano se aproxima e, com ele, os tradicionais votos e lembranças. Em um cenário de consolidação de programas de compliance empresariais, os fins de ano contemporâneos também têm sido marcados por dúvidas sobre a oferta e recebimento de presentes pelas empresas e seus colaboradores. Estamos, portanto, em boa hora para recordar as regras sobre a oferta e o recebimento de presentes e brindes a agentes públicos.
Tais regras são elementos importantes de programas de compliance e precisam atentar às diferentes diretrizes legislativas e regulamentares aplicáveis aos diversos entes federados e poderes, órgãos e agentes da administração pública. Não se trata de uma chatice, nem de mera burocracia. O controle sobre a oferta e o recebimento de presentes e brindes é um meio para evitar a ocorrência ou a percepção de corrupção (pública e privada) e conflitos de interesse. Além disso, a limitação de agrados pessoais pelas empresas tem, na sua origem, uma conexão genuína com o ideário de mercado: a noção de que é a excelência dos produtos e serviços prestados o motor do sucesso empresarial – e não os agradinhos pessoais.
De forma genérica, as regras sobre oferecimento e recebimento de brindes e presentes em programas de compliance podem ser categorizadas em três grupos típicos:
- Proibição de oferecer/receber presentes;
- Permissão de oferecer/receber presentes, desde que com reporte a alguma instância;
- Permissão de oferecer/receber presentes, desde que limitados a certos valores e/ou condições – que normalmente visam a garantir que os presentes sejam meros “brindes”.
Não há, necessariamente, maior ou menor mérito em uma ou outra solução dentre as delineadas acima. Respeitada a lei e a integridade corporativa, a decisão sobre o desenho das regras de oferecimento e recebimento de presentes deve ser tomada a partir da prontidão ao risco de cada empresa e é prévia ao controle do cumprimento das regras no âmbito do gerenciamento do programa de compliance.
Entretanto, como consequência necessária do regramento, programas de compliance implicam algum tipo de controle sobre oferta de presentes. Exceto pelos casos em que há proibição de oferta (grupo 1 delineado acima), impõem-se considerações sobre os limites e condições que distinguem a oferta legítima da ilegítima de presentes, notadamente quando agentes públicos estão na ponta recebedora. É nesse contexto que empresas necessitam atentar para os diferentes limites e condições aplicáveis no Brasil a depender do ente federado, esfera de poder e até mesmo órgão ao qual se vincula o agente público. Uma empresa compliant precisa atender a cada limite e condição aplicável, seja balizando-se por um “mínimo denominador comum”, seja customizando a oferta de brindes à legislação em questão.
Pode-se afirmar que ainda existe distanciamento entre as regras sobre presentes nos programas de muitas empresas e a legislação aplicável. Programas de compliance baseados no modelo de reporte podem estar permitindo, pelo menos em tese, brindes fora do estritamente permitido pela legislação. Por outro lado, programas que impõem um limite de valor único para brindes no mundo todo (por exemplo, uma centena de dólares) podem estar permitindo, pelo menos em tese, brindes em desatenção à lei brasileira. Nesses casos, é necessário um controle específico que filtre a concessão do brinde de acordo com os critérios da lei.
Por exemplo, o estado do Rio de Janeiro permite expressamente o recebimento de brindes por agentes públicos até o valor de mil reais. Já o estado de São Paulo veda o recebimento de brindes de “valor elevado”. No caso do estado de Minas Gerais, o limite é um salário mínimo, ao passo que, no Distrito Federal e no município de São Paulo, o limite é cem reais — mesmo valor de referência aplicável ao servidor público da Alta Administração Federal. Em contraste, o parlamentar de Mato Grosso do Sul não pode receber brinde com valor econômico e o servidor do Ceará não pode aceitar bem ou serviço dado gratuitamente em razão do cargo ou função. Já o servidor do Espírito Santo pode receber presentes com valores individuais inferiores a cem reais, até o limite de duzentos reais no ano.
A despeito das políticas internas de cada empresa, os administradores de programas de compliance e os Departamentos Jurídicos das empresas não podem negligenciar a grande proliferação de leis e regulamentos sobre valores e outras condições para recebimento de presentes e brindes por agentes públicos. Ao passo que as políticas internas são para o apetite do freguês, a legislação, claro e sempre, se aplica a todos. Alinhar a prática de concessão de presentes à complexa legislação brasileira é mais uma forma de prevenir aquela indesejada ressaca após as festas de fim de ano.
(*) Luiz Salles é sócio e coordenador das práticas de Direito da Concorrência, Direito do Comércio Internacional e Compliance Anticorrupção no Azevedo Sette Advogados.
Fonte: O Estado de S. Paulo, em 02.12.2018.